16 Mai 2025
"Em sua homilia, o papa criticou uma certa arrogância intelectual de alguns não crentes que consideram a fé como algo pouco digno para a inteligência humana, e ele estava mais que certo, já que a história da ciência inclui grandes protagonistas que foram, ao mesmo tempo, grandes crentes, entre os quais Kepler, Euler, Newton, Mendel (um frade agostiniano como o papa Leão), Cantor, Gödel, Planck, Heisenberg e não poucos outros. Cada um deles, no entanto, acreditava sim em Deus, mas à sua própria maneira", escreve Vito Mancuso, teólogo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 10-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até antes da homilia na Capela Sistina, o Papa Leão encarnava, aos meus olhos, uma manifestação perfeita do conceito dourado de complexio oppositorum, ou seja, “complexo de opostos”, ou mais especificamente “concerto de opostos”. Trata-se de um conceito peculiar do catolicismo, caracterizado por privilegiar (ao contrário do protestantismo, que insiste na lógica da distinção “aut aut”) a lógica da harmonia “et et”. Não é “ou isso ou aquilo”, mas “tanto isso quanto aquilo”, em um abraço semelhante à colunata de Bernini.
Não é difícil explicar por que o Papa Leão XIV me fazia pensar na complexio oppositorum desde os primeiros momentos: é estadunidense, mas também europeu, por causa da origem de seus pais; ele é norte-americano, mas também sul-americano, por causa de todos os anos que passou no Peru; ele tem uma formação teológica, mas também matemática; tem o rigor de um canonista por causa de seu doutorado em direito canônico, mas foi um intérprete da Igreja da misericórdia do Papa Francisco; foi um cardeal da cúria, mas também um padre missionário em contato com os mais humildes. Também não se deve deixar de lado o fato de ser multilíngue. Achei que não poderia ter sido melhor.
Mas então, ontem de manhã, fui impactado negativamente por duas passagens de sua primeira homilia, que em outros aspectos foi muito bonita (especialmente aquelas palavras sobre “desaparecer para que Cristo permaneça”), e surgiram algumas dúvidas sobre sua capacidade de servir à preciosa lógica da complexio oppositorum de que nosso tempo tanto precisa. Refiro-me, em primeiro lugar, à sua equiparação entre a opinião daqueles que olham para Jesus apenas como uma espécie de líder carismático ou super-homem” e “ateísmo de fato”; depois, a esta consideração, que cito textualmente: “A falta de fé muitas vezes traz consigo dramas como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação da dignidade da pessoa em suas formas mais dramáticas, a crise da família e tantas outras feridas das quais nossa sociedade sofre, e não pouco”.
Com relação à primeira afirmação do Papa Leão, pergunto: mas aqueles que negam a natureza divina de Jesus ou a avaliam de forma diferente do dogma cristão realmente vivem em um “ateísmo de fato”? Acredito justamente que não. Pode-se muito bem pensar em Jesus como um grande homem, um santo, um profeta, talvez o maior entre os profetas, sem abraçar, nem teórica nem praticamente, a visão ateísta da vida que nega a Transcendência e reduz tudo à matéria, chegando ao mais puro niilismo teorético. Negar a natureza divina de Jesus não é ateísmo, muito menos diminuí-la com relação à plenitude da natureza divina do Pai. Quando muito, é uma forma de fé diferente do cristianismo ortodoxo proclamado em Niceia há 1.700 anos, que designa Jesus como sendo “da mesma substância que o Pai”, para considerar, ao contrário, que tinham razão Ário e seus seguidores, entre os quais o bispo Eusébio de Cesareia, um importante historiador das origens cristãs. Por que essa visão teológica deles deveria ser “ateísmo”? Não é, é mais uma forma diferente de crer em Deus. Assim como o judaísmo e o islamismo, que não atribuem nenhuma natureza divina a Jesus, e que certamente não são ateísmo, mas precisamente outras formas de crer em Deus.
