A classe operária em tempos de coronavírus. Artigo de Moni Ovadia

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14 Março 2020

Quando a pandemia do coronavírus, depois de ter percorrido o seu trajeto, desaparecer do nosso horizonte, será útil, com base nas lições que ele nos impuser, redefinir as nossas prioridades nas agendas políticas e sociais.

A opinião é de Moni Ovadia, ator, músico e cantor italiano, em artigo publicado em Il Fatto Quotidiano, 13-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Eu dediquei toda a minha vida a me comprometer com o máximo de honestidade intelectual e de coerência possível para me rebelar contra as injustiças e os abusos. Eu sempre fiquei do lado dos últimos, dos explorados, dos assediados, dos discriminados e combati com todas as minhas forças contra as desigualdades geradas pela lógica do privilégio, fonte de toda depravação e crime em qualquer sociedade digna do atributo de civil.

Mesmo daquelas autodenominadas democratas, porque, onde não vigora o princípio da igualdade, não existe nem democracia nem liberdade. Nestes dias em que grande parte do mundo é afetado pela pandemia do coronavírus, e a Itália sofre isso com uma virulência particular, como milhões de outros italianos, eu fico em casa em quarentena, com disciplina, mantenho a distância recomendada até mesmo com os meus familiares, não saio de casa, cumpro as disposições emitidas pelo governo, porque, mesmo sendo “antigoverno” por vocação, mesmo em relação aos governos nos quais votei, eu pratico o princípio da máxima responsabilidade.

É uma atitude paradoxal, mas salvífica para quem pratica a profissão da cultura e do pensamento. Nesta ocasião tão dramática, como cidadão, quis dar plena confiança ao governo Conte [primeiro-ministro italiano], confiando na equidade das suas medidas. Depois, descubro que, no decreto ministerial referente às atividades produtivas, no ponto 6, alínea “d”, está escrito: assumam protocolos de segurança anticontágio e, onde não for possível respeitar a distância interpessoal de um metro como principal medida de contenção, com a adoção de instrumentos de proteção individuais.

Quais? As máscaras que não existem? Ou que são vendidas a preços de mercado ilegal por patifes que especulam sobre o pânico? E isso depois de dizer urbi et orbi que a função da máscara não é a de proteger do contágio, mas sim a de proteger aqueles que trabalham em estreito contato com os contagiados?

Por que só os operários podem ficar desprotegidos ou menos protegidos? Por que o pensamento ao direito a estar protegido do contágio não se estende automaticamente aos operários? Por que são necessários protestos, greves e duras declarações sindicais para que a questão entre na pauta do dia?

Porque a classe operária é tratada como a casta dos párias, a classe que é a espinha dorsal da economia produtiva, assim como, agora que a logística assume uma importância crucial, os trabalhadores superproletarizados desse setor que são explorados com ritmos e condições indecentes.

E agora que todo o país precisa ser realmente posto sob segurança, mais uma vez os últimos aos quais se pensa em estender o direito à segurança no local de trabalho são os trabalhadores industriais. A classe operária foi e é um dos pilares instituintes de toda grande democracia, a sua cultura baseada no trabalho não só como meio de sustento, mas também como condição da dignidade pessoal e social inervou as conquistas mais significativas das sociedades mais avançadas.

Recentemente, o professor Claudio Magris me contava que havia visitado as lendárias fábricas de aço de Lenin em Gdansk, hoje transformadas em um museu do Solidarnosc, o movimento sindical e político que, na Polônia, contribuiu para derrubar o regime do chamado socialismo real.

O grande escritor triestino expressou-se assim sobre o que pôde constatar durante aquela visita: “Eu vi plasticamente o crepúsculo da classe operária. E é uma catástrofe, porque foi a única classe, como tal, portadora do universal”.

Quando a pandemia do coronavírus, depois de ter percorrido o seu trajeto, desaparecer do nosso horizonte, será útil, com base nas lições que ele nos impuser, redefinir as nossas prioridades nas agendas políticas e sociais.

Deveremos reaprender a construir sociedades e comunidades, deveremos reaprender a respeitar os valores que nos enraízam em uma identidade democrática substancial, não em uma retórica da democracia que flutua sobre o caos das opiniões, no magma dos narcisismos contrapostos de uma classe dominante medíocre e sem autoridade.

Será necessário reaprender o respeito por aqueles que edificam e não por aqueles que fazem barulho, e a classe operária é a força edificante que pertence à centralidade democrática.

Em conclusão, permitam-me fazer uma última pergunta: o que 30 mil militares estadunidenses, totalmente armados e movendo-se sem precauções, estão fazendo na Itália e em toda a Europa neste momento? Eu respondo por conta própria, com uma mensagem de WhatsApp que recebi: a China nos envia 1.000 respiradores e 100.000 máscaras; a União Europeia, um boleto de 100 bilhões para os seus bancos; os EUA, 30 mil fuzileiros navais em formação de guerra. Talvez devêssemos rever as nossas “amizades”.

 

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