“Eu não gosto dessas missas em streaming”. Entrevista com Heiner Wilmer, bispo alemão

Foto: Flickr CC/Michael Swan

17 Abril 2020

Não considera positivo que, durante a crise dos coronavírus, todo pároco ou sacerdote transmita ao vivo de qualquer pequena capela ou de sua sala de estar: essa é a opinião do bispo de Hildesheim, Heiner Wilmer, na entrevista da semana na DLF. Ele acredita que isso mostra uma fixação pela Eucaristia.

 

A entrevista é de Christiane Florin, publicado por Deutschlandfunk, 12-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Entrevistado e entrevistadora expressam suas opiniões. Deutchlandfunk não se responsabiliza pelas expressões usadas na discussão e na entrevista.

 

Eis a entrevista.

 

Depois da sexta-feira santa sempre vem o domingo de Páscoa?

 

À Sexta-feira Santa segue, antes de tudo, o Sábado Santo, o dia do luto, o dia do silêncio, o dia em que se choram todas as lágrimas. É o dia de escuridão, da solidão, do deserto e somente depois é que vem o domingo de Páscoa.

 

No ano litúrgico é claramente definido o momento em que o tempo de privação termina e o tempo de espera. A Quaresma termina com a Páscoa. O advento traz o Natal. Mas agora, na época do coronavírus, não sabemos quando esse tempo terá passado. Como enfrentar essa situação, de não saber o momento em que terminará?

 

O tempo do coronavírus, essa Quaresma tão particular, é um momento especial para mim. De alguma forma, tudo está no banco de prova. Para mim, tudo mudou. Essa situação me faz refletir, me pergunto o quanto nossa fé se segura, o quanto ela me sustenta, o quanto a Igreja apoia as pessoas, o que as pessoas recebem de nós e também como a maneira como anunciamos realmente comunica a mensagem de Jesus. Para mim essas são questões-chave e, claro, estou muito preocupado com muitas pessoas aqui na diocese de Hildesheim, mas também em toda a Alemanha e além. Tantos medos, tantos doentes e moribundos, tantos infectados, mesmo entre as pessoas que se curam e prestam sua ajuda. Tudo isso é realmente pesado.

 

O que o cuidado das almas significa para você no momento?

 

Para mim, o cuidado das almas consiste no paradoxo de que para nós é importante, apesar de todo o distanciamento necessário, buscar a proximidade. Nunca foi tão importante ficar sozinhos juntos e cuidar de almas para mim realmente significa ser criativo na maneira de estar próximo das pessoas, telefonar, desenvolver novas formas de pastoral, na Internet, no mundo digital. Cuidar das almas, no entanto, para mim também significa usar uma máscara, usar um jaleco branco e, em alguns casos, ir visitar as pessoas que estão doentes, que estão no hospital, especialmente aquelas que estão morrendo. Cuidar de almas para mim também significa transmitir a esperança, o consolo e a mensagem de Jesus que nos liberta, sobretudo do medo.

 

Ou seja, com a máscara, você visita pessoas que estão prestes a morrer, por exemplo, para dar o sacramento da unção dos enfermos?

 

Isso se tornou difícil. Na semana passada, no entanto, fui visitar alguém em uma casa para idosos e coloquei uma máscara. Ficamos sentados ao lado da cama e oramos. Nesse caso, ele já havia recebido os sacramentos. Ele era um confrade e absolutamente queria ver o bispo mais uma vez. Eu disse que iria visita-lo, em combinação com a direção da casa de repouso e seguindo as orientações sanitárias. Mas eu sei que são exceções. Sei que atualmente é muito, muito difícil até para os parentes serem admitidos. Eu próprio tenho uma jovem sobrinha que está em situação grave no hospital. Para nós, para a família, é realmente trágico que ninguém possa visitá-la.

 

Sr. Wilmer, em 24 de março, com um comunicado, você convidou os fiéis a orar com mais força, a orar também protestando. Contra o que devem protestar? Eles deveriam insultar a Deus?

