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No ano de 2010, houve 1,24 milhão de mortes por acidente de trânsito em 182 países do mundo. Com o aumento significativo de acidentes e mortes e o agravamento da violência no trânsito, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou a Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, tendo como proposta implementar planos regionais, nacionais e internacionais na tentativa de reduzir os acidentes e vítimas.

O Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) divulga em seu sítio o “Mapa da Violência”, uma série de estudos que busca retratar a mortalidade violenta no país. No mês de julho deste ano foi divulgada a pesquisa intitulada “Os Jovens do Brasil”, que apresenta dados, entre outros, de acidentes de transporte até o ano de 2012.

Os dados apresentados são de origem do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS). O responsável pela pesquisa é o Sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Entre os anos de 2008 e 2012 ocorreram 10.540 acidentes fatais relacionados ao trânsito no estado do Rio Grande do Sul, dentre estes, 3.372 casos são da população na faixa etária de 15 até 29 anos.

Em 2012, dentre os municípios com mais de 100 mil habitantes no Vale do Rio dos Sinos, Sapiranga registra a maior taxa de óbitos em acidentes de transporte (31,6). O município de Estância Velha registra a menor taxa na região, com 4,36.

A taxa de óbitos de jovens em municípios com mais de 20 mil destes em sua população aponta o município de Canoas com a maior taxa na região do Vale (40,5). A população na faixa etária de 15 a 29 anos representa 25,5% da população total do município em 2012. O município de São Leopoldo registra a menor taxa de óbitos de jovens relacionados ao trânsito no mesmo período (3,4).

O "Mapa da Violência" publicado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) apresenta o número de homicídios no país por população branca ou negra nos anos de 2010 até 2012, a partir das bases de dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos sistematizou os dados referentes a estas populações na faixa etária de 15 a 29 anos residentes nos municípios do COREDE Vale do Sinos.

Os dados são apresentados em números absolutos e por taxa, sendo as taxas calculadas para os municípios com mais de 50 mil habitantes.

A partir dos dados é possível constatar que no município de Sapucaia do Sul há uma probabilidade maior de jovens negros serem vítimas de homicídio que jovens brancos; a taxa de homicídios no município para jovens negros é de 114,5 a cada 100mil.

Estes indicadores (raça/cor/faixa fatária/homicídios) apresentados no “Mapa da Violência” foram analisados por Renata Moura, filósofa graduada pelo IPA Metodista e integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – NEABI da Unisinos, a fim de promover o debate e a reflexão sobre a realidade da região do Vale do Sinos.

Eis a análise.

Para falar sobre juventude negra e violência, sentimos a necessidade de destacar, em primeiro lugar, a questão da educação escolar na infância deste indivíduo, pois é através dessa análise que compreendemos as desvantagens com as quais este jovem negro se depara e que acaba fazendo parte da estatística dos parâmetros do Instituto Médico Legal - IML.

Sabemos que o próprio sistema é violento, pois ele é machista, homofóbico, sexista, intolerante e racista e que infelizmente o indivíduo que terá vantagens na sociedade será o não negro, se possível heterossexual, homem que cultue uma religião cristã  e, claro, que esteja munido de um diploma.

O indivíduo negro vive a violência desde sua infância, se depara com o racismo dentro da sala de aula, com os apelidos pejorativos lançados pelos colegas, ouvindo piadas das religiões de matriz africana e lendo histórias distorcidas contadas nos livros didáticos. Absorve informações preconceituosas sobre suas características físicas tais como cabelo, cor, nariz, lábios, etc.
Neste cenário, o jovem negro muitas vezes se desmotiva e abandona o ensino regular, ainda nas séries iniciais. Nessa etapa da vida ele já passa a auxiliar financeiramente sua família, assumindo novas responsabilidades. Mas as exigências estéticas requisitadas pelo mercado de trabalho são cruéis, fazendo com que fique na base da pirâmide social em relação à remuneração.

Desvantagens no mercado de trabalho x Tráfico

É nessa realidade que os jovens se deparam com outra forma de aumentar significativamente seus rendimentos – o tráfico de drogas — e contribuir com sua família. Deslumbra-se com a facilidade em conquistar alguns bens, que, graças ao consumismo, passam a ser prioridade para ele, coisas que não teria condições de adquirir, que seus pais nunca teriam condições de dar, como tênis de marca, roupas da moda, entre outros produtos do momento.

O tráfico, infelizmente, convive com a realidade desse jovem, está no seu dia a dia, na comunidade desse indivíduo. As propostas para fazer parte desse mundo são tentadoras, fazendo com que ele se encante com esse meio, levando-o para um círculo de transgressões e violência, que passam a ser parte do seu cotidiano. Diante desta nova realidade que agora faz parte do seu dia a dia, passa a ser uma possível vítima que constará nas estatísticas dos parâmetros do IML, as quais apontam um número elevado de jovens negros que são exterminados, diariamente, semanalmente, mensalmente e anualmente. Infelizmente, o mundo do crime acaba interrompendo muitas vidas e muitos sonhos.

As estatísticas não deixam dúvidas da violência social pela qual passam os afrodescendentes nos dias de hoje. Nem todos vitimados por ações dos narcotraficantes, mas também violentados pelas condições sociais degradantes a que são expostos. Sobre a brutalidade social envolvendo as comunidades afro, afirma Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais: “Dados confirmam que morrem proporcionalmente 146,5% mais negros do que brancos no Brasil. Os brancos têm morrido menos, os negros mais. Entre 2002 e 2012, por exemplo, o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3% e o dos jovens negros aumentou 32,4%”.

É importante pautarmos que muitas vezes essa violência para com os jovens negros se dá também por conta das autoridades policiais, como declara o jovem negro de São Paulo Thiago Vinícios: “Os jovens não tão tendo nem a oportunidade de ser presos, estão morrendo no caminho”.

Infelizmente, para a polícia, bandido, ladrão, estuprador, assaltante tem cor, e essa cor é negra. Se esse jovem estiver correndo nas ruas, ele será barrado, atormentado, agredido e por incrível que pareça poderá perder itens pessoais como relógio, celular e até dinheiro na ação. Infelizmente, ele não será visto como um acadêmico que está atrasado para chegar à faculdade.

Trago como exemplo o caso do professor de história André Luiz Ribeiro, que tem costume de correr em torno de sua comunidade, e foi confundido com um assaltante de bar, sendo espancado por 20 pessoas. Ele foi socorrido por bombeiros que, ainda duvidando de sua inocência, o fizeram falar sobre Robespierre.

O que na prática fica demonstrado é que morrem muito mais jovens negros proporcionalmente do que brancos, se tomarmos por base o total da população dividido pela cor da pele. Este fato merece ser estudado e compreendido pelas autoridades e órgãos competentes ligados à criminalidade e à juventude. O que leva a esses elevados índices? O que se tem feito para mudar esta realidade? Estarão os jovens negros sendo vítimas do racismo na região do Vale do Rio dos Sinos?

Eu, enquanto mulher, jovem e negra, espero uma resposta das autoridades em relação a tais fatos.

A carta do mercado de trabalho produzida pelo Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, apresenta os dados do mês de junho de 2014 divulgados no dia 17 de julho de 2014, do mercado de trabalho formal no Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre e no município de Canoas, e tem como fonte os registros administrativos do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED) disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Os setores econômicos são aqueles definidos pelo IBGE. O conceito de admitidos engloba o início de vínculo empregatício por motivo de primeiro emprego, reemprego início de contrato por prazo determinado, reintegração ou transferência. A noção de desligados indica o fim do vínculo empregatício por motivo de dispensa com justa causa, dispensa sem justa causa, dispensa espontânea, fim de contrato por prazo determinado, término de contrato, aposentadoria, morte, ou transferência. A diferença entre os admitidos e desligados é o saldo, que sendo positivo indica a criação de novos postos de trabalho e quando negativo indica a extinção de postos de trabalho. Estas definições e conceitos são definidos pelo MTE e são aplicadas as tabelas 01, 02, 03 e 04.

