Conspirações de direita em torno do coronavírus custam vidas

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19 Março 2020

O que é mais assustador do que a Covid-19? As conspirações de direita em torno da Covid-19. Momentos como este levam as pessoas a mostrarem o seu “eu” mais verdadeiro, se não até o seu melhor “eu”. Como Simeão disse a Maria: “Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações” (Lucas 2,35).

A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 18-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O presidente dos Estados Unidos tem sido tolo, e, por estar em uma posição de responsabilidade, sua tolice tem custado caro. No New York Times, David Leonhardt nos fez o favor de coletar alguns dos comentários irresponsáveis do presidente. O meu favorito? No dia 19 de fevereiro, o presidente disse a uma emissora de televisão de Phoenix, Arizona: “Eu acho que os números vão melhorar progressivamente à medida que avançamos”. Isso seria verdade se ele estivesse falando dos números do ex-vice-presidente Joe Biden, e não do coronavírus.

O fio condutor mais comum entre as muitas idiotices do presidente Donald Trump tem sido: “Nós temos o vírus totalmente sob controle”, que o presidente disse no dia 22 de janeiro e em várias ocasiões desde então, e que ele repetiu novamente na segunda-feira.

O fato é que o vírus está longe de estar sob controle. As mentiras do presidente levaram a uma das mudanças mais notáveis da opinião pública na minha vida: em fevereiro, 72% dos republicanos disseram que pensavam que a ameaça representada pelo coronavírus era real, mas agora apenas 40% dos republicanos consideram a ameaça real, de acordo com uma pesquisa de NPR/PBS NewsHour/Marist, uma mudança muito além da margem de erro de 4,8% da pesquisa. [...]

O governador de Oklahoma, Kevin Stitt, enviou um tuíte incentivando as pessoas a irem aos restaurantes, acompanhadas de uma foto sua com seus filhos em um restaurante “lotado”. O deputado republicano da Califórnia Devin Nunes proclamou que “é um ótimo momento para ir a um restaurante local”, exceto que realmente não era. O Mises Institute, um dos guardiões da chama libertária, elogiou a resposta na Coreia do Sul, em oposição à da Itália, atribuindo-a ao fato de que a maioria dos hospitais na Coreia do Sul é de propriedade privada, passando por cima do fato de que a Coreia do Sul tem um sistema público de saúde semelhante ao Medicare for All.

O megafone oficial do presidente, a Fox News, passou a maior parte dos últimos dois meses cantando variações da velha música de Bobby McFerrin, Don't Worry, Be Happy[Não se preocupe, seja feliz]. (os personagens do videoclipe, na realidade, podem representar a multidão de membros do atordoado governo que ficam atrás do púlpito do presidente!) Agora, eles estão elogiando a liderança “ousada” do presidente. Mas o dano foi causado, e pessoas inocentes se expuseram desnecessariamente ao vírus letal.

Manter falsas esperanças é perigoso. Incentiva as pessoas a não levarem a ameaça a sério. E o “Mundo Trump” nunca fica sem pessoas dispostas a transitar na loucura. David Clarke, ex-xerife do Condado de Milwaukee, que foi um proeminente suplente de Trump em 2016, divulgou algumas das teorias mais loucas e absurdas. “NENHUMA mídia perguntou sobre o envolvimento de George Soros nesse pânico de GRIPE”, tuitou Clarke. “Ele está envolvido nisso DE ALGUM MODO.” Nada como um pouco de antissemitismo para apimentar as coisas. Clarke, assim como Nunes, também incentivou as pessoas (ele tem 917.000 seguidores no Twitter) a irem a bares e restaurantes, ignorando o alerta dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. O Twitter derrubou seus perigosos tuítes.

Os conservadores religiosos não ficaram muito atrás de seus colegas seculares ao expor sua insanidade ideológica. A Latin Mass Society [Sociedade da Missa em Latim] afirmou que a Comunhão não pode ser recebida na mão, apesar dos perigos quase óbvios de o padre encostar seus dedos na boca das pessoas.

O arcebispo Alexander Sample, de Portland, Oregon, chegou até a emitir um decreto proibindo seus padres de insistirem em dar a comunhão na mão. Temos que definir as nossas prioridades.

O arcebispo Carlo Maria Viganò, sempre rápido em criticar, opôs-se às decisões tomadas na Itália para suspender as missas públicas. Eu não tinha nem ideia de que o arcebispo havia se formado em saúde pública.

Meu favorito na opinião católica conservadora sobre o vírus foi Taylor Marshall, que invocou as Escrituras hebraicas como um precedente para jogar a culpa pela Covid-19 sobre a introdução da idolatria por parte do Papa Francisco sob a forma da Pachamama durante o Sínodo Amazônico no ano passado. É impressionante ver pessoas que afirmam ser religiosas serem tão rápidas em usurpar a soberania de Deus ao afirmarem por que certas coisas acontecem.

Porém, Marshall teve que abandonar sua teoria da vingança divina, quando soube que Alexander Tschugguel, o homem que jogou a estátua da Pachamama no Rio Tibre e filmou seu vandalismo, contraiu o coronavírus.

Deixemos que o bispo Joseph Strickland, de Tyler, Texas, una as pontas entre os políticos libertários e a direita católica. Em um tuíte no fim de semana passado, ele escreveu: “Enquanto todos navegamos nesta pandemia, eu espero que possamos considerar com calma a escolha mais prudente para nós mesmos e para o bem dos outros. Será que vou à Igreja, a outro encontro, participo de uma reunião? Por favor, não faça simplesmente o que lhe disserem. Todos nós precisamos tomar decisões importantes”.

Na verdade, não. As pessoas estão bem aconselhadas a fazer o que as autoridades de saúde pública lhes disserem para fazer. Você até espera que o bispo acompanhe as procissões eucarísticas que ele mesmo convocou. No evento, sua triste e pequena procissão teve tão pouca participação que provavelmente não causou perigo à saúde, pois eu contei apenas oito pessoas presentes, ou nove, se você incluir o Senhor Jesus. Sério, o bispo é uma ameaça à saúde pública. Isso não é suficiente para exigir a sua renúncia?

Strickland não estava sozinho. Um pastor protestante da Flórida defendeu a sua decisão de não apenas manter os cultos, mas também de acolher os participantes com apertos de mão. “Esta Escola Bíblica está aberta porque estamos formando revivalistas, e não maricas”, disse ele. Isso desencadeou o melhor tuíte de toda esta crise até agora, de autoria de Don Clemmer, um freelancer frequente aqui no NCR: “Entrando no jogo de Darwin...”.

Em que mundo vivemos... Eu espero que todos fiquem sãos e salvos. Morando aqui no fim do mundo, em uma cidade de 1.700 almas, a 15 minutos de carro do supermercado mais próximo, estou bastante acostumado a um pouco de isolamento social. Até agora, o principal benefício foi o de ter mais tempo para ler mais livros, mas agora tenho a alegria adicional de saber como Karl Marx estava errado quando escreveu no “Manifesto Comunista” sobre “a idiotice da vida rural”. A idiotice dos ideologicamente bitolados é mais preocupante.

 

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