 

Nestes dias, refleti muito sobre o modo como podemos orar e voltei a ler o livro de Jó. No livro de Jó, não apenas é posto em discussão o modo de orar, ou seja, agradecer a Deus, louvá-lo, implorá-lo. Jó reclama e grita a Deus, porque em pouco tempo seus filhos morrem, seu gado morre, sua terra é devastada. Ele está lá, sozinho, praticamente nu. Os amigos o culpam, criticam-no por sua fé e cinicamente dizem que é muito provável que ele seja culpado de seus infortúnios, que Deus o castigue por seus culpas, ou perguntem-lhe ironicamente: onde está o teu Deus, nem sequer pode te ajudar, ele que tu chamas de todo-poderoso? Jó grita contra Deus a sua miséria, seu infortúnio, sua dor. Ele o repreende e reclama: onde você está, onde está se escondendo? Isso também me lembra o dia 27 de março, quando o Papa Francisco, em Roma, estava sozinho, na Praça de São Pedro molhada pela chuva, e cita a cena dos discípulos no barco. Jesus dorme e os discípulos estão vendo que o barco vai afundar e então gritam com Jesus: acorda, acorda! E também ali o Papa reza: acorda, onde você está, Deus, acorda! É uma maneira de orar que talvez tenhamos esquecido, que se tornou muito importante para mim neste período.

 

Se nossos ouvintes são representativos da média na Alemanha, então cerca de um terço deles diz: Deus não me interessa, não faço parte de nenhuma comunidade religiosa, de nenhuma das duas grandes igrejas presentes na Alemanha. O que dizer a essas pessoas? Você tem algo a dizer para elas também?

 

A verdadeira questão é: como posso viver bem, como posso descobrir o segredo da minha vida, como devo proceder na minha vida para que outras pessoas ao meu redor também possam viver bem. E há também a questão de como nos comportamos quando percebemos que há limites para a nossa razão, que de repente, improvisadamente, a previsibilidade dos eventos que pensávamos poder calcular de uma maneira matemática e científica se desfez. Na prática, quer desejemos ou não, somos dependentes de um todo-poderoso. Do todo-poderoso por excelência que é a morte. Isso nos força a refletir e faz parte da minha maneira de enfrentar a situação.

 

Aos 19 anos, você entrou na ordem dos padres do Sagrado Coração de Jesus, quarenta anos se passaram. Há algum tempo, você escreveu um livro intitulado "Gott ist nicht nett" (Deus não é gentil). Ali se descreve como é difícil orientar a vida totalmente para Deus, para Jesus. Num determinado ponto, você escreve: "ter que beijar quando passou a paixão”. Qual é a sua relação com esse Deus: ter que beijar ou querer beijar?

 

Acredito que, por nossa fé, herdamos imagens, eu também as herdei de minha família, através da minha educação, imagens que talvez não correspondam à verdade, imagens que mostram Jesus como o bom pastor, imagens românticas, imagens de crucifixos nas veredas, bem cuidadas, esculpidas em madeira, do santuário de Altötting ou do sul do Tirol, crucifixos de madeira dos quais talvez a família também tenha orgulho... Mas a verdade é que é uma morte horrível. A verdade é que abrandamos nossa fé, aparamos toda a aspereza. A verdade é que comprimimos Deus em uma caixa, a amarramos e adornamos com um lindo laço vermelho e pensamos que "temos" Deus! Pensamos que ele é a imagem que temos dele. Não, não está certo! Até mesmo os eventos de agora mostram que a vida é imprevisível e, acima de tudo, que Deus permanece um mistério. Na melhor das hipóteses, às vezes podemos dizer o que não é, mais que expressar o que é. Não é alguém que possamos apaziguar com sacrifícios, ou que poderíamos dominar magicamente, que de alguma forma possamos acuar no canto.

 

Mas algo mágico está sendo feito em algum canto da Igreja Católica. Há quem diga que a água benta serve para se defender contra o vírus, e outros que querem a todo custo ir para a igreja e morrer pela Eucaristia. Um bispo auxiliar em Colônia fez um vídeo com a pergunta: o que Deus nos diz através do vírus? O que você acha de tudo isso?

 

Então, vamos sobrevoar sobre o que as pessoas dizem individualmente. Pessoalmente, acho difícil suportar que a realidade que enfrentamos seja tomada de ânimo leve e que sejam propostas águas bentas e práticas que estão fora de qualquer racionalidade. Uma fé sem razão me deixa desconfiado.

 

A Páscoa é a maior festa cristã, notoriamente. Você se sente limitado no exercício de sua liberdade religiosa pelo fato de que essa festa não pode acontecer como de costume com as celebrações solenes?