Verifica-se na tabela 01 que o mercado de trabalho formal brasileiro registrou, entre admissões e demissões, um saldo positivo no mês de junho de 2014, com 25.363 postos de trabalho com carteira assinada o que representa uma variação positiva de 0,06% sobre o estoque de empregos do mês anterior. No mês apenas os setor de Serviços (31.143), a Administração Pública (1.548) e a Agropecuária (40.818) abriram postos de trabalho. Todos os outros setores fecharam vagas O setor da Agropecuária foi o que mais criou postos de trabalho, no mês, ampliando em 2,51% em relação ao mês passado. Nos primeiros seis meses do ano já foram abertos 588.671 postos de trabalho com carteira assinada.

Observa-se na tabela 02 que o mercado de trabalho formal gaúcho no mês de junho de 2014 registrou saldo negativo, resultado entre as admissões e demissões, de 4.866 postos de trabalho o que representa um recuo de 0,18% sobre o estoque de empregos do mês anterior. O setor que mais fechou postos de trabalho foi a Indústria de Transformação com 3.533 vagas. Os setores Extrativa Mineral (23), Serviços Indústrias de Utilidade Pública (77), Serviços (1.851) e Administração Pública (89) foram os que abriram postos de trabalho. Sendo os Serviços o que mais ampliou. No estado do Rio Grande do Sul nos seis primeiros meses do ano foram criados 51.955 novas vagas com carteira assinada.

Percebe-se na tabela 03 que o mercado de trabalho formal na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) no mês de junho de 2014 apresentou um recuo de 1.700 postos de trabalho com carteira assinada, uma queda de 0,14% sobre o estoque de empregos do mês anterior. No mês os setores dos Serviços Indústrias de Utilidade Pública (38), Serviços (1.396) e Agropecuária (3) ampliaram a oferta de vagas. Nos primeiros seis meses do ano foram abertas 17.983 novas vagas de trabalho com carteira assinada.

Nota-se na tabela 04 que o mercado de trabalho formal no município de Canoas registrou saldo líquido negativo, entre admissões e demissões, no mês de junho de 2014, com a retração de 900 postos de trabalho com carteira assinada. O setor da Construção Civil foi o que mais fechou vagas com 1.128 postos de trabalho. O setor do Serviços foi o que mais contratou com 289 novos postos de trabalho. Nos seis primeiros meses do ano o munícipio perdeu 145 postos de trabalho com carteira assinada no munícipio.  

A violência é identificada como toda ação de uma ou mais pessoas que buscam constranger, física, moral ou socialmente, outra ou outros, quando quer obrigá-la(os) a submeter-se à sua vontade ou instituir mecanismo para se afirmar ou se afirmarem socialmente.

A violência contra a Mulher é uma violação de direitos, sendo a forma mais extrema da exteriorização das desigualdades de gênero que transpassam a sociedade em diversos setores, como no mercado de trabalho, em que, por exemplo, a remuneração das mulheres em relação aos homens exercendo a mesma ocupação é inferior.  A busca por “igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres” compõe a proposta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) ideados a partir da “Declaração do Milênio”, documento construído coletivamente pela Organização das Nações Unidas (ONU).

As diversas formas de violência física ou sexual afetam um terço das mulheres em todo o mundo, segundo relatório da ONU de 2013, identificando-se que muitas destas agressões ocorrem com o parceiro íntimo. O documento “Estimativas mundiais e regionais da violência contra mulheres: prevalência e efeitos na saúde da violência doméstica e sexual”1 foi o primeiro estudo mundial sobre violência de sexo / gênero.

No Brasil, em 7 de agosto de 2006, tornou-se Lei a violência doméstica e familiar contra a Mulher. A Lei 11.340/06 foi batizada com o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, militante dos direitos das mulheres. Penha ficou paraplégica por conta das agressões sofridas pelo companheiro.

A Lei Maria da Penha é resultado de uma luta histórica do movimento feminista e de mulheres por uma legislação contra a impunidade no cenário nacional de violência doméstica.

O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, apresenta os registros de ocorrências nos 14 municípios que compõem o COREDE Vale do Sinos nas seguintes tipificações: ameaça, lesão corporal, estupro e femicídio, nos períodos de 2012 e 2013. Os dados foram divulgados pela Secretaria da Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul – SSP/RS2.     

Dentre as formas de violência doméstica e familiar, o crime de ameaça está categorizado na Lei 11.340/06 como violência psicológica.

No ano de 2012, a região do Vale do Sinos teve 6.278 ocorrências registradas de ameaça enquadradas no recorte da Lei Maria da Penha, este total corresponde a 14% dos registros totais no estado do Rio Grande do Sul (RS). Observa-se que, no ano de 2013, houve uma queda de 261 registros com relação ao ano anterior.

Alguns municípios da região também apresentaram queda no número de registros, com exceção de Araricá, Dois Irmãos, Esteio, Nova Santa Rita e Sapiranga, que tiveram uma pequena elevação no número de ocorrências policiais nesta tipificação.

Os registros de lesão corporal contra mulheres em situação de violência doméstica e familiar nos municípios do Vale do Sinos também tiveram uma queda de 2012 para 2013. Este crime é enquadrado na Lei Maria da Penha como violência física, pois coloca em risco a integridade e a saúde da vítima.

Em 2012, foram registrados 3.506 casos de lesão corporal no Vale do Sinos; já em 2013,  foram 3.290, ou seja, 216 registros a menos. Embora a maioria dos municípios tenha diminuído esse número, em Dois Irmãos, Estância Velha, Esteio, Portão, São Leopoldo e Sapucaia do Sul, houve um pequeno aumento nos registros.

Os registros de estupro, categorizado entre os tipos de violência doméstica e familiar como violência sexual, foram os que tiveram aumento do ano de 2012 para 2013 na região do Vale do Rio dos Sinos, enquanto no total do Estado houve uma diminuição.

Em 2012 ocorreram 180 registros de estupro, enquanto em 2013 o número aumentou para 198. Nos municípios também se visualiza um aumento de ocorrências registradas. Em contrapartida, Canoas e São Leopoldo tiveram menos ocorrências, e Araricá teve, nos dois anos, a mesma quantidade: dois registros.

No artigo “Femicídio: um tema para debate”, disponível na publicação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, o Relatório Lilás 3, consta que, entre agosto de 2006 e agosto de 2011 – período em que foram analisadas as ocorrências de femicídios já enquadrados pela Lei Maria da Penha –, das vítimas que já tinham registrado ocorrências contra o autor do crime, 41,7% eram de ameaça, 40,8% de lesão corporal, 1,2% de estupros e 0,6% já tinham sofrido tentativa de femicídio pelo mesmo autor.

Os casos de femicídios são considerados aqueles que partem de qualquer manifestação ou exercício de relações desiguais de poder entre homens e mulheres que leve à morte de uma ou várias mulheres pela própria condição de ser mulher, podendo ocorrer em várias situações, incluindo mortes praticadas por parceiro íntimo com ou sem violência sexual, crimes seriais, violência sexual seguida de morte, associados ou relacionados ao extermínio de outra pessoa.

