Papa Leão XIV. Desafios e expectativas. Algumas análises

Especialistas internacionais e nacionais – Andrea Grillo, Maria Cristina Furtado, Faustino Teixeira, Ivone Gebara e Alzirinha Souza – apresentam suas primeiras impressões após a eleição de Robert Francis Prevost, o primeiro papa estadunidense da Igreja

Papa Leão XIV | Foto: Vatican Media

Por: Baleia Comunicação | 09 Mai 2025

Bastaram dois dias de conclave e a fumaça branca foi vista sobre o telhado da Capela Sistina, no Vaticano. Robert Francis Prevost foi eleito papa pelo colégio cardinalício e escolheu Leão XIV como sua alcunha papal. Nas primeiras horas do pontificado, todo o gesto, todo o detalhe, é ao mesmo tempo eloquente e sugestivo. O que se sabe sobre o novo pontífice diz um algo sobre o passado e  o futuro. Mas há rastros significantes deixados pelo caminho dessa, até agora, breve aparição. Para compreendermos essas pistas deixadas pelo anúncio, que passa pela escolha da vestimenta, pelos acenos, mas também pela seleção das palavras e os interlocutores a quem o discurso se dirigiu, convidamos alguns especialistas no tema para apresentar o substituto do Papa Francisco.

No discurso inicial, Leão XIV sublinhou, como bom agostiniano, a importância de orientar-nos nossa conduta pelo amor. “Deus [...] ama a todos, incondicionalmente. [...] Deus nos ama, Deus ama a todos e o mal não vai prevalecer. [...] Portanto, sem medo, unidos, de mãos dadas com Deus, que está entre nós, vamos seguir”, pontuou. Por outro lado, não deixou de fazer um aceno aos católicos. “À Igreja de Roma, uma saudação especial! Devemos buscar juntos como ser uma Igreja missionária, uma Igreja que constrói pontes, dialoga, sempre aberta para receber como esta praça com os braços abertos. A todos, a todos aqueles que precisam da nossa caridade, da nossa presença, do diálogo e do amor”, frisou.

A escolha do nome do Papa é sempre algo revelador sobre as intenções do pontificado. A pesquisadora Maria Cristina Furtado recordou que “Leão XIII publicou a Encíclica Rerum Novarum, em 1891, que trouxe a questão operária, direito dos trabalhadores e defendeu a justiça social”.

Andrea Grillo, teólogo italiano, comentou sobre a “continuidade com Francisco, embora em um estilo diferente, o que fica claro na dupla intenção de pacificar e unir todos os povos. Isso envolve um trabalho de reconciliação dentro da igreja e fora dela”. Para a teóloga brasileira Ivone Gebara um dos pontos mais importantes de seu discurso foi a pelo à “Paz desarmada, Paz desarmadora e um mundo com mais pontes e relações”. 

Na análise de Faustino Teixeira, teólogo brasileiro, "trata-se de um papa que transcende fronteiras, e firma sua trajetória com as notas puras do evangelho. O seu projeto não é de evangelização proselitista, mas de abertura dialogal, em todos os sentidos. É um 'pastor de duas pátrias', melhor ainda, é um pastor de vocação universal".

Alzirinha Souza chamou atenção para a o “grande desafio de manter os processos abertos por Francisco, sem ser Francisco. Continuar atualizando e dando continuidade aos processos de forma com que eles continuem a fazer sentido com o avanço da história e das demandas que surgirão na realidade”.  

Acompanhe a seguir as entrevistas na íntegra. 

Andrea Grillo (Foto: Susana Rocca | Acervo IHU)

Andrea Grillo é filósofo e teólogo italiano, leigo, especialista em liturgia e pastoral. Doutor em teologia pelo Instituto de Liturgia Pastoral, de Pádua, é professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua. Também é membro da Associação Teológica Italiana e da Associação dos Professores de Liturgia, da Itália.

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Maria Cristina Furtado (Foto: Acervo pessoal) 

Maria Cristina S. Furtado é doutora em Teologia sistemática pela PUC-Rio - Especialista em Educação – e Psicóloga. Membro da Sociedade de Teologia Moral, da Rede brasileira de Teólogas, e da TeoMulher. Diretora do Centro de Estudos de Gênero, Diversidade e Violência, Rj. Autora do livro “A Igreja e as pessoas LGBT. Atendimento pastoral com base no Amor incondicional de Deus”.

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Faustino Teixeira (Foto: Ricardo Assis/UFJF/divulgação)

Faustino Teixeira é colaborador do IHU. Possui graduação em Ciência das Religiões pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), graduação em Filosofia pela mesma instituição, mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. É professor emérito da UFJF, no PPG em Ciência da Religião.