 

Não me sinto limitado em minha liberdade religiosa. Meu modo de sentir é particular, porque da fé naturalmente faz parte a comunidade. Ou seja, ninguém acredita sozinho. Nossa fé é baseada na paróquia, na comunidade, no fato de que, em caminho comigo, há outras pessoas que olho nos olhos, com quem me encontro, na alegria e também nas lágrimas. A renúncia à comunidade é a verdadeira renúncia. Sempre se fala apenas do jejum da Eucaristia. Considero também que seja grave insistir nesses conceitos. É a renúncia a uma vida normal que nos afeta. Nós precisamos de outros. Nós somos seres, cada um de nós é um ser em relação aos outros, e isso agora é tirado de nós. Alguns dias atrás, recebi vários e-mails de alguns círculos católicos. Neles, dizia-se que os bispos alemães "aceitariam sem opor resistência" a proibição de celebrações. Nessas palavras, pode ser percebida a censura de que os bispos alemães teriam se curvado perante o Estado, de que não teriam lutado com decisão suficiente, justamente agora para a Páscoa, pelas celebrações.

 

Na sua opinião, é uma censura justificada?

 

Eu vejo as coisas de maneira diferente. Vivemos em uma sociedade, estamos juntos. A coesão da sociedade é importante, mesmo para as igrejas, não podemos nos separar. Estamos juntos como seres humanos. Não é possível que construamos um nicho católico, nos isolemos e saibamos tudo melhor que os outros. Devemos estar juntos e temos especialistas nos ministérios, no ministério da saúde. Temos pessoas que com grande responsabilidade cuidam do bem das pessoas na Alemanha e lá fora também. No meu modo de entender a fé se insere no exercício de respeito, o apreço pelas pessoas que se preocupam com os outros, a aceitação dos conselhos dos outros e se deixar guiar por especialistas em um período difícil.

 

Desde que a proibição de se reunir foi promulgada, um grande número de celebrações pode ser visto na Internet em streaming, muitas vezes sem pessoas nos bancos, sem povo. Ponha a mão no seu coração: às vezes não chega a pensar “Infelizmente, será este o futuro da Igreja Católica, com cada vez menos pessoas comparecendo à missa que antes”, ou seja, antes do coronavírus?

 

Sobre isso, penso duas coisas. A primeira: eu pessoalmente não gosto de todas essas missas em streaming. Aqui na diocese, temos uma celebração oficial em streaming, mesmo que apenas em áudio, da catedral de Hildesheim. Não acho positivo que todo pároco, todo padre, transmita em streaming de qualquer pequena capela ou de sua sala de estar. Não acho positivo, porque dessa maneira mostramos como estamos empobrecidos. Não é possível que estejamos fixados apenas na Eucaristia! É claro que é importante, mas o Concílio Vaticano II diz que o Senhor não está presente apenas na Eucaristia, mas também nas Sagradas Escrituras, na leitura da Bíblia, e deveríamos levar a sério as palavras de Jesus quando ele diz: onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou entre eles. Também podemos nos reunir na internet, através das mídias modernas. Essa seria a primeira coisa.

 

Em segundo lugar, eu realmente acredito que as igrejas vazias de hoje nos dão talvez uma amostra de um futuro que talvez não esteja tão longe. Imagens que refletem algo com o qual devemos definitivamente lidar mais cedo do que possamos agora admitir.

 

Isso significa que a Eucaristia é superestimada e que você propõe experimentar outras formas de estar juntos, outras formas de viver a comunidade?

 

Pois bem, nas reações de alguns fiéis, a Eucaristia é superestimada. Como se não houvesse mais nada. Tivemos repetidamente na história do cristianismo tempos em que as pessoas não podiam comparecer à missa ou receber comunhão. Isso sempre aconteceu. Mas isso não significa que a fé tenha sido destruída. Agora estamos agindo como se tudo tivesse desmoronado. Está errado. É redutivo.

 

Se olharmos para trás ao início de março, parece muito tempo atrás, um novo presidente da Conferência Episcopal alemã foi escolhido na época. Você também era um possível sucessor de Reinhard Marx. Teria ficado feliz se tivesse se tornado?

 

Eu não era realmente um sucessor em potencial. Em algumas mídias, foi escrito isso. Só sou bispo de Hildesheim há um ano e meio. Eu realmente não pensava nisso. Pessoalmente, estou convencido de que encontramos no bispo Georg Bätzing um maravilhoso sucessor do cardeal Reinhard Marx. E estou feliz que tenha aceitado essa responsabilidade.