Segundo Wânia Pasinato (2011)4, femicídio é um crime cometido por homens contra as mulheres, tanto individualmente como em grupos, possuindo características misóginas, de repulsa contra as mulheres.

Na região do Vale do Sinos, houve uma diminuição nas mortes de mulheres provocadas por seus parceiros íntimos ou familiares.

No ano de 2012, ocorreram 21 assassinatos de mulheres enquadrados na Lei Maria da Penha, sendo o município de Canoas o que teve mais crimes, com seis femicídios, sendo seguido por São Leopoldo, com cinco casos. Já no ano de 2013, a região do Vale do Sinos conseguiu diminuir os casos, sendo no total apenas seis, de acordo com os dados divulgados pela SSP/RS.

Por Thaís da Rosa Alves e Átila Alexius

Notas:

1 – “Estimativas mundiais e regionais da violência contra mulheres: prevalência e efeitos na saúde da violência doméstica e sexual” disponível em http://migre.me/kzciv.

2 – Dados Abertos da Violência Contra a Mulher no Rio Grande do Sul disponível em http://migre.me/kzckG.

3 – “Relatório Lilás” disponível em http://migre.me/kzctb.

4 – PASINATO, W. “Femicídios” e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas,  n. 37, pp. 219-246. 2011.

Os programas Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos e Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo – GDIREC, do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, têm reunido e publicado os indicadores censitários dos anos 2000 e 2010 referente as religiões e religiosidades declaradas pela população residente no Vale dos Sinos nos respectivos anos. Esta semana, a publicação apresenta os dados referentes ao município de Estância Velha.

A análise destes dados foi realizada pelo professor Inácio José Spohr, coordenador do GDIREC. Spohr possui graduação em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e mestrado em Ciências Sociais pelo Instituto Latinoamericano de Estudios Sociales, de Santiago do Chile.

Eis a análise.

O propósito deste trabalho é o de analisar brevemente a evolução do desempenho das religiões e religiosidades no município de Estância Velha, considerando os dados dos censos do IBGE de 2000 e 2010.

Situado à margem direita da estrada BR 116, a 45 km de Porto Alegre, o município faz parte da região do Vale do Rio dos Sinos. Ligado à indústria coureira, emancipou-se de São Leopoldo no dia 09 de agosto de 1959. Sua população (42.574 habitantes), originariamente formada por lusos e luso-brasileiros (ano 1778), açorianos (1822) e imigrantes alemães (1825)1, apresenta hoje, de acordo com o IBGE, Censo de 2010, a seguinte configuração étnica:

Inicialmente mais Evangélica do que Católica devido a uma grande leva de imigrantes alemães a partir de 1825, Estância Velha conta atualmente com uma ampla diversidade religiosa. Predomina o catolicismo (66,95% da população), mas o meio evangélico pentecostal ensaia passos cada vez mais ousados à medida que vem subtraindo adeptos, sobretudo, do meio Católico e Igrejas Evangélicas de Missão. Não obstante o avanço pentecostal, o cristianismo tende a perder espaço, como veremos mais adiante, para outras formas de crer ou descrer.
Tendo em vista simplificar a compreensão dos dados, divido a multiplicidade das expressões religiosas do município em diferentes grupos, preservando, na medida do possível, suas relações de semelhança e/ou de origem proposta pelo IBGE. Confira a seguir, então, o desempenho da diversidade religiosa no município de Estância Velha.

Religiões Católicas

Conforme dados estatísticos divulgados pelo IBGE em junho de 2012, o desempenho do catolicismo romano em Estância Velha (tabela 01) apresenta um significativo recuo no número de participantes entre 2000 e 2010. Se em 2000 a Igreja Católica Apostólica Romana detinha 75,89% dos habitantes do município, em 2010 passa a contar somente com 66,95% desta mesma população. Corresponde, portanto, a uma variação negativa equivalente a 8,94%. Não obstante, apesar da diminuição de adeptos, o catolicismo continua altamente majoritário: mantém entre suas fileiras mais de dois terços da população do município.

A Igreja Católica Apostólica Brasileira, com 1,2% de adeptos, ao contrário da Católica Romana, teve um aumento, ainda que pequeno, de 0,16% na década. Já a Igreja Ortodoxa, que aparece no cenário religioso do município somente no Censo de 2010, obtém apenas 08 registros (0,02%).

Em suma, as expressões religiosas Católica Apostólica Romana, Católica Apostólica Brasileira e Católica Ortodoxa contam, em 2010, com 68,17% da população do município, fato que enuncia uma perda de 8,31% de seus adeptos na década 2000-2010.

Evangélicas de Missão

A evolução numérica das religiões “Evangélicas de Missão” em Estância Velha (tabela 02) se assemelha, de algum modo, ao grupo das religiões católicas (tabela 01). De acordo com o IBGE, a denominação mais antiga do evangelismo em Estância Velha, a Igreja Evangélica Luterana2, diminuiu 4,86% entre 2000 e 2010, enquanto as demais igrejas do grupo obtiveram pequenos acréscimos no número de seus participantes. Cresceram, por exemplo, as Igrejas Batista (0,41%), Congregacional (0,13%) e Adventista (0,34%). Novidade no grupo, a Igreja Evangélica Presbiteriana registra 29 adeptos (0,07%), por conseguinte, somente no Censo de 2010.

Evangélicas de Origem Pentecostal

O cenário religioso entre as denominações “Evangélicas de Origem Pentecostal” (tabela 3), ao contrário das igrejas católicas e evangélicas de missão, termina a década 2000-2010 com uma ascensão numérica de 2,64% sobre o número de habitantes do município. Acompanham a alta as Igrejas Assembleia de Deus (0,96%), Evangelho Quadrangular (0,07%), Deus é Amor (0,24%) e outras evangélicas de origem Pentecostal (1,58%). A Igreja Universal do Reino Deus, por sua vez, foi a única que cedeu adeptos (0,2%) para outras formas de crer.

Evangélicos sem vínculo institucional, evangélica não determinada e outras religiões evangélicas
O grupo de adeptos religiosos em destaque na tabela 04 identifica declarantes evangélicos sem vínculo institucional. Segundo o IBGE, em 2000, estes somavam apenas 0,05% da população de Estância Velha. Já a alternativa “outras religiões evangélicas” designa mais 0,11% da população do município sem denominação religiosa evangélica conhecida.

Em 2010, então sob a alternativa “Evangélica não determinada”, o número de crentes evangélicos sem igreja conhecida sobe vertiginosamente. Agora alcança 6,5% da população do município. O fato registra, evidentemente, a percepção de que grande parte dos evangélicos ou desconhecem o nome de sua Igreja, ou então, o que vem a ser mais provável, se encontram na condição de evangélicos sem vínculo institucional.

Tradições Religiosas de Matriz Africana

O cenário religioso de matriz africana conta com poucos participantes em Estância Velha. E ainda, como vemos na tabela 05, se encontra em recuo.

A expressão religiosa Candomblé3, com 0,08% da população do município, como mostra o Censo de 2000, fica sem representantes no de 2010. A Umbanda, no entanto, ao contrário do Candomblé, apresenta um desempenho mais otimista. Se em 2000 detinha 0,22% da população local, em 2010 passa a contar com 0,29%, o que representa uma variação positiva de 0,07% sobre a população do município.