Ivone Gebara (Foto: Débora Guaraná | Brasil de Fato)

Ivone Gebara é doutora em Filosofia pela PUC-SP e doutora em Ciências Religiosas/Teologia pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. Foi professora de Filosofia e Teologia sistemática no Instituto de Teologia do Recife. Tem vários livros e artigos publicados na perspectiva feminista e ecofeminista. É conferencista nacional e internacional e Livre pensadora. Desde 1967 é membro da Congregação das Irmãs de Nossa Senhora - cônegas de Santo Agostinho. Membro docente do Instituto Sedes Sapientiae-SP.

Alzirinha Souza (Foto: ITESP)

Alzirinha Souza é graduada em Teologia pela Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre pela Universidad San Dámaso, de Madri, e doutora pela Université Catholique de Louvain – UCL, na Bélgica 2014. É membro da Sociedade Internacional de Teologia Prática – SITP, fundadora e colaboradora do Centro de Pesquisa e Documentação José Comblin, na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. É professora convidada na Universidade Católica Portuguesa – UCP, de Lisboa, onde integra a Comissão de Qualidade da Faculdade de Teologia (2022-2025) e leciona no PPG em Teologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e no Instituto São Paulo de Ensino Superior em São Paulo – ITESP.

Confira as entrevistas.

IHU – O que se sabe da biografia do novo Papa e o que se pode intuir do próximo pontificado a partir da saudação inicial do Papa?

Andrea Grillo – Acredito que algumas coisas fundamentais devem ser ditas: que humanamente falando, este é um Papa com um caráter oposto ao de Francisco. Ele parecia envergonhado, desajeitado, emocionado. Ele é um homem que não se exibe, mas que fará espaço. Mas a maneira como lembrou de Francisco foi autêntica e sincera, capaz até de comover aqueles que o ouviam. Um segundo aspecto é que o primeiro Papa norte-americano falou apenas italiano e espanhol, agradecendo à Diocese de Roma e à Diocese do Peru. Então, imediatamente representou, eu diria por si só, paz e aceitação entre os povos. Por fim, a biografia de um religioso agostiniano estadounidense, que se torna bispo no Peru, depois Prefeito do Dicastério dos Bispos e depois Papa, é marcada por um traço missionário que retornou muitas vezes em seu discurso.

Maria Cristina S. Furtado – Para mim, foi surpresa a eleição do cardeal Robert Francis Prevost como novo Papa. Ele é agostiniano, tem 69 anos, e foi ordenado em 1982. É doutor em Direito canônico, pela Pontíficia Universidade de Santo Tomás de Aquino, em Roma. No Peru, foi missionário, pároco, professor e bispo.

Escolher o nome de Leão XIV, a meu ver, diz muito. O primeiro papa a adotar este nome foi Leão Magno, figura muito influente na história da Igreja. Já Leão XIII publicou a Encíclica Rerum Novarum, em 1891, que trouxe a questão operária, direito dos trabalhadores, e defendeu a justiça social. Essa Encíclica foi o marco inicial da Doutrina Social da Igreja. Além disso procurou aproximar a Igreja das questões contemporâneas, e incentivou o estudo das ciências. 

Em seu primeiro discurso, cheio de alegria e emoção, o novo Papa Leão XIV, começou dizendo, “Que a paz esteja com todos vocês”. Agradeceu ao Papa Francisco, e disse oferecer uma benção de paz que alcançasse as famílias e a todos. Também falou várias vezes da importância de fazer pontes, acolher a todos os que necessitam e dialogar.

Faustino Teixeira – Mais uma vez, como em outros conclaves, fomos surpreendidos com um papa que não estava na previsão dos vaticanistas. E veio, mais uma vez, um papa dofim do mundo”. Como eu gosto de dizer, o Espírito nos surpreendeu com suas singulares artimanhas ao buscar um papa que firmou sua vocação no Peru, que assumiu a cidadania peruana, mesmo sendo da América do Norte. Mais um latino-americano para nos anunciar um caminho dialogal para a igreja, numa perspectiva bonita de opção pelos excluídos, pelos largados da história e pelos migrantes.

Trata-se de um papa que transcende fronteiras, e firma sua trajetória com as notas puras do evangelho. O seu projeto não é de evangelização proselitista, mas de abertura dialogal, em todos os sentidos. É um “pastor de duas pátrias”, melhor ainda, é um pastor de vocação universal.

