17 Mai 2025
"Uma Igreja sem autoridade, sem veredictos ou excomunhões, sem púrpura e pompa, sem preceitos cotidianos é talvez impensável. Mas não seria impensável buscar na tradição cristã, na solidão da própria consciência, uma resposta à própria necessidade de espiritualidade", escreve o arqueólogo e historiador da arte italiano Salvatore Settis, ex-diretor da Scuola Normale Superiore di Pisa, em artigo publicado por La Stampa, 19-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na longuíssima vida da Igreja Católica, nada é mais revelador do que a transição de um Papa para outro. As incertezas da Sé Vacante, os balanços do papado que terminou e as conjecturas sobre os papáveis se entrelaçam com a perpetuidade dos ritmos e dos ritos. Entre a Igreja de um pontífice (Francisco) e a de outro (Leão XIV), abre-se por um breve período uma gama de Igrejas possíveis, tanto desejadas quanto temidas. Também era assim quando quase só os romanos seguiam os passos dos cardeais e os rumores sobre o Conclave hora a hora, e as notícias demoravam dias a chegar a Paris ou Madrid. Mas a espetacular amplificação do envolvimento público na transição que acabámos de viver não se explica apenas pela onipresença e velocidade dos meios de comunicação ou das redes sociais.
A personalidade de um e do outro Papa é um fator ainda mais importante, mas mesmo não basta. Mais surpreendente é outro fator: a intensa participação com que cada momento da transição, desde o funeral de um Papa até à instalação do sucessor, foi acompanhado não só por fiéis mais ou menos praticantes, mas também por imensas multidões de agnósticos, anticlericais e ateus declarados. Sem que ninguém achasse estranho que tantos indiferentes à religião dedicassem atenção às liturgias de uma fé intransigente ou do primado papal. Como se os crentes na Igreja (e em seu poder?) fossem mais numerosos do que os crentes em Jesus Cristo ou em Deus.
Assim, tocamos concretamente um dos muitos paradoxos em que vivemos: o contraste entre a evidente necessidade de espiritualidade (mesmo nas novas gerações) e o crescente distanciamento das religiosidades tradicionais. Um fenômeno mundial, no qual a Itália, como sede do Bispo de Roma, tem uma importância central.
As igrejas estão se esvaziando, e as novas espiritualidades passam, quando muito, por conversões mais ou menos meditadas (ao budismo, islamismo e outras confissões cristãs), passageiros misticismos ‘nova era’, entusiasmos ideológicos igualmente efêmeros, estetizações improvisadas do sagrado.
As aberturas do Papa Francisco talvez tenham desacelerado essa tendência de massa, mas sem contê-la. De fato, a presença na Itália da Igreja Católica (de longe a maior confissão cristã do planeta) e o entrelaçamento de sua história com a do país são um fator importante no declínio de uma espiritualidade cristã vivida. Pesa sobre os italianos, mais que sobre outros, a memória da ingerência política e até militar da Igreja nos cenários de um país atormentado e inquieto. E olha-se com desconfiança para o longo fechamento da Igreja sob o manto de uma autoridade férrea, da qual têm consciência até mesmo aqueles que nada sabem ou se lembram da Inquisição, da condenação de Galileu, das não distantes interferências de um "partido católico" na política cotidiana e de todo lugar, da cumplicidade com regimes fascistas, de Roma ao Chile. A casca (poder e dogma) parece prevalecer sobre o calor e a densidade insuperáveis do Evangelho, que, no entanto, continua sendo o coração da pregação e dos ritos.
Uma Igreja sem autoridade, sem veredictos ou excomunhões, sem púrpura e pompa, sem preceitos cotidianos é talvez impensável. Mas não seria impensável buscar na tradição cristã, na solidão da própria consciência, uma resposta à própria necessidade de espiritualidade. Algo semelhante parece estar acontecendo nesta breve transição de um Papa, tão atento a falar também com os não crentes, ao seu sucessor.
