Qual é a real periculosidade do coronavírus? Artigo de Michael Agliardo, jesuíta e sociólogo

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12 Março 2020

Michael Agliardo, jesuíta e sociólogo estadunidense especializado em relações com a Igreja na China, teme que muitas pessoas estejam subestimando a real ameaça do Covid-19.

Agliardo também é diretor executivo da Associação Católica EUA-China (USCCA, na sigla em inglês), com sede em Berkley, Califórnia.

O artigo foi publicado em La Croix International, 11-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Existem muitos sinais confusos sobre o coronavírus, conhecido como Covid-19. Alguns artigos provocam pânico, como se pegar o vírus fosse uma sentença de morte. Não é, pelo menos não para a maioria das pessoas.

Mas igualmente enganosos são aqueles artigos que estão comparando o vírus à gripe sazonal.

O problema com muitas dessas comparações é que elas não são simétricas. Por exemplo, somos informados de que apenas 4.000 pessoas morreram de coronavírus, enquanto, a cada ano, em um país economicamente privilegiado como os Estados Unidos, dezenas de milhares de pessoas morrem devido à gripe comum.

A diferença é que, no caso da gripe comum, os patógenos já estão circulando na população humana em geral, enquanto, no caso do Covid-19, é exatamente isso que estamos tentando prevenir. Por essa razão e várias outras, a comparação com a gripe comum é extremamente improdutiva.

Não é gripe

Infelizmente, a resposta inicial ao vírus nos EUA pareceu sofrer com essa confusão fundamental.

Por exemplo, em seu depoimento a uma comissão do Senado dos EUA que trabalha no financiamento do combate da doença, Chad Wolf, secretário interino da Segurança Nacional, afirmou que a taxa de mortalidade da gripe comum e do Covid-19 está aproximadamente no mesmo patamar.

Ele protestou que não havia verificado os números, então não tinha certeza. Como se viu, ele estava muito errado, tão longe da realidade que podemos nos perguntar sobre a competência do governo que ele representa.

Eu não sou um epidemiologista. No entanto, como diretor de uma organização que trabalha com a Igreja na China, tenho observado o progresso e a contenção do surto do Covid-19 lá.

Estou preocupado que os níveis mais altos do governo dos EUA tenham demonstrado tanta indiferença com a doença.

Corrigindo os equívocos

Em termos de mortalidade, o Covid-19 é muito mais letal do que a gripe.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou recentemente que o coronavírus matou 3,4% das pessoas infectadas (o que é consideravelmente superior à estimativa de 2% que havia sido divulgada anteriormente). Enquanto isso, para os EUA, o Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) estima que a taxa de mortalidade da gripe sazonal esteja em torno de 0,12%.

Em ambos os casos, idosos e pessoas com outras condições médicas graves têm maior probabilidade de sofrer catastroficamente. No caso do Covid-19, a taxa de mortalidade para idosos aumenta dramaticamente com a idade, aproximando-se de quase 15% entre as pessoas com 80 anos ou mais.

Ao mesmo tempo, o Covid-19 também cobrou a vida de pessoas de meia-idade com boa saúde ou cujas circunstâncias médicas não apresentavam risco de morte. Somente nesses aspectos, o vírus é uma ameaça substancialmente mais séria que a gripe.

Risco de morte não é a única preocupação

Ao mesmo tempo, a taxa de mortalidade de qualquer doença é apenas uma parte do quadro. Também é preciso levar em consideração sua prevalência ou disseminação, a gravidade do tratamento necessário (como a hospitalização) e qualquer impacto de longo prazo da doença sobre as pessoas que sobreviveram.

Em termos de disseminação, muito mais pessoas contraíram a gripe sazonal do que o Covid-19 (até agora). E, apenas por essa razão, a gripe tem um impacto muito maior na saúde.

Por exemplo, o CDC dos EUA estima que 45 milhões de estadunidenses pegaram a gripe sazonal em 2017-2018. Esse número é muito maior do que os meros 650 casos confirmados do novo coronavírus nos EUA até agora.

Vale ressaltar que 45 milhões de vítimas da gripe sazonal representam apenas aproximadamente 14% da população total dos EUA, estimada em cerca de 331 milhões de pessoas.

A gripe é transmitida por vírus que viajam por toda a população em geral. O número de pessoas que a pegariam seria, de fato, maior, não fosse o fato de algumas pessoas terem construído imunidades.

Por exemplo, elas podem ter tido exposição prévia à gripe ou podem ter se vacinado. Essas pessoas não transportam prontamente a doença para outras pessoas, e isso retarda a sua disseminação.

Uma doença que se espalhou rápida e indiscriminadamente

Enquanto isso, o Covid-19 se espalha fácil e sub-repticiamente. Como as pessoas não podem se vacinar contra ela, e como poucas têm a imunidade natural resultante da recuperação de uma infecção viral, praticamente todos podem pegar, incubar e transmitir o coronavírus.