Em tempos de esvaziamento das igrejas, surge um papa que dá continuidade ao ritmo de esperança e alegria de Francisco. E confirmou essa vontade em sua bela fala junto aos fiéis que estavam na praça aguardando ansiosamente a fumaça branca. E ela veio, e teimosamente nos trouxe um papa pastor e profeta, ao contrário do que muitos projetavam ou almejavam.

É linda a sua visão sobre a tarefa de um bispo: de ser alguém simples, humilde, seguidor de Jesus; de alguém que faz sua morada junto ao povo simples, que caminha e sofre com eles, partilhando sonhos que nunca envelhecem.

Entra no pontificado com um discurso firme, anunciando uma imorredoura vontade de paz: uma paz desarmada, desarmadora, humilde e perseverante. De forma extraordinária, e emocionante, dedica um trecho importante de sua fala à sua “querida comunidade de Chiclayo no Peru”, e o faz em espanhol. Reconhece que ali, junto deles, firmou-se seu aprendizado mais bonito; um aprendizado que levou a Roma e que vai perseverar teimosamente.

Trata-se de um pastor singular, bispo de Roma, que traz consigo um aprendizado maturado na experiência pastoral. Vem com a carga evangélica da coragem, sem temer poder algum, pois sua tenda está firmada no solo profundo do evangelho.

Ivone Gebara – Confesso que não sei muita coisa de sua biografia. Soube agora que viveu anos no Peru na diocese de Chiclayo.

Espero que tenha sido marcado pelas comunidades peruanas e pela ação e pensamento de Gustavo Gutiérrez, teólogo da libertação, e de outros. Lá no Peru havia um extraordinário movimento de comunidades cristãs populares nas décadas de 1990, 2000 e depois.

Alzirinha Souza – Robert Francis Prevost, membro da Ordem de Santo Agostinho era o Prefeito do Dicastério para os bispos. Seu lema episcopal: In Illo Uno unum. Nascido em Chicago, Illinois, Estados Unidos, estudou matemática e filosofia na Villanova University em Villanova, perto da Filadélfia. Ordenado presbítero em Roma em 1982 pelo bispo belga Jean Jadot, então pro-presidente para o Secretariado para os não-cristãos. Mestre pela Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino ("Angelicum") com uma dissertação sobre direito canônico. Foi Superior Geral dos Agostinianos de 2001 a 2013.

Foi nomeado bispo pelo papa Francisco novembro de 2014, como titular de Sufar para o encargo de administrador apostólico de Cliclayo, Peru. Em 2015 assumiu como bispo diocesano de Cliclayo. Em janeiro 2023 foi nomeado pelo papa Francisco para ser Prefeito do dicastério para os bispos. Era o atual Presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina, tendo tomado posse em 2023. Fala inglês, italiano e espanhol. É presbítero há 41 anos. É o 59º cardeal estadunidense da história do colégio cardinalício (um dos quais, destituído e laicizado).

Prevost é o primeiro Papa estadunidense. Ele é o 18º cardeal da Ordem de Santo Agostinho atuante na Cúria Romana. Idade atual: 67 anos. Um papa "americano" peruano, latino-americano!

A escolha do nome é em referência ao papa Leão XIII, aquele que colocou as bases da Doutrina Social da Igreja. É um bispo vindo de uma Diocese periférica e com desafios sociais importantes. Esse é um bom indício para o trabalho social.

IHU – Quais são os três pontos que mais lhe chamaram atenção no primeiro pronunciamento do Papa eleito?

Andrea Grillo – A continuidade com Francisco, embora em um estilo diferente, o que fica claro na dupla intenção de pacificar e unir todos os povos. Isso envolve um trabalho de reconciliação dentro da igreja e fora dela. Uma paz “desarmada e desarmante” é a pérola do seu discurso, juntamente com a citação do texto agostiniano: “convosco um cristão e para vós o bispo”. Agostinho acrescenta: o primeiro é um título de salvação, o segundo de perigo.

Maria Cristina S. Furtado – Ele me passou a impressão de desejar continuar com o caminho voltado para o povo, preocupado com a justiça social, e com os mais necessitados. Embora não tenha falado nada sobre as mulheres e às pessoas LGBT, não acredito que haja algum retrocesso. Estou esperançosa com a sua eleição. Ele disse para não termos medo, e procurou mostrar que estava acolhendo a “TODOS”.

Faustino Teixeira – Destaco três pontos fundamentais: o seu apelo em favor da Paz; a sua luta contra as forças do Mal; a Esperança firmada numa vida de testemunho e serenidade. O papa Prevost inicia seu pontificado com o desejo de unidade, visando uma igreja profética “que constrói pontes e diálogo”; uma igreja que busca fortalecer em todos o ânimo vital, num tempo de muitas crises.