Religiões de Origem Oriental e do Oriente Próximo

As religiões provenientes da Ásia ou Oriente Próximo, já com pouquíssimas adesões em Estância Velha, chegam ao fim da década 2000-2010 com menos adeptos ainda. Conforme a tabela 06, o Censo de 2000 identifica 11 (0,03%) adeptos Budistas e 08 (0,02%) Islamitas. Mas tanto o Islã quanto o Budismo não encontram representantes no Censo de 2010. Já a alternativa “novas religiões orientais”4 registra 05 declarantes somente em 2010. Ou seja, Estância Velha, de acordo com o Censo de 2010, apresenta somente 0,01% de sua população como membro de uma religião proveniente da Ásia ou do Oriente Próximo.

Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Testemunhas de Jeová, Espiritualista, Espírita e Tradições Esotéricas

Este grupo de religiões (tabela 07), além de apresentar um crescimento global de 1,67% sobre a população do município, oferece três religiões novas: a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (0,08%), a Igreja Espiritualista (0,17%) e as Tradições Esotéricas (0,03%).
As religiões Testemunhas de Jeová e Espiritismo, respectivamente com 0,09% e 1,14% de adeptos em 2010, obtiveram um crescimento bastante significativo na década. Cresceu, sobretudo, o Espiritismo. Passou de 0,11% da população em 2000 para 1,14% dez anos depois5.

Sem Religião, Ateus e Agnósticos

Os declarantes sem religião, ateus e agnósticos não são muito numerosos em Estância Velha. Contudo, obtiveram um bom acréscimo na década 2000-2010. Como podemos observar na tabela 08, o Censo de 2000 pesquisou apenas a alternativa “sem religião”, quando obteve o registro de 1,52% da população.

Já no Censo de 2010 o IBGE entendeu que o conceito “sem religião” se referia a indivíduos “sem religião”, a “ateus” e a “agnósticos”. Os dados então levantados indicam que o município de Estância Velha reunia 2,39% de declarantes sem religião e outros 0,21% que assumiram a alternativa “ateu”6. A diferença equivale, portanto, a uma variação positiva que atinge 1,08% dos habitantes do município na década.

Religiosidade não determinada ou mal definida e sem declaração

Embora numericamente ínfima, a tabela 09 apresenta alguns dados complementares ao conjunto das tabelas anteriores. Em 2000 o Censo obteve 24 declarantes que ficaram “sem declaração” (0,07% da população), e em 2010, sob a denominação “religião não determinada ou mal definida”, obteve o registro de 157 habitantes (0,37%). Comparados os Censos podemos notar que entre os “sem declaração” de 2000 e os de “religião não determinada ou mal definida” de 2010 houve um acréscimo de 0,3% da população do município.

Considerações finais

A título de considerações finais anoto, a seguir, alguns aspectos que chamam a atenção do observador quanto ao desenvolvimento das religiões em Estância Velha durante a década 2000-2010. O primeiro destes, como podemos observar na tabela síntese 01, dá conta de que o conjunto das igrejas cristãs perdeu 3,18% da população no período aqui em estudo. O cristianismo, como em outras cidades da região7, tende a perder adeptos. Ou seja, o crescimento das Igrejas de origem pentecostal (2,64%) e dos Evangélicos sem vínculo institucional (6,34%) não supre as perdas da Igreja Católica (8,94%) e das Evangélicas de Missão (3,85%).

O segundo aspecto que chama a atenção do observador recorda que o conjunto das denominações evangélicas (tabela síntese 02) sinaliza perdas de adeptos que alcança 3,85% entre Evangélicos de Missão e ganhos de 2,64% entre Evangélicos de Origem Pentecostal. Logo, se antes identificamos que o crescimento das religiões Evangélicas de Origem Pentecostal não supria o total das perdas cristãs (tabela síntese 01), também é possível perceber que seu crescimento não chega a suprir as perdas do legado numérico das Igrejas Evangélicas de Missão. Neste grupo a variação negativa alcança, portanto, 1,21% da população. Entretanto, cabe aqui uma observação que reorganiza e/ou abranda a relação entre Evangélicos de Missão e Pentecostais. Efetivamente a religiosidade evangélica pentecostal cresce muito além do aumento numérico do meio pentecostal que consta no elenco da tabela síntese 02, porque também precisamos levar em conta o vertiginoso crescimento do meio Evangélico sem vínculo institucional ou Evangélica não determinada8. Mesmo que o contingente populacional de 6,5% viva em uma zona de penumbra – por não definir uma pertença evangélica nominal –, as declarações destes ao Censo de 2010 indicam que as condições religiosas dos mesmos se inscrevem no contexto do meio evangélico de origem pentecostal.

Outro dado que merece destaque diz respeito à diversidade religiosa afro-brasileira e indígena presente (ou ausente) em Estância Velha. Vimos anteriormente (tabela 05) que somente 0,29% da população do município registra como sua uma expressão religiosa afro-brasileira e que o Candomblé desapareceu do elenco religioso enumerado pelo Censo de 2010. Então, quem é quem no diminuto registro das práticas religiosas de matriz africana? Quantos “pretos” e “pardos” há no município? Que religiões frequentam?

Antes de tudo cabe afirmar que o Censo de 2010 anota que a população afrodescendente em Estância Velha apresenta 1.194 habitantes (2,81%) “pretos” e 3.159 habitantes “pardos” (7,37%). A soma corresponde, portanto, a 10,18% da população do município. Entretanto, se nas religiões de matriz africana encontramos somente 0,29% da população, que religiões frequentam, então, os demais 9,89% da população afrodescendente? Segundo o Censo de 2010, 6,65% destes fazem parte da Igreja Católica Apostólica Romana, 0,37% frequentam Igrejas Evangélicas de Missão, 0,72% participam de credos Evangélicos de origem pentecostal e outros 2,15% registram uma grande variedade de opções que vão desde o espiritismo (0,16%), Testemunhas de Jeová (0,24%), até os sem religião (0,44%). Já a Umbanda, única religião de matriz africana ativa presente no município, de acordo com o Censo de 2010, conta com 40 participantes brancos, 61 pretos e 24 pardos.

Quanto a tradições religiosas indígenas presentes no município, não há registros em ambos os Censos. Não obstante, o Censo de 2000 identificou, então, 109 indígenas (0,31% da população), enquanto o de 2010 apresentou apenas 18 (0,04%) indivíduos com esta mesma ascendência9.

Por último, cabe destacar que o desempenho das religiões de Estância Velha, como em outras cidades da região, tende a ser cada vez mais diversificado. A assertiva se ancora, por um lado, na perda de adeptos das religiões Católica Apostólica Romana (8,94%), na diminuição da força das Igrejas Evangélicas de Missão (3,85%) e, por outro lado, no crescimento dos evangélicos de origem pentecostal (2,64%), mas sempre inferior às perdas de católicas e das igrejas Evangélicas de Missão. Mesmo considerando o excepcional aumento do número de evangélicos sem igreja conhecida (6,5%), o cristianismo não consegue manter seu status na década 2000-2010, tanto que cedeu 3,18% de seus adeptos para outras formas de crer ou descrer, fato que pode ter contribuído com o consistente crescimento do grupo formado por indivíduos declaradamente ateus e sem religião (2,6%), quinto maior grupo entre os declarantes de Estância Velha (tabela síntese 03).

Notas:
1 – Cf. site http://www.estanciavelha.rs.gov.br/historia.

2 – O nome “Igreja Evangélica Luterana” usada pelo IBGE não corresponde ao usado pela própria denominação: Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, IECLB.

3 – Entre as Religiões de Matriz Africana, a denominação “Candomblé” não é muito conhecida no Vale do Rio dos Sinos, região onde fica Estância Velha. Mais conhecidos são, entre outros, os nomes Religião Africana, Batuque e Nação.