Mas por que isso acontece tão raramente? Poderia a própria Igreja, como uma estrutura poderosa que espalha o Evangelho, mas o aprisiona e se apodera dele, ser um obstáculo? Não há respostas fáceis para esta difícil questão. O certo é que o acesso ao Evangelho (e, de modo mais geral, à Bíblia) não mediado pela Igreja é cada vez mais difícil à medida que a educação religiosa desaparece de nossos horizontes, exceto aqueles estritamente confessionais. Além disso, nos últimos anos, o conhecimento histórico também vem sendo desvalorizado nos currículos educacionais.
Se assim não fosse, o conhecimento do Evangelho e da figura histórica de Jesus seria um dado essencial na escola e na vida. E também deveria ser a singularidade, mais ou menos inexplicável, da afirmação do cristianismo em um contexto, o Império Romano, supremamente estruturado em torno de outras e incompatíveis práticas religiosas (os deuses "pagãos", o culto imperial). Ninguém o disse melhor do que Dante: mais do que qualquer possível milagre do próprio Cristo, o milagre supremo foi o sucesso, em poucas gerações, da Palavra desse carpinteiro judeu “Então falei: Se o mundo convertido Sem milagres de Cristo a lei se houvesse, Este o maior milagre houvera sido”: Paraíso XXIV, 106-108). Jesus não deixou escritos, e os Evangelhos são todos posteriores à sua morte e ressurreição, pela forma como são narrados. Mas sobre cada versículo paira o murmúrio dos seus discípulos: "Duro é esse discurso; quem o pode ouvir?" (João 6,60).
Será que as multidões, mesmo de indiferentes e descrentes, que vimos aglomerar-se nos espaços generosos da Praça de São Pedro (mesmo na Praça virtual, amplificada desmedidamente pelas mídias), talvez signifiquem que, para compreender aquele "duro discurso" e suas potencialidades para a vida espiritual de indivíduos e comunidades, é preciso pegar a Igreja quando está sem Papa, na soleira de uma transição? É claro que tanta atenção dos não crentes pode ser explicada, pelo menos em parte, porque há uma verdade, uma necessidade do espiritual (do sagrado) que nasce não da fé, mas da história – na medida em que aconteceu – e do rito – na medida em que se repete nos séculos. Não da transcendência, mas da prática e da ética; das acta religionis, que no antigo costume greco-romano não exigiam nenhuma profissão de fé, mas apenas o conformar-se com atos e gestos de culto bem codificados. Como patrimônio cultural, legado das gerações, tradição viva.
Talvez seja isso o que nos ensinam as multidões de não crentes que lamentam a morte de Francisco e confiam suas esperanças de paz a Leão XIV: que a verdade espiritual do Evangelho nasce, antes de tudo, da força intrínseca de seu texto. Que a mera existência da Igreja, de seus ritos sempre repetidos, de música e imagens sacras (que impressionam o crente e o não crente) são a projeção e o símbolo de valores e comportamentos que se reportam, por meio do Evangelho, a uma plena humanidade do viver e suas vantagens. Que a identidade judaica de Jesus e sua presença viva (com a Mãe) no Alcorão pertencem à plena profundidade histórica do Evangelho. Que tanto as divisões da Igreja universal quanto o árduo objetivo de uma redescoberta unidade se reportaram e se reportam ao Evangelho.
A Igreja deve estar apta a falar a esse horizonte de expectativas, sem erguer muros entre quem professa uma fé plena (também à autoridade do Papa) e quem observa e guarda seus ritos e esperanças à distância.
Entre quem vive na esteira do Evangelho sem praticar os preceitos da Igreja e os fiéis de estrita observância não há inimizade, mas um espectro variegado de nuances, uma variação gradual de tonalidade. Se o discurso de Jesus ainda é tão "duro" de proclamar e acolher, não será talvez porque ele abarca crentes e não crentes num único olhar? Como os Santos Paulo e Barnabé nos Atos dos Apóstolos (13, 47): "Eis que nos dirigimos a todas as nações". Hoje, até palavras como "paz" ou "justiça social" são "duras" de usar, mas se a Igreja o fizer e encontrar escuta, podem unir crentes e não crentes.