Brasil perdeu 'tempo precioso' e precisa 'agir rápido' na guerra contra coronavírus, diz especialista

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13 Março 2020

O Brasil já perdeu "tempo precioso" no combate à epidemia do coronavírus e deveria agir o "mais rápido possível" para tentar conter o avanço da doença no país.

Essa é a opinião de Paolo Zanotto, virologista com doutorado pela Universidade Oxford. Ele é professor no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), onde pesquisa vírus emergentes como zika, dengue, chikungunya e febre amarela.

Segundo ele, a antecipação de medidas para conter o contágio, como o distanciamento social, é vital para que o Brasil não passe pela mesma situação que a Itália ou o Irã, onde o sistema de saúde acabou sobrecarregado com o alto número de infectados.

A entrevista é de Luis Barrucho, publicado por BBC News Brasil, 12-03-2020.

Eis a entrevista.

Muitos especialistas recomendam que países que ainda não estão em estado crítico no combate ao coronavírus tomem medidas de contenção de contágio o quanto antes. O Brasil deveria aproveitar essa 'janela de oportunidades' para implementá-las agora?

Sim. É fundamental numa situação que nem essa é fazer o que chamamos de 'achatar a curva' (de crescimento do número de casos). O que os países que tiveram resultado positivo no combate ao coronavírus fizeram foi investir maciçamente em testagem. Ao mesmo tempo, implementaram o que chamaram de 'intervenção não farmacêutica', que basicamente é distanciamento social, impedindo que as pessoas estudem ou trabalhem juntas. Assim, conseguiram manter a curva de crescimento 'achatada'.

E o que acontece quando essa curva não é achatada?

Imediatamente, a saturação do sistema de saúde, que vai ter que receber, num tempo muito curto, uma quantidade de pessoas muito grande. Ou seja, ele colapsa. Como a sobrevida das pessoas que têm manifestação grave é totalmente dependente da capacidade de leitos de UTI, é possível que a mortalidade cresça, pois camas podem faltar.

O problema principal é, assim, adequar a velocidade de crescimento da doença à capacidade de resposta do sistema de saúde. Se essa curva cresce exponencialmente como temos visto na Itália e no Irã, perdemos o controle. O sistema de saúde colapsa e compromete toda a sociedade.

O impacto passa, assim, a ser diretamente econômico. Porque, mesmo que ainda tenhamos algum tipo de atividade econômica acontecendo, as pessoas que desempenham essa atividade vão estar ou em quarentena ou doentes. Portanto, o problema é muito maior do que a gente pensa. Não podemos tratar essa questão apenas sob o prisma de quantas pessoas vão ficar doentes. O contexto é muito maior.

E qual é esse contexto maior?

O contexto maior envolve a funcionalidade da sociedade. Temos que considerar que essa doença causa 65 vezes mais hospitalização do que a gripe sazonal (influenza). A Lombardia (Itália) tem um dos sistemas de saúde mais avançados da Europa. E, mesmo assim, tiveram um problema enorme. Porque perderam a janela de oportunidades.

O que o Brasil deveria fazer, então?

Já perdemos tempo precioso. O Brasil deveria ter instituído sistemas de testagens extremamente agressivos e acompanhamento de todos os clusters (focos). Porque, quando há um caso positivo, é preciso correr e testar todo mundo.

Ao monitorar os clusters e isolar os positivos, ainda existe a chance de manter a curva achatada. Na hora que se perde o controle dos clusters, como tem acontecido em vários países, perdemos a guerra. Porque aí os casos começam a acontecer em grande quantidade e temos um grande afluxo de pessoas nos hospitais.

Mas, caso haja a comprovação de transmissão comunitária (quando o vírus passa a circular no território e não se pode mais rastrear a origem), essa batalha já está perdida? O que pode ainda ser feito?

Agir o mais rápido possível. Estudos mostram o impacto na curva de contágio quando se instituem medidas drásticas de contenção em questão de dias. O impacto é enorme. Em vez de ficar nessa situação de inação, a resposta tem que ser exponencial.

O que os gestores não estão entendendo é a importância do tempo. Neste momento, o governo deveria estar tomando medidas como ponto facultativo nas escolas, professores dando aulas remotamente, proibir demissões caso o empregado falte ao trabalho.

Mas essas medidas parecem irrealistas no contexto brasileiro...

O distanciamento social só vai poder ser encorajado se houver garantias para as pessoas. Então, as pessoas que trabalham têm que saber que podem faltar ao trabalho e não serem penalizadas. As crianças que podem deveriam ficar em casa.

Os pais que não têm condição enviarão seus filhos às escolas. As crianças mais pobres que precisam das escolas para comer, o Estado deveria arrumar uma maneira de fazer com que essa merenda fosse levada à criança sem ter que ir à escola. O que vai acontecer com o pai ou a mãe? Deveriam ser liberados do trabalho.

Sabemos que existe muita informalidade no mercado de trabalho. Como conter essas pessoas? Se elas ficam em casa e seguem as regras do governo, não têm como sobreviver.

O coronavírus representa um imenso desafio para a nossa sociedade e para os nossos gestores. Em última análise, lança luz sobre o tamanho do Estado. Trabalhamos meses para pagar nossos impostos. Agora, mais do que nunca, veremos se o Estado vai fazer bom uso deles.

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