4 – Infelizmente o Censo de 2010 não identifica as religiões que fazem parte do grupo “Novas religiões orientais”.

5 – Em outras cidades da região o Espiritismo também obteve avanços numéricos na década 2000-2010 como, por exemplo, em Novo Hamburgo 0,77%, São Leopoldo 2,57%, Portão 0,49% e Campo Bom 0,82%.

6 – A opção “Sem religião - Agnóstico” foi retirada da tabela 08 por não apresentar declarantes no referido Censo.

7 – Entre os municípios onde o cristianismo anda em recuo encontramos, por exemplo, São Leopoldo (4,38%), Novo Hamburgo (2,22%), Portão (3,9) e Campo Bom (2,15%).

8 – Confira também as tabelas 03 e 04 que apresentam dados sobre religiões Evangélicas de origem pentecostais e Evangélicas sem vínculo institucional.

9 – De acordo com o Censo de 2000, os 109 habitantes indígenas de Estância Velha pertencem aos seguintes credos: 28 frequentam a Igreja Católica Apostólica Romana, 68 as Religiões Evangélicas de origem Pentecostal e 13 são sem religião. Já todos os 18 descendentes indígenas remanescentes em 2010 são Católicos.

Entre os anos 2008 e 2012 ocorreram 56.356 suicídios no Brasil, sendo 43% entre jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Estes dados são do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que foram reunidos, sistematizados e apresentados no “Mapa da Violência: Os jovens do Brasil”, elaborado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA).

Entre os anos de 2008 e 2012 no estado do Rio Grande do Sul (RS) ocorreram 5.530 suicídios, representando 9,8% do total do país. O número de jovens que cometeram suicídio no estado é de 1.140 óbitos, 8% destes suicídios ocorreram no Vale do Rio dos Sinos.

O “Mapa” apresenta as taxas de suicídios dos municípios brasileiros com mais de 20mil habitantes em 2012. Com esta organização das informações (ranking) é possível constatar que entre os vinte municípios com a maior taxa de suicídios no país, onze estão no Rio Grande do Sul. São eles: Três Passos (2º), Três de Maio (5º), Nova Prata (6º), Santa Cruz do Sul (7º), Tupanciretã (11º), Santiago (12º), Canguçu (13º), Lajeado (14º), Venâncio Aires (15º), Encruzilhada do Sul (18º) e Osório (19º).    

O “Mapa da Violência” revela que entre 2008 e 2012 ocorreram 429 suicídios na região do Vale do Sinos, sendo que 22% destes ocorreram com jovens entre 15 e 29 anos.

Em 2012, dentre os municípios com mais de 20 mil habitantes no Vale do Rio dos Sinos, a maior taxa de suicídios ocorreu no município de Dois Irmãos: 14,1 suicídios a cada 100 mil. O município de Sapiranga registra a segunda maior taxa na região, com 11,9 suicídios a cada 100 mil habitantes; neste município a taxa de suicídios entre jovens de 15 a 29 anos é a maior do Vale, com 10 suicídios a cada 100 mil jovens.

Homicídios no Vale do Sinos

Quarta, 6 de Agosto de 2014

Estima-se que a população dos catorze municípios do Vale do Rio dos Sinos em 2012 era de 1.300.339 pessoas, sendo 87,6% população branca e 12,4% população negra. A partir desta estimativa e do número de ocorrências de homicídios, foram calculadas as taxas de homicídios para os municípios com mais de 50 mil habitantes e a taxa de homicídios de jovens entre 15 e 29 anos nos municípios com mais de 15 mil jovens.

Estas informações reunidas, sistematizadas e anualizadas subsidiaram a elaboração e a publicação do “Mapa da Violência: Os jovens do Brasil”. A base de dados que compõe esta pesquisa é de origem do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS).

No município de Sapucaia do Sul, há uma probabilidade maior de habitantes negros serem vítimas de homicídio. Em relação à população total, a taxa de mortalidade de negros é de 41,6 homicídios a cada 100 mil, quando de pessoas brancas é de 26,9 casos. Há ainda uma maior probabilidade de jovens negros serem vítimas de homicídio do que jovens brancos; no município, a taxa de homicídios para jovens negros é de 114,5 a cada 100mil.

Em Campo Bom a taxa de homicídio de pessoas negras a cada 100 mil é o dobro em relação à população branca. No município, um jovem negro tem mais probabilidade de ser vítima de homicídio do que um jovem branco; respectivamente as taxas são 14 e 53,6 casos. No município de Canoas essa realidade não é diferente, as taxas de suicídios relacionadas em relação à população negra também são elevadas.

Nos municípios de Esteio, Novo Hamburgo e São Leopoldo a taxa de homicídios de brancos é maior que entre a população negra. No município de Novo Hamburgo a taxa de homicídios das populações negra e branca com 15 até 29 anos é próxima. Os dados apresentados são importantes para subsidiar o debate sobre os homicídios que ocorreram na região do Vale do Rio dos Sinos e potencializar o debate acerca da questão sobre cor/raça nos diferentes territórios.

Violências e Territórios de Paz

Quarta, 13 de Agosto de 2014

O “Mapa da Violência 2014 – Jovem no Brasil” apresenta os registros de violência relacionados a homicídios, suicídios, acidentes de transporte e às taxas de ocorrência de homicídio por cor/raça. A publicação apresenta informações para todos os municípios brasileiros evidenciando os territórios onde as ocorrências de violência têm maiores taxas. A fim de evidenciar o “Mapa” e subsidiar o debate a cerca destes indicadores o Observatório da Realidade e das Políticas Publicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, publiciza os indicadores referentes aos catorze municípios do COREDE Vale do Rio dos Sinos e realiza o debate em diferentes espaços e sujeitos.

A socióloga Íris Monteiro realiza a análise dos indicadores do “Mapa da Violência 2014 – Jovem no Brasil” a partir de diferentes territórios e apresenta informações para os municípios de Canoas e Esteio, que desde 2012 recebeu as instalações dos programas de “Território de Paz”, e sobre a população Negra.

Íris Monteiro é socióloga graduada pela Unisinos e mestranda no programa de Pós Graduação em Ciências Sociais pela mesma instituição.

Eis o artigo.

Os últimos dados divulgados pelo Mapa da Violência 2014 – Jovem no Brasil1 denunciam novamente que, todos os dias, em média 154 pessoas perdem suas vidas, vítimas de homicídio no país, totalizando anualmente 556 mil assassinatos, o que representa um aumento de 13,4% em relação ao ano anterior.

Esses dados tornam-se ainda mais assustadores se formos analisar o perfil das vítimas, que na sua maioria são do sexo masculino, com idade entre 15 e 29 anos e negros (pardos e pretos), o que totaliza 30.072 casos e 53,4% do total dos assassinatos do país.

Waiselfisz (2012) salienta que o número de homicídios de jovens brancos cai 32,3%, enquanto dos jovens negros aumenta 32,4%. Este crescimento mostra a distância já evidenciada desde 2002, quando o índice de vitimização2 de jovens negros subiu de 79,9% para 168,6%: para cada jovem branco que morre assassinado, morrem 2,7 jovens negros.

Em Porto Alegre esta realidade não difere. Com uma população de 1.409.351 pessoas (13,2% do Estado), distribuídos em 53,61% mulheres e 46,39% homens, e com uma população jovem (15 a 29 anos) de 24,45%, possui uma população negra de 10,21%, representando apenas 5,57% da população do Estado. No período da publicação (2002-2012), a taxa de homicídios juvenis era de 19,0%, média acima da do país, de 2,7%. Em 2012, no entanto, a taxa baixou para 13,0%, enquanto o Brasil ficou com 8,5%.

