13 Mai 2025
Pessoas próximas ao Papa garantem que ele não ficará de braços cruzados enquanto o presidente de seu país natal criminaliza, detém e expulsa milhares de migrantes.
A reportagem é de Paola Nagovitch, publicada por El País, 13-05-2025.
A primeira pista está no nome. Quando o cardeal Robert Francis Prevost se tornou o primeiro pontífice americano e escolheu Leão XIV como seu nome papal, o nativo de Chicago deixou claro seu compromisso com a justiça social. Com sua seleção, ele invocou o Papa Leão XIII, considerado o arquiteto da doutrina social católica. Isso afirma o direito das pessoas de migrar em busca de segurança e uma vida digna, entre outras coisas. Um sinal de que, assim como seu antecessor e amigo próximo Francisco, Leão XIV será um Papa para os migrantes, o que certamente o colocará em desacordo com o governo de seu país natal, onde Donald Trump tenta realizar a maior campanha de deportação da história.
O próprio Prevost confirmou neste fim de semana que escolheu se chamar Leão XIV em referência ao seu antecessor de mesmo nome e ao seu legado social. "Escolhi adotar o nome de Leão XIV. Há várