10 Mai 2025
“Não devemos esconder-nos atrás de uma ideia de autoridade que hoje corre o risco de já não fazer sentido”
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta, ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por La Repubblica, 10-05-2025.
Segundo ele, "Leão adora as palavras de Agostinho no Sermão 340: "Para vós sou bispo, convosco sou cristão. Esse nome é sinal da tarefa recebida, este de graça; aquele é ocasião de perigo, este de salvação."
A primeira homilia de Leão começa com uma citação do Vaticano II, e em particular da constituição pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo moderno. A mensagem está entrelaçada com o nome que ele escolheu: Leão, como o Pontífice da Rerum novarum, que soube captar e interpretar os desafios sociais do seu tempo, tentando conciliar a Igreja e a modernidade. O chamado vem de Leone d'America, que tem raízes em terras peruanas, onde, como americano, escolheu obter a cidadania: um gesto que demonstra um pertencimento mais profundo do que o analógico.
Uma escolha que ressoa nos versos imortais de Emma Lazarus gravados no pedestal da Estátua da Liberdade: "Dai-me as vossas massas cansadas, pobres, oprimidas e sufocadas." E Leão está rugindo em sua crítica à cidade do homem moderno — as grandes capitais mundiais? — que não conhece dignidade. Na homilia aos cardeais, ele a fotografa e a reconhece na cidade bíblica de Cesareia de Filipe, "bela - diz ele -, repleta de palácios luxuosos, situada num cenário natural encantador, aos pés do Monte Hermon, mas também sede de círculos cruéis de poder e palco de traições e infidelidades". Beleza e crueldade.
De sua dupla origem — americana e peruana — Leão conhece bem o veneno das polarizações. Ele as viu trabalhando e caminhou entre eles como um pastor. Ele sabe que algumas dessas fraturas não são feridas espontâneas, mas golpes calculados, ideologicamente dirigidos contra a Igreja. E então o gentil Prevost também sabe arranhar, como quando respondeu claramente a JD Vance, culpado de ter explorado o ordo amoris de Agostinho, invertendo o Evangelho para adaptá-lo à lógica do poder.
Há uma frase dita numa entrevista recente que parece ser a síntese do seu pensamento: «Não devemos ceder à tentação de viver isolados, separados num palácio, satisfeitos com um certo nível social ou com um certo nível dentro da Igreja. E não devemos nos esconder atrás de uma ideia de autoridade que hoje não faz mais sentido." Palavras que desconstroem a tentação da mundanidade espiritual da Igreja, mas que continuam precisamente: «Muitas vezes nos preocupamos em ensinar a doutrina, o modo de viver a nossa fé — continuou — mas corremos o risco de esquecer a nossa primeira tarefa: ensinar o que significa conhecer Jesus Cristo e testemunhar a nossa proximidade com o Senhor».
Como nos romances visionários de José María Arguedas, o Peru era para Leão não apenas um território de missão, mas uma alma. Entre os Andes, ele aprendeu a reconhecer Cristo nos rostos enrugados dos camponeses, nas vozes tristes das comunidades indígenas. Da varanda vaticana, Leão também falou em espanhol, recordando a pequena diocese de Chiclayo, de onde Francisco o chamou para dirigir o Dicastério dos Bispos, fundamental para construir o tecido da Igreja com figuras de verdadeiros pastores. Este estilo pastoral reflete também um princípio decisivo do seu pensamento: desaparecer, verbo-chave de Leão. Este, de fato, é o "compromisso indispensável para quem na Igreja exerce um ministério de autoridade: desaparecer para que Cristo permaneça".
O coração do seu pontificado será agostiniano até a medula. A sua é uma espiritualidade de inquietação, de pesquisa incessante, de um coração que se estende para o além. Assim como Francisco era filho espiritual de Inácio, Leão é filho de Agostinho. Este recurso da Igreja de hoje aos carismas dos religiosos é importante para uma liderança chamada a ser profundamente espiritual, mas também comunitária. E não nos esqueçamos de que, com Francisco, isso significava chamar religiosas para cargos de destaque na Cúria Romana.
Leão adora as palavras de Agostinho no Sermão 340: "Para vós sou bispo, convosco sou cristão. Esse nome é sinal da tarefa recebida, este de graça; aquele é ocasião de perigo, este de salvação." Há uma sintonia singular com a primeira mensagem de Francisco que, surgindo da galeria das bênçãos, disse: "Comecemos juntos esta jornada da Igreja de Roma, bispo e povo". Leão XIV "para" o povo e "com" o povo: a definição o revela como ele é: um convicto defensor da sinodalidade, entendida como a participação ativa de todo o povo de Deus na vida da Igreja.
Diante desse cenário, Leão reitera com força em sua primeira homilia que a missão é urgente: ele sabe que "a fé cristã é considerada uma coisa absurda" em muitos contextos. E ele está ciente de que a falta de fé também resulta na "violação da dignidade da pessoa" e em "muitas outras feridas das quais sofre a nossa sociedade, e não poucas". Imagens de seu passado como bispo no Peru já circulam nas redes sociais: Leão com botas enlameadas, Leão a cavalo, Leão cozinhando em panelas e frigideiras enegrecidas. Seu episcopado em Chiclayo foi vivido nas periferias, entre as comunidades rurais, escutando, compartilhando, defendendo os direitos humanos. Seu rosto conta a dolorosa espiritualidade dos Poemas Humanos do peruano César Vallejo. É na carne ferida do mundo que Leão viveu a Igreja “pobre e para os pobres”. Mas isso não é suficiente. Leão evoca em suas primeiras palavras o “diálogo entre os povos”. Seu coração bate pela paz, palavra-chave de sua primeira saudação: uma paz "desarmada e desarmante, humilde e perseverante".
Sua experiência no Dicastério para os Bispos o ensinou a ler as fraturas do mundo como um médico lê os raios X de um corpo. E é nessa perspectiva que podemos entender melhor a referência em sua primeira homilia à Igreja como "cidade situada sobre um monte, arca da salvação que navega pelas ondas da história, farol que ilumina as noites do mundo" e seus perigos. A palavra perigo na citação agostiniana de sua saudação na Loggia das Bênçãos, olhando para as pessoas que se reuniram agitando bandeiras de meio mundo, não deve passar despercebida. Leão sabe da responsabilidade do risco que assumiu ao dizer a palavra "eu aceito".