Nos últimos dez anos, houve um crescimento expressivo de mulheres responsáveis por domicílios, de 38,16% para 49,85%, em 2010, com destaque para os bairros Lomba do Pinheiro, Restinga e Rubem Berta, nos quais ultrapassaram 40% dos domicílios. Coincidentemente, ou não, nestas regiões concentra-se a maior parte da população negra da cidade, além do maior número de famílias beneficiárias de programas sociais de transferência de renda3.

Iniciativas de Combate à Violência

Em 2011, os bairros citados respondiam juntos por 37% dos homicídios ocorridos em Porto Alegre e 51,6% do total dos assassinatos do Estado. Destes homicídios, a maioria é de jovens negros. Diante disso, o Governo do Estado implementou nessas regiões o projeto “Território de Paz4, que consiste na articulação das ações sociais de prevenção à violência e à criminalidade com a repressão policial qualificada. Esse projeto, em 2012, foi instalado nos Municípios de Canoas e Esteio e tem como meta contemplar todos os municípios da Região Metropolitana a fim de estancar a violência e desarticular o crime organizado.

Nesse caso, assim como nos principais programas sociais de prevenção à violência e nas políticas públicas de inclusão social, embora se identifique a problemática da juventude negra como foco central dessas ações, observa-se que, devido aos legados da escravidão na formação das periferias e/ou favelas dos grandes centros urbanos, ainda há uma forte associação entre a periferia e a questão racial. Nesse sentido, embora a maioria dos jovens assistidos por estas ações sejam negros, não é levada em consideração e tampouco discutida a questão racial.

Barros (2008, p. 135), utilizando dados do Centro Internacional de Investigação e Informação para a Paz – CIIIP, mostra que, muitas vezes, a violência está mascarada por rotinas e práticas assimiladas pela cultura, sem a devida reflexão. A visibilidade da violência é “o grau de transparência com que uma sociedade torna mais ou menos visível suas violências” (CIIIP, 2002, p. 26). O autor ainda ressalta que o racismo sofre adaptações, muda de estratégia, conforme as circunstâncias, dando a entender que está ultrapassado e moribundo. Entretanto, continua tão vivo quanto antes e muito mais perverso.

Esses tipos de racismos que se confundem com o meio e assumem discursos politicamente corretos caminham ombro a ombro com suas vítimas e precisam ser erradicados urgentemente das práticas institucionais, em especial das ligadas à segurança pública, acesso à justiça, saúde e educação. É engano pensar que um ato, para ser considerado racista, tenha que ocorrer de forma intencional. Ainda hoje, pela falta de formação e informação, muitos desses agentes agem de forma racista, fomentam e produzem violência contra a população negra, em especial os jovens, mesmo sem perceber quão agressiva e perversa é esta conduta.

Tais evidências só confirmam o que o Movimento Social Negro brasileiro, ao longo da sua existência, vem denunciando sobre o extermínio da juventude negra. Não diferente, o Fórum Nacional da Juventude Negra - FONJUNE5 aprovou como prioridade, nas conferências de 2008, 2011 e no Fórum de Cidadania e Direitos Humanos, a criação de uma política afirmativa Contra o Extermínio de Jovens Negros. Logo depois foi nomeado como Plano Nacional de Enfrentamento ao Extermínio de Jovens Negros. Atualmente, atende por Plano Juventude VIVA6, o qual visa um conjunto de ações de promoção aos valores da igualdade e da não discriminação racial, bem como o enfrentamento ao racismo e ao preconceito geracional, que contribuem também com os altos índices de mortalidade da juventude negra brasileira.

No Estado do Rio Grande do Sul, apesar dos altos índices já apontados pelo Mapa da Violência (2002-2012), apenas a cidade de Porto Alegre está “apta” a aderir ao plano, ignorando justamente o histórico de violência e opressão sofrido cotidianamente pela população negra, em especial os jovens negros, nestas regiões reconhecidas como berço de colonização dos imigrantes.

Resistência e Participação Social Negra

Quero destacar que a Juventude Negra tem buscado se colocar na sociedade brasileira de forma propositiva e protagonista. Algumas ações marcam uma trajetória que precisa ser identificada e registrada. A busca pela garantia dos direitos constitucionais é corroborada nos encaminhamentos dos principais espaços de exercício da democracia participativa. Um exemplo importante é a aprovação da constitucionalidade das cotas raciais no sistema educacional brasileiro, porém, não à toa, o mesmo Estado hoje sensível às cotas raciais e, assim, ao ingresso de jovens negros no ensino superior, é o mesmo que mantém tratamento diferenciado quando tratamos do sistema segurança pública.

Estudos realizados sobre a participação política da juventude brasileira apontam para o fato de que a Juventude Negra organizada em movimentos juvenis e grupos culturais têm sido, nos últimos anos, um dos principais agentes nesse repensar e nesse alargamento da concepção de movimento. Desse modo, o que a Juventude Negra brasileira tem feito hoje é a continuidade dessa luta, bem como o acréscimo de novas ferramentas e formas de resistência, que tem conseguido, mesmo com dificuldades, dissolver paradigmas e estabelecer novas fronteiras e formas de se pensar a juventude brasileira e sua própria concepção de identidade juvenil.

Notas:

1 – WAISELFISZ J.J. Mapa da Violência 2014. O Mapa da Violência – Os Jovens do Brasil. Rio de Janeiro. FLACSO, 2014.

2 – WAISELFISZ (2014). A vitimização negra resulta da relação entre as taxas brancas e as taxas negras. Assim, em determinado ano, se a vitimização negra foi de 73,0%, significa que, proporcionalmente, morreram 73,0% mais negros que brancos. Em valor zero indica que morrem proporcionalmente o mesmo número de bancos e de negros. Valores negativos indicam que morrem, proporcionalmente, mais brancos que negros.

3 – Bolsa Família, programa do Governo Federal que consiste na redistribuição financeira a famílias com renda mensal per capita inferior a R$ 70,00 mensais.

4 –  O Governo do Estado do Rio Grande do Sul implementou o Programa Estadual de Segurança Pública com Cidadania - RS na PAZ. Através da Secretaria da Segurança Pública, tem como política de governo o projeto “Territórios de Paz”, baseado no princípio do Programa Nacional de Segurança com Cidadania - PRONASCI, o qual defende que segurança pública não é sinônimo apenas de polícia. Essa política de governo reside na percepção de que o diálogo entre ações sociais e policiais é fundamental para a redução dos índices de violência e criminalidade.

5 – Encontro Nacional “da Juventude Negra – ENJUNE”, realizado em Lauro de Freitas/BA em julho de 2007. Na ocasião, a juventude negra presente representando os estados brasileiros protagonizou uma das grandes ações de juventude das Américas rumo à garantia dos direitos constitucionais.

6 – Sob a coordenação da Secretária-Geral da Presidência da República, por meio da Secretaria Nacional de Juventude e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o Plano Juventude Viva é fruto de articulação interministerial para enfrentar a violência contra a juventude brasileira, especialmente os jovens negros, principais vítimas de homicídio no Brasil.

Bibliografia:

BARROS, Geová da Silva. Racismo institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição, 2006.
________________. Filtragem Racial: a cor da seleção do suspeito. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 2, Edição 3, jul./ago. 2008, p. 134-155.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de oliveira. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

BRASIL; DECRETO DE LEI 4886. Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Brasília, 2003.

BRASIL; Estatuto da Igualdade Racial; Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.