 

Uma afirmação muito difundida na Igreja Católica é: na Igreja não há poder, há apenas serviço. Por que é tão difícil para um clérigo dizer publicamente: eu aceitaria com prazer tal designação?

 

A questão do poder é realmente um tópico importante na Igreja; em alguns círculos, um tópico tabu. Acredito que temos, em relação ao tema do poder, imagens fortemente vinculadas à autoridade, até dentro das comunidades. A verdadeira questão que hoje interessa às pessoas, na minha humilde opinião, não é: quem tem a palavra, quem tem o poder? Mas: quem é autêntico, quem vive e trabalha de maneira a se conectar às experiências das pessoas.

 

Autêntico hoje é uma palavra desgastada. Qualquer coisa deve ser autêntica, até o tênis para a academia. Mas como se pode ser credível, ou próximo à vida das pessoas, se até agora se viveu de uma maneira diferente, se viveu em seminários, se fez carreira na Igreja, subindo para se tornar bispo? No fundo, em sua diocese, você está bastante distante das pessoas.

 

Para mim, pessoalmente, continuam sendo importantes, agora como no passado, contatos muito antigos, que tenho desde o ensino fundamental. Entre eles, há pessoas que agora são motoristas de caminhão. Pessoas que são marceneiros, pedreiros, agricultores. Pessoas que se tornaram médicos, outras que trabalham no âmbito jurídico. Eu também tenho muitos conhecidos que não vão mais à igreja, mesmo que talvez acreditem. Eu também tenho bons amigos que não vão à igreja nem querem ter nada a ver com Deus. Para mim, todas essas pessoas são muito preciosas e me dão de certa maneira a sensação de estar com os pés no chão, o que eu considero importante também para mim pessoalmente.

 

Vamos pegar o caso do motorista de caminhão. Se agora ele lhe disser: a questão do celibato, que os padres não podem se casar, eu realmente não entendo. E eu nem entendo por que continuam a mantê-la. O que lhe responde?

 

Digo a ele que posso entender sua impressão, que ele possa ter dificuldade em entender. Eu digo a ele que não é um dogma. Temos padres casados na Igreja há vários séculos. Depois, também lhe digo que na diocese de Hildesheim tenho alguns padres paroquiais que são casados e têm filhos. Então ele fica estupefato.

 

São convertidos provenientes da Igreja Evangélica?

 

Sim, evidentemente. Dois eram luteranos, um era anglicano. Obviamente funciona. Atualmente, vivemos um período diferente de antes. O celibato não é um dogma, é uma disciplina da Igreja. Existem muitas razões para mantê-lo. O celibato também tem algo de positivo. Faço parte de uma congregação, apaixonadamente, e também vivo os três votos do celibato, obediência e estilo de vida modesto, que, no entanto, devo acrescentar, atualmente não é mais tão modesto, como bispo. Mas o celibato não faz parte do tesouro da fé da Igreja.

 

Apesar disso, o papa decidiu: o celibato não será alterado. Nem mesmo uma liberdade mínima de escolha é concedida, nem é aberta outra possibilidade de acesso ao presbiterado.

 

Eu o vejo de maneira um pouco diferente ao ler o documento após o Sínodo na Amazônia. O que há de novo na história do Vaticano e na história dos papas é o fato de o papa manter válido simultaneamente o texto final do Sínodo e o texto atual (ou seja, a exortação apostólica "Querida Amazônia"). Isto é completamente novo. Isso me diz que o papa quer que continuemos pensando, que ele quer que se fique no assunto, que se continue falando sobre isso, que por enquanto os tempos ainda não estão maduros o suficiente. Talvez a preocupação e o medo dele sejam que algo possa se quebrar. Mas a mensagem dele, que eu percebo, não é para parar, mas falar sobre isso.

 

Para retornar ao nosso motorista de caminhão, você o aconselharia para ter paciência?

 

Sim, sim, paciência.

 

Em uma de suas primeiras entrevistas, você disse que o abuso de poder está no DNA da Igreja. O que quis dizer com isso?

 

Eu queria dizer que a Igreja é santa na medida em que deriva de Deus, mas que a Igreja também é pecadora na medida em que deriva das pessoas. Esquecemos esse aspecto. Não é minha invenção, faz parte da história da Igreja.

 

Ainda hoje, você o repetiria com a mesma certeza?