Portanto, algumas estimativas científicas são de que, se não for verificado (o que não é o caso, é claro), o Covid-19 poderá se espalhar para 40-70% da população mundial. Isso equivale a algo entre 3,3-5,5 bilhões de pessoas. Uma estimativa média seria de 4,4 bilhões.

Isso significaria entre 130-230 milhões de pessoas nos EUA. Uma estimativa média seria de 180 milhões de cidadãos estadunidenses.

Em outras palavras, a falta de medidas de contenção adequadas em nível individual e coletivo (exercício adequado de segurança e higiene pessoal, limitação de viagens, isolamento de precaução, cancelamento de encontros e implementação de medidas apropriadas de contenção comunitária quando necessário) resultaria em muito mais pessoas contraindo o Covid-19 do que a gripe comum.

Covid-19 poderia matar dezenas de milhões de pessoas

Se o coronavírus infectasse 4,4 bilhões de pessoas em todo o mundo (e 180 milhões nos EUA), as mortes resultantes de uma taxa de mortalidade de 3,4% superariam amplamente as mortes resultantes da gripe sazonal.

Estima-se que 150 milhões de pessoas no mundo morreriam: 6 milhões somente nos EUA. Os idosos ou as pessoas que vivem com outros riscos à saúde sofreriam desproporcionalmente.

O impacto da progressão do Covid-19 é igualmente grave. Ou seja, não é apenas o caso de que apenas alguns infectados morrem, enquanto outros continuam alegres como antes.

Algumas pessoas não manifestam os sintomas imediatamente, enquanto outras podem derrotar a doença sem qualquer tratamento sério. Mas esse não é o caso para todos. De fato, estima-se que mais de 18% dos infectados requeiram cuidados sérios ou mesmo a hospitalização.

Os números não são claros, porque os critérios para hospitalização diferem de acordo com as circunstâncias. Um país com apenas alguns casos colocará todas essas pessoas em alas isoladas, enquanto, na província chinesa de Hubei, o epicentro do surto, as pessoas foram mandadas de volta para casa, porque seus sintomas não foram considerados graves o suficiente.

Problemas graves com hospitalização e efeitos de longo prazo

No entanto, se usarmos a cifra de 18%, com toda a sua ambiguidade, e a aplicarmos ao número de pessoas que contrairiam o Covid-19 caso este se alastrasse sem contenção nos EUA, cerca de 32 milhões de pessoas desenvolveriam sintomas muitos graves, requerendo até hospitalização.

Usando números brutos semelhantes, o número mundial seria de 790 milhões de pessoas. Esse volume de pacientes levaria os sistemas de saúde ao ponto de ruptura.

Na província de Hubei, na China, onde as pessoas com doenças tão comuns quanto o câncer foram deixadas se defendendo sozinhas, não é apenas a taxa de mortalidade do Covid-19 que é significativamente maior do que em outros lugares. O mesmo vale para a taxa de mortalidade por outras causas. Todo o sistema de saúde tem sido sobrecarregado.

Finalmente, para aqueles que tiveram um caso sério de Covid-19, a recuperação às vezes ocorre com complicações de longo prazo, como danos permanentes nos pulmões. Eu não vi todos os dados aqui, mas os relatos anedóticos são preocupantes.

É imperativo retardar a propagação do coronavírus

No ano passado, a gripe comum matou mais pessoas do que as atingidas até agora pelo Covid-19. Isso porque ela havia se difundido muito mais, pelo menos até agora.

Mas é imperativo que a propagação do Covid-19 seja reduzida – e interrompida, se possível. Se a contenção falhar, retardar a propagação do vírus oferecerá pelo menos uma melhor chance para que as instalações médicas a acompanhem. E, eventualmente, desenvolvam uma vacina eficaz.

A China perdeu a chance de conter o vírus desde cedo na província de Hubei, mas, em todo o país, o número de infectados está diminuindo. Em todas as províncias fora de Hubei, não há novos casos sendo relatados.

Poucos países podem implementar as mesmas medidas de contenção que a China tomou.

Os EUA são constituídos por uma colcha de retalhos de jurisdições hierárquicas. Isso permite uma grande flexibilidade em muitos assuntos. Mas também levanta a questão de qual a melhor forma de implantar uma abordagem eficaz e coordenada diante dessa ameaça específica.

Não podemos ser complacentes

Em uma era da mobilidade rápida, uma resposta inadequada em um Estado ameaça todos os demais. O que precisamos é de uma liderança eficaz no topo, uma liderança que atenda à ciência, trabalhe de maneira colaborativa e foque no bem comum.

Fiquei decepcionado ao ver uma resposta inicial interrompida por parte do governo nacional aqui [nos EUA]. Tem havido uma desconsideração em relação a fatos médicos e científicos, e o surto tem sido usado para fins políticos partidários.

Pelo bem do nosso país e do mundo em que desempenhamos um papel integral, os EUA precisam priorizar a contenção do Covid-19.

Jovens e pessoas de meia-idade com boa saúde devem fazer todo o possível para evitar carregar e transmitir a doença para aqueles que são mais vulneráveis.

Ninguém deve ser complacente. O Covid-19 não é nada parecido com a gripe sazonal.

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