BRASIL. Ementa 65. Inclusão do termo Juventude na Constituição de 1988.

Cotas raciais: por que sim. Organização: Cristina Lopes. 2 Ed. Ibase: Observatório da Cidadania, 2006.

CONJUVE. Política Nacional de Juventude: diretrizes e perspectivas. São Paulo: Conselho Nacional de Juventude; Fundação Friedrich Ebert, 2006.

DAYRELL, Juarez e GOMES, Nilma Lino. Juventude no Brasil: questões e desafios, 2008.

DOCUMENTÁRIO ABDIAS DO NASCIMENTO 90 ANOS: Um Afro no Mundo, 2010.

RELATÓRIO Final do Encontro Nacional de Juventude Negra – ENJUNE, realizado em Lauro de Freitas/BA, jul. 2007.

SAMPAIO, E. O. Racismo institucional: desenvolvimento social e políticas públicas de caráter afirmativo no Brasil. Revista Internacional de Desenvolvimento Local, v. 4, n. 6, p. 77-83, mar. 2003.

SPOSITO, Marilia. Algumas hipóteses sobre as relações entre movimentos sociais, juventude e educação. Revista Brasileira de Educação. ANPED, nº 13, 2000.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. O Mapa da Violência 2014 – Os Jovens do Brasil. Instituto Sangari. São Paulo, 2014.

O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos reuniu, organizou e sistematizou os indicadores de violência relacionados à Lei Maria da Penha, publicados em 22 de julho, para os municípios do COREDE Vale do Rio dos Sinos. Estes dados foram analisados por Elisabeth Natel, que integra o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – NEABI da Unisinos e é mestranda pelo programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela mesma instituição.

Eis o artigo.

De diversas classes sociais, etnias e regiões, a mulher está inserida nos diferentes contextos históricos e sofre a violência de diversas formas: através de ameaças, estupro e lesões corporais, a mulher sofre agressões física e psicológica. Sabe-se que gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos nos quais se insere. Louro (1997) trata gênero como constituinte da identidade do sujeito, fazendo parte dele, constituindo-o1.

Entenda-se por violência condutas que tenham como finalidade reprimir outro ser humano por atitudes humilhantes, imposição pelo medo ou agressões de qualquer espécie. Observa-se, de acordo com as ocorrências registradas relacionadas à Lei Maria da Penha, que Canoas, situada na região do Vale do Rio dos Sinos, é a cidade com o maior número de ameaças: 1.444, em 2013. Na mesma cidade, em 2013, aconteceu o maior número de lesões corporais: 788, seguida de São Leopoldo, com 691, e Novo Hamburgo, com 605. As mulheres registram boletins de ocorrência por ameaça, e quando retornam é para registrar lesões corporais sofridas do agressor.

São considerados como lesões os casos de lesões corporais leves e de lesões corporais culposas. O art. 88, da Lei 9.099/952 cita que “crimes de lesões corporais leves e de lesões corporais culposas continuam sendo de ação penal pública, mas, para movimentar o aparelho repressivo estatal, dependerão da satisfação de uma condição por parte do ofendido, qual seja, a representação. Em outros termos, a ação penal, nesses crimes, passa a ser pública condicionada”.

Fazendo um recorte e focando a mulher negra, podemos observar que esta sofre uma maior violência simbólica nos lugares que está representada, por ser mulher, negra, pobre e defender seus direitos. Carth (2011, p. 90) traz um enfoque pertinente sobre o estereótipo da mulher negra no cenário brasileiro racista: “Utilizar estereótipo para ferir a mulher negra tem sua raiz no processo de colonização e atravessa o tempo até nossos dias. Trata-se de um ideário branco-ocidental que se consolidou no imaginário coletivo como uma forma de controle social, o que requer muito esforço para desconstruí-lo em cenário brasileiro racista” (CARTH, 2011, p. 90)3.

As diferentes violências, como lesão corporal, ameaças, estupro e femicídio, a que estão sujeitas as mulheres, acentuam a situação de opressão e vulnerabilidade, em especial, a das mulheres negras. A discriminação racial agrava, portanto, o quadro da realidade das mulheres negras, tornando-as extremamente vulneráveis a qualquer tipo de violência e privações, com terríveis consequências para sua saúde física e mental. Infelizmente, ainda não temos dados estatísticos relacionados à Violência contra a Mulher negra em ocorrências registradas e relacionadas à Lei Maria da Penha no Vale do Rio dos Sinos.

Notas:
1 – LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.  

2 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm (consulta 07/08/14).

3 – CARTH, John Land & SANTOS, Roque Manoel dos & ROCHA, Cristino Cesario. Gênero em Contexto Machista-Racista. Clube dos Autores, 2011.

O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, tem como propósito a análise da realidade socioambiental da região do Vale do Sinos. O programa foi demandado em vista de qualificar o acesso e análise da realidade e, ao mesmo tempo, aproximar a Universidade das lideranças e população dos municípios da região.

Estas são algumas das justificativas que apontam a importância desta nota semanal do Observatório, que apresenta o estudo realizado pela acadêmica de Comunicação Social – Jornalismo da Unisinos Marina da Silva Cardozo a partir do projeto de pesquisa “Terras e águas ao sul”, coordenado pelo Prof. Dr. José Luiz Bica de Mélo. O estudo tem como proposta compreender a relação da população ribeirinha do Rio dos Sinos no município de São Leopoldo com suas moradias.

Eis o artigo.

Lares à margem é um estudo originário do projeto Terras e águas ao sul, que investiga os conflitos socioambientais decorrentes dos monocultivos de eucalipto, que afetam especialmente as águas e as populações do entorno das plantações. Derivando do tema dos impactos sociais relacionados à água, Lares à margem surge como um estudo que visa compreender a relação da população ribeirinha de São Leopoldo, cidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, com suas moradias. A ideia era compreender por que razão, apesar das enchentes periódicas que atingem suas casas, essas pessoas continuam a residir nos mesmos lugares, reconstruindo múltiplas vezes suas vidas ao longo dos anos. Tendo em vista minha formação como comunicadora e relação com suportes imagéticos, a escolha pela Antropologia Visual como forma de concretizar o projeto pareceu a mais adequada, na medida em que mistura o documental com elementos de criatividade para expressar uma realidade que nos cerca, mas que pouco é mostrada.

Metodologia

Para realizar a pesquisa e a exposição dos resultados, foram utilizados como base os recursos propostos pela Antropologia Visual. A partir das contribuições teóricas de Gregory Bateson, André Alves e Etienne Samain, o estudo foi conduzido tendo como foco dois moradores das margens do rio: um senhor do Bairro Feitoria e uma senhora do Bairro Rio dos Sinos, que, embora únicos enquanto pessoas, são representativos de inúmeros outros moradores dos mesmos lugares, que também territorializam as margens do Rio dos Sinos, vivendo em condições semelhantes.

A Antropologia Visual surge nos anos 40 do século XX, como modo de auxílio em pesquisas de campo (BATESON, MEAD, 1942). Inicialmente voltada à documentação de etnias e culturas nativas, sua abrangência se amplia com o desenvolvimento das tecnologias e da própria antropologia: “a Antropologia Visual tem sido tradicionalmente entendida como aquela área da Antropologia Sociocultural que utiliza os suportes imagéticos para descrever e analisar uma cultura ou um aspecto particular de uma cultura.” (PARÉS, 2000, s/p).

De maneira prática, um estudo em Antropologia Visual é construído com fotografias acompanhadas de texto, de forma que o texto complemente os significados da fotografia e a imagem ajude a efetivamente mostrar o que o texto quis descrever. Portanto, apesar de sua importância na técnica, a imagem não funciona sozinha.