Em sua homilia, o papa criticou, com razão, uma certa arrogância intelectual de alguns não crentes que consideram a fé como algo pouco digno para a inteligência humana, e ele estava mais que certo, já que a história da ciência inclui grandes protagonistas que foram, ao mesmo tempo, grandes crentes, entre os quais Kepler, Euler, Newton, Mendel (um frade agostiniano como o papa Leão), Cantor, Gödel, Planck, Heisenberg e não poucos outros. Cada um deles, no entanto, acreditava sim em Deus, mas à sua própria maneira. Newton, para citar um exemplo, era unitarista e, portanto, pensava em Jesus exatamente de acordo com aquela orientação não em conformidade com Niceia, criticada pelo papa, sem, no entanto, ser ateu, já que acreditava firmemente em Deus e passava metade de seus dias tratando de física e a outra metade estudando a Bíblia.
A outra afirmação do Papa Leão me surpreendeu ainda mais negativamente, porque vincula diretamente a falta de fé com os efeitos negativos que ele menciona, como a ausência do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação da dignidade da pessoa e a crise da família. Em minha opinião, essas são palavras bem pouco felizes. Digo isso pensando em tantas pessoas que não têm, ou não têm mais, a fé em Deus e que, não por isso, vivenciam todos esses dramas descritos pelo papa, nem se esquecem da misericórdia, pelo contrário, às vezes contribuem não menos do que os crentes para ajudar os necessitados. Para citar apenas um, penso em Gino Strada, que não precisou de fé em Deus para fazer todo o bem que fez. Sem mencionar que, do lado oposto, há crentes, até mesmo muito fervorosos em exibir sua fé, que não hesitam em realizar o que o Papa definiu como “a violação da dignidade da pessoa em suas formas mais dramáticas”: e o pensamento, obviamente, não pode deixar de ir para os numerosos expoentes do clero protagonistas de abusos sexuais de crianças em todo o mundo. Ou para os desvios e escândalos financeiros que ocorreram recentemente no próprio Vaticano. Ou a outras maldades que é inútil listar.
Não sou ateu, nunca fui e espero nunca me tornar um, pois o patrimônio ideal da fé em Deus, juntamente com o amor de minha família, é o que mais me sustenta no caminho da existência. No entanto, aprendi com meu mestre espiritual, o Cardeal Carlo Maria Martini, que existe uma dimensão importante, eu gostaria de dizer um “magistério”, do ateísmo, em respeito ao qual Martini fundou em Milão a iniciativa conhecida como “Cátedra dos não crentes”. Ele dizia que dentro dele existia um crente e um não crente que lutavam entre si todos os dias em busca da verdade. Também gosto de lembrar este poema do Padre Turoldo: “Irmão ateu nobremente pensativo”. O texto diz o seguinte: “Irmão ateu, nobremente pensativo, à procura de um Deus que eu não sei dar-te, atravessamos, juntos, o deserto. De deserto em deserto, vamos para além da floresta da fé, livres e nus, para o nu ser e, lá, onde a palavra morre, que tenha fim o nosso caminho”.
Bem, penso que não há nada mais precioso do que o nobre pensar, aquele pensamento que é verdadeiramente tal porque sente que algo existe (caso contrário, não buscaria), mas ao mesmo tempo sabe que não o possui (caso contrário, da mesma forma, não buscaria). Foi o que sustentava outro grande mestre, Norberto Bobbio, que um dia disse: “A verdadeira diferença não está entre quem crê e quem não crê, mas entre quem pensa e quem não pensa” (devo a frase ao Cardeal Martini, que gostava de usá-la).
Ontem concluía meu artigo citando Santo Agostinho no Livro X das Confissões, onde afirma que o amor a Deus coincide com o amor à luz do homem interior que está dentro de nós. Acredito que esse é o verdadeiro grande mistério: que o universo tenha gerado a consciência, mais especificamente a consciência moral. Acredito que as religiões devem servir com humildade a esse mistério, despertando nele a humanidade, sem a pretensão de possuí-lo totalmente. Acho que essa é a espiritualidade de que nosso mundo precisa para realmente alcançar a paz que é tão cara ao Papa Leão.