Economistas avaliam como ‘desconectadas da realidade’ medidas de Guedes para crise do coronavírus

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18 Março 2020

Medidas insuficientes para enfrentar a crise causada pela pandemia de coronavírus e falta de real percepção do tamanho do problema. Essa é a síntese da análise das medidas econômicas anunciadas pelo governo federal, segundo Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, e Alessandro Donadio, professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A reportagem é publicada por Sul 21, 17-03-2020.

Ganz Lúcio destaca que a atual crise de saúde tem como principal modo de enfrentamento o próprio isolamento das pessoas, tendo como consequência o “travamento” do sistema produtivo. Para uma economia em crise como a brasileira, isso causará ainda mais impacto. “O travamento do sistema produtivo e do fluxo financeiro por longo período”, diz Ganz Lúcio, pode levar ao desemprego em massa no Brasil. “As consequências podem ser uma tragédia inédita”, afirma.

Para o diretor-técnico do Dieese, é vital haver um conjunto de medidas capazes de oferecer as melhores condições para a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), o que inclui verba para equipes, equipamentos e estrutura. “Não vejo isso no plano do ministro Paulo Guedes, não há a garantia de recursos para o SUS”, critica.

Entre as medidas emergências necessárias, ele destaca a renegociação de dívidas, a preservação do emprego e uma renda universal para trabalhadores sem carteira assinada. “É preciso criar formas de sustentar renda de quem não vai trabalhar e também das empresas que não vão produzir e vender, além de crédito para as empresas, assim como um acordo com o setor privado para não ter demissão”, sugere Ganz Lúcio, enfatizando que todo o cenário terá que ser monitorado pelos próximos dois ou três meses.

Clemente Ganz Lúcio avalia que a pandemia do coronavírus e as possíveis estratégias de enfrentamento da crise farão com que o papel do Estado volte a ser discutido. Na opinião do economista, dentro de alguns meses ficará “evidente” a necessidade do Estado em intervir e injetar recursos para impulsionar a retomada da atividade econômica. Ele não descarta, inclusive, a estatização de alguma empresa, a exemplo do que o governo italiano tem pensado com relação à companhia aérea Alitalia.

“É preciso gerar capacidade para o Estado gastar”, afirma, citando a possibilidade da criação de um fundo emergencial, talvez com recursos internacionais. “Será necessária uma reengenharia fiscal de curto prazo. Estamos falando de bilhões de reais, não é coisa pequena. Vai ser preciso achar uma saída.” Como exemplo, ele cita os valores anunciados nesta terça-feira (17) pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O diretor-técnico do Dieese defende a mudança da chamada lei do teto de gastos, aprovada durante a gestão de Michel Temer (MDB) e que impede o crescimento real do orçamento da União. “No médio e longo prazo, isso tudo poderá mostrar novas formas de organizar o papel do Estado. Cadê o ‘mercado’ para resolver o problema, cadê?”, questiona, fazendo eco ao bordão tradicional dos defensores do neoliberalismo para quem o “mercado” tudo resolve. “O mercado não tem nem capacidade de coordenar seu próprio funcionamento, precisa do Estado para organizar a economia”, atesta.

O economista do Dieese pontua que caberá ao Estado, ao final de tudo, coordenar o que define como a “saída da crise”, o momento em que todos estarão com dificuldades, principalmente os mais pobres e as pequenas empresas, sem recursos nem crédito. “São esses que mais precisam do Estado. A saída dessa travada econômica não será simples.” O sistema produzirá para quem? Materiais e peças importantes para a produção e vindos do exterior, serão entregues primeiros para quem? Quem e quantos terão renda? Essas são apenas algumas questões levantadas pelo economista para quando a pandemia arrefecer. “Coordenar isso não será simples.”

Desconexão com a realidade

Alessandro Donadio, professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), analisa as medidas anunciadas pelo ministro Paulo Guedes como sendo para uma crise de curto prazo, em desacordo com a situação projetada. Além disso, pondera que as ações previstas não envolvem recursos novos e sim a antecipação de recursos orçamentários já previstos para o ano de 2020.

“Essa manutenção da retórica das reformas como solução de curto prazo, parece uma questão bastante comprometedora das propostas do governo. As reformas mesmo gerando algum resultado, o que é bastante controverso, para dizer o mínimo, tendem a se manifestar no longo prazo, não se constituem em respostas para uma crise que está tendo uma dinâmica muito rápida e engolfando as economias do planeta. Transmite uma certa leitura que não parece a mesma que está sendo realizada nos outros países”, explica Donadio.

De acordo com o professor de economia, parece haver uma dissonância entre a interpretação que setores do governo fazem da atual crise em comparação com as respostas de outros países, e mesmo em relação aos atores da saúde pública. “São medidas que não estão focadas em prevenir que a economia do país entre em recessão”, acredita, e acrescenta que ainda não há a percepção de como será o pós-crise, embora todos os sinais indicam que os efeitos serão muito fortes na atividade econômica. “Temos um momento de muita incerteza, de muita insegurança em todos os agentes econômicos da sociedade.”

Donadio avalia que diversos governos pelo mundo tem agido justamente para reduzir esse nível de incerteza, algo que o governo brasileiro não tem feito. “Cito como exemplo o Macron, na França, com uma mensagem forte e um posicionamento crível de credibilidade. O próprio governo Trump tem mudado a retórica que ele adota e tem procurado ter uma política pró-ativa de redução de incertezas e planos de ação com resultados imediatos, no sentido de preservar a economia. O grande problema no Brasil é a ausência dessa mensagem crível do governo”, afirma.

Se por um lado o professor da UFRGS elogia o trabalho do Ministério da Saúde, por outro chama a atenção de setores do governo emitirem mensagens contraditórias. “Chegamos a observar um técnico do Ministério da Economia dizer que a melhor forma de combate ao coronavírus seria através da implementação de reformas, cujos resultados, se ocorrerem, iriam maturar num prazo muito mais longo, enquanto a realidade dos fatos está se manifestando num prazo muito mais curto.”

Em consonância com o diretor-técnico do Diesse, Alessandro Donadio também fala da necessidade de revisão da atual estratégia de política fiscal, uma escolha que se recusa a olhar para o investimento público como relevante para retomar a atividade econômica do país. Para ele, a revisão da lei do teto de gastos e da meta de superávit para 2020 são importantes para permitir a retomada da economia do país de modo mais rápido, principalmente diante da volta do cenário de recessão. “Uma economia como a nossa, que teve uma retomada muito fraca da última crise, tende a gerar consequência econômicas e sociais muito graves. Então repensar a questão dos investimentos públicos e o teto de gastos tende a ser algo que, a medida que o cenário piore, vai se colocar para o atual governo”, explica.

Os trabalhadores precarizados, temporários e mesmo os formais serão os mais afetados pela crise econômica decorrente da pandemia de coronavírus, um conjunto de trabalhadores sem recursos para enfrentar flutuações significativas na renda. “Podemos ter um recrudescimento considerável da situação social. Isso vai requerer muito cuidado das autoridades, tanto em nível federal, como estadual e municipal, para monitorar a situação”, afirma Donadio. “Teremos uma noção mais clara disso nas próximas semanas, mas desde já é importante monitorar a situação mais frágil. É extremamente relevante isso para mitigar com sucesso os efeitos negativas da crise para a economia e para a sociedade.”

 

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