Conceitos fundamentais

Os dois principais conceitos, que serviram como guias para entender o projeto, foram “território” e “vulnerabilidade social”.

“Território” é um conceito que surge na geografia, mas acaba por ser incorporado a outras áreas do conhecimento, a destacar seu sentido sociológico, que trata da sensação de pertencimento de alguém a algum lugar: “Sempre haverá entre os grupos culturais (…) a perspectiva de se viver e de pertencer a um território, onde haja a mínima possibilidade de sentir-se em casa” (TEIXEIRA, 2008, p. 246).

A vulnerabilidade social, no Brasil, segundo Lúcio Kowarick (2003), recebe dois tratamentos distintos que reforçam a manutenção da situação como tal. Uma diz respeito à naturalização da pobreza: ela existe, é normal, é assim porque sempre foi assim. A outra, chamada de neutralização, mimetiza o pensamento “cada macaco no seu galho”, ou seja, consiste numa discriminação que faz com que cada pessoa “tome seu lugar” na sociedade e não o conteste, sob ameaça de constrangimentos ou mesmo de violência.

Resultados e conclusão

O projeto foi realizado em quatro saídas de campo, duas a cada local específico – bairros Rio dos Sinos e Feitoria —, que resultaram em 28 fotografias selecionadas, a partir de cerca de 150 imagens de material bruto.

Após trabalho de seleção mais minuciosa das fotografias, foram utilizadas 10 imagens que constituíram seis pranchas. Cada prancha consiste em uma ou duas imagens acompanhadas de textos descritivos da situação dos personagens, características de cada um, contextualização da imagem ou breve relato histórico. É possível perceber que em todos os casos, imagem e texto se complementam, buscando transmitir uma mensagem diferente da que teriam se fossem visionados separadamente. A junção dos elementos e progressão das pranchas fotográficas tem o objetivo de construir o entendimento, também no espectador, acerca das questões estabelecidas de início.

Por meio do estudo, foi possível perceber que a ligação da população ribeirinha com o local onde mora ultrapassa a conveniência e chega ao âmbito emocional. Em primeiro lugar, destaco a desconfiança de mudar, apresentada por ambos os moradores, que preferem permanecer em suas casas a aceitar propostas de políticos, por medo de serem usados apenas como campanha eleitoral. Principalmente, porém, a territorialização é fruto da identificação dos moradores com o local, e mesmo vivendo em situação de risco, eles buscam realizar a conversão do espaço em lar.

 MOSTRA FOTOGRÁFICA

Lares à margem: a imagem da moradia na beira do Rio dos Sinos

Imagem e texto: Marina Cardozo

 Projeto de pesquisa Terras e Águas do Sul

Coordenador: Prof. José Luiz Bica de Melo (PPGCS Unisinos)

 

 MARGEM

As margens do Rio dos Sinos, em São Leopoldo, são atingidas pelas enchentes periodicamente. Apesar de construções e diques, a partir da década de 1960, as pessoas que vivem na região são forçadas a reconstruir múltiplas vezes suas vidas ao longo dos anos. Isso, porém, quase faz parte do cotidiano. Diversos locais da cidade que sofrem esse tipo de situação já foram desocupados e seus moradores transferidos para casas e apartamentos fora das áreas de risco, como parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Entretanto alguns preferem não deixar os locais que habitam há tanto tempo e que há muito chamam de lar.

Foto: Dique entre o Rio dos Sinos e a cidade, Bairro Centro, São Leopoldo. Janeiro, 2014.

 ELISETE I

A Rua da Praia, localizada no bairro Rio dos Sinos, em São Leopoldo, fica a cerca de 20 metros do Rio dos Sinos, em uma região que é uma espécie de ilha: fica cercada de água quando há cheias. Apesar da proximidade do rio e das enchentes periódicas, a rua abriga muitas construções – residências e comerciais –, inclusive a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Leopoldo.

Elisete vive na Rua da Praia. Em 2013, decidiu transformar parte da frente da casa em um bar, para vender lanches e bebidas às pessoas que procuram a margem do Rio dos Sinos em busca de lazer nos dias de verão. Junto do marido, que vende churrasquinho próximo a uma parada de ônibus no centro da cidade, Elisete sustenta a casa.

Foto: Perspectiva do Rio dos Sinos a partir da Rua da Praia, Bairro Rio dos Sinos, São Leopoldo. Janeiro, 2014.

Foto: Elisete da Silva Forte sentada em seu pátio. Ao lado, pode-se observar o quadro que lista os produtos vendidos. Janeiro, 2014.

 ELISETE II

Vizinha do rio, Elisete divide a casa – construída cerca de 1,5 metro do chão – com um filho, o marido e os cachorros que recolhe da rua. Na última enchente, em agosto de 2013, ela teve que deixar a casa temporariamente, mas não sem antes salvar seus cachorros. Na casa, há mais de dez.

Ela não pretende sair da beira do Rio dos Sinos. Só consideraria a possibilidade se pudesse morar em uma chácara para montar um canil e cuidar dos cachorros adotados. Ela conta que as pessoas já sabem que ela os pega: há quem vá até a Rua da Praia apenas para abandonar os animais.

Foto: Elisete junto a dois dos seus cachorros. Janeiro, 2014.

 EDUARDO I

A margem do Rio dos Sinos no bairro Feitoria é marcada por uma paisagem que se repete: casas simples construídas como palafitas, a alguns metros do chão; ruas de chão batido e muito lixo. Os moradores contam que pessoas vão até o local especialmente para deixar coisas que não querem ou não precisam mais.

Eduardo, que mora no bairro, trabalha com “bicos” em construção: está sempre em um lugar diferente, dentro da cidade ou fora dela. As enchentes o atingem constantemente, mas nada o tira do lugar onde vive.

Foto: Terreno baldio tomado por lixo, na rua Augusto Eugênio Daudt, bairro Feitoria, São Leopoldo. Fevereiro, 2014.

Foto: Eduardo Martins da Cunha no pátio de casa, no bairro Feitoria, São Leopoldo. Março, 2014.

 EDUARDO II


Eduardo conta que em sua casa tem tudo de que precisa: pode pescar no rio para comer e os vizinhos o ajudam. Já recebeu proposta de sair dali, mas prefere ficar: esse é o local que ele mesmo construiu, é a casa dele.


Foto:Panorama da casa de Eduardo. Março, 2014.

Foto: Detalhe da casa de Eduardo. Março, 2014.


Bibliografia:

BATESON, Gregory; MEAD, Margaret. Balinese Character: A Photographic Analysis. New York: New York Academy Of Sciences, 1942.

KOWARICK, Lúcio. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos, França e Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Viçosa, v. 18, n. 51, p.61-85, fev. 2003. Disponível em: <.">.">http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v18n51/15986.pdf>. Acesso em: 26 maio 2014.

 PARÉS, Luis Nicolau. Algumas Considerações em torno da Antropologia Visual. 2000. Disponível em: <.">.">http://www.antropologia.com.br/colu/colu3.html>. Acesso em: 28 abr. 2014.

TEIXEIRA, Ivan Manoel Ribeiro. O conceito de território e seu emprego nos estudos sobre migrações: contribuições geográficas para a sociologia. Dialogus, Ribeirão Preto, v. 4, n. 1, p.243-260, 2008. Disponível em: <.">.">http://unimaua.br/comunicacao/publicacoes/dialogus/2008/pdf/conceito_territorio_estudos_migracoes_2008.pdf>. Acesso em: 18 mai.2014.