 

Sim, estou convencido. Eu o repetiria exatamente assim. O vírus ofuscou alguns debates internos (aos quais me referi anteriormente) que ainda eram muito importantes no início de março. Já falamos sobre celibato. Eu gostaria de discutir outro assunto, porque na sua diocese você lida muito com isso, ou seja, sobre a violência sexual. Um de seus antecessores, o bispo Janssen, foi culpado de abuso. A outro antecessor, você criticou ter ocultado fatos. O que está acontecendo agora?

 

Agora acontece que existem grupos de especialistas que tratam dos fatos. A) Eles são especialistas que não fazem parte da diocese. B) São especialistas e examinam os documentos de forma independente. Portanto, no caso do bispo Heinrich Maria Janssen, o grupo de especialistas tem em mãos os documentos relevantes. Esse grupo é presidido por uma mulher, a Sra. Niewisch-Lennartz, que era ministra da Justiça na Baixa Saxônia. Eu disse a eles que são autônomos, independentes, também para a comunicação, inclusive para comunicados com a imprensa. Eu não gostaria que me acusassem de impor uma censura. Pelo contrário, eu disse publicamente que renuncio ao controle, quero que os fatos sejam esclarecidos.

 

Por que tal ocultação de fatos foi possível?

 

Acredito que foi possível porque a Igreja Católica se considerava autônoma no âmbito jurídico. As transgressões eram tratadas internamente. A violência sexual era considerada uma violação do sexto mandamento, mas não um crime, não um crime envolvendo as leis do estado.

 

Em toda missa, os fiéis devem admitir suas culpas. Toda criança que se prepara para a comunhão deve fazer um exame de consciência e confessar. Porque até agora nenhuma pessoa responsável, nenhuma daquelas que antes tinham a responsabilidade e lidavam com a violência de gênero, diz por vontade própria: ocultei fatos! Por que se admite, quando se admite, sempre apenas por pressões? Alguns falaram algo, inclusive os prelados que tinham funções de guia na Alemanha, disseram que cometeram erros, não avaliaram as coisas corretamente. Mas você acredita que eles não tivessem avaliados corretamente quando, ao mesmo tempo, dedicaram tanto esforço para manter as coisas ocultas? Dá para se acreditar que eles digam que não consideraram a situação tão grave na época?

 

Não, eu considero tudo isso muito problemático. E acho que não funciona. Penso que o que já na época não era apenas uma transgressão, mas um crime, deva ser definido como um crime e deva ser enfrentado. Também deve ser enfrentado com os meios do estado. Não está certo que nós, na Igreja, tenhamos colocado um crime embaixo do tapete, que as vítimas estejam sofrendo hoje e que nós digamos: mas então eram outros tempos. Não está certo. A questão da justiça é central e para mim a mensagem de Jesus é central e clara. Não está correto que no centro esteja a manutenção de uma estrutura, o esplendor de uma instituição. No centro está a pessoa, a pessoa ferida, a pessoa frágil, a pessoa que sofre.

 

E embora todos vocês se reportem a Jesus, ninguém teve a honestidade de dizer publicamente: sou pessoalmente culpado. Tudo sempre foi formulado de maneira passiva ou muito geral, no sentido: assumimos a culpa ... sempre há pecadores, etc. etc.

 

O difícil na questão da violência sexual é que ela atinge todo o sistema Igreja. Quanto mais eu lido com o problema, mais raiva sinto, por um lado e, pelo outro, reconheço como um sistema resiste internamente. Claro, há alguns que certamente têm a sua culpa, porque não revelaram os fatos, mas as coisas são assim, quase como uma grande toalha de mesa. Quando você a puxa para um lado, percebe que tudo de alguma forma é carregado junto.

 

Isso significa que, no edifício Igreja, se cada pedra fosse movida, poderia acontecer que, no final, não permanecesse mais nenhuma sobre a outra.

Não. Para mim, isso significa que temos que ter uma atitude diferente em relação ao poder. Não é possível que apenas procedamos de acordo com um modelo de cima para baixo. Precisamos de controles, precisamos de uma referência, precisamos de um exame. E isso deve ser sancionado institucionalmente. Também precisamos de uma estreita colaboração com as autoridades competentes, seja em casos de infrações ou de crimes. Mas dentro da Igreja, em todo caso, precisamos de estruturas que fujam de tendências monárquicas.

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