Ivone Gebara – Paz desarmada, Paz desarmadora e um mundo com mais pontes e relações.

Alzirinha Souza – Paz desarmada e desarmante, lembrou do amor de Deus incondicional e pontuou a questão de seguirmos sem medo – unidos com Deus e entre nós. É um discurso em linha com os pontos principais do Papa Francisco

IHU – Quais são os principais desafios para o papado pós-Francisco?

Andrea Grillo – Creio que há sobretudo dois: o primeiro, é dar continuidade institucional às grandes aberturas carismáticas de Francisco; o segundo, de assumir e continuar aqueles processos iniciados com grande força por Francisco, que devem ser assumidos, consolidados e continuados. Por isso, é necessária uma figura menos destacada, que fique, por assim dizer, em segundo plano, justamente para promover uma Igreja sinodal. Um papa que exerce o ofício de bispo de Roma de forma quase impessoal.

Maria Cristina S. Furtado – Dar continuidade ao trabalho renovador de Francisco, não permitindo que se estanque os avanços já feitos. Aproximar a Igreja cada vez mais do povo, principalmente dos excluídos, discriminados, como os pobres, as mulheres, os imigrantes, os deficientes e as pessoas LGBT. Dar continuidade a ocupação de cargos pelas mulheres no Vaticano e continuar os estudos sobre o diaconato das mulheres.

Faustino Teixeira – São tantos e fundamentais os desafios a serem enfrentados pelo papa Prevost. São desafios que estão em profunda sintonia com os enfrentados por Francisco: o desafio de uma “igreja-em-saída”, que rompe com todo ensimesmamento para brilhar como luz no mundo. O desafio de manter acesa a radical opção pelos pobres, pelos migrantes e marginalizados. O desafio de dar continuidade ao diálogo cósmico de Francisco, que não se restringe ao diálogo entre religiões ou espiritualidades, mas que abraça e envolve toda a criação, num bonito circuito inter-relacional. Trata-se de manter vivo e aceso os dois compromissos essenciais: em favor dos pobres e em favor da Terra.

Ivone Gebara – Achei importante o nome dele Leão XIV. Lembra Leão XIII o papa da doutrina social da Igreja que ouviu os clamores do mundo operário no mundo industrializado. Acho muito cedo fazer previsões e comparações no momento. Há que esperar. Temo o fato de ser norte-americano e ter já recebido o cumprimento do Trump. Gostei de saber que é agostiniano e espero que possa aprofundar para hoje a 'teologia do amor' de Santo Agostinho.

Alzirinha Souza – O grande desafio será manter os processos abertos por Francisco, sem ser Francisco. Continuar atualizando e dando continuidade aos processos de forma com que eles continuem a fazer sentido com o avanço da história e das demandas que surgirão na realidade.

Temas como continuidade das Reformas, Abusos, Economia Vaticana, Renovação da Cúria Romana, Sinodalidade, compromisso com a Paz, Cuidado com a casa comum.

Que continue a ser Pastor e Mestre da humanidade TODA, e não somente para os cristãos. Que continue o diálogo aberto com todas as pessoas de boa vontade, que continue sendo PONTE para paz.

Que seja um sinal de Escuta interna e externa – Sinal de paz para um mundo em guerra, sinal de esperança para o POBRES e todos/as que desejam um outro mundo possível. E por em cima de tudo, alguém que se deixe guiar pelo discernimento à luz do Espírito Santo, dessa forma poderá desvelar uma práxis que colabore com a convergência entre o desejo de Deus e o desejo humano, práxis transformadora do mundo!

IHU – Deseja acrescentar algo?

Andrea Grillo – Digo apenas que depois de um papa sul-americano, outro papa norte-americano. Isto é um sinal dos tempos. E coloca ainda mais fortemente, numa segunda geração papal, a chegada a Roma de uma cultura não europeia, que pensa o mundo e a tradição cristã com categorias parcialmente diferentes, e às vezes profundamente diferentes das clássicas.

Faustino Teixeira – Queria apenas sublinhar como foi bonita a decisão na escolha do nome Leão, que traz consigo a vitalidade e a coragem. Que faz aquecer em nossa memória o singular empenho de Leão XIII em sua ousada experiência de abertura da igreja para as coisas novas, para os novos tempos, para a causa dos trabalhadores. Com sua precisa decisão, o papa Prevost sinaliza para todos nós que o caminho verdadeiro da igreja se faz com abertura e diálogo, com kenosis e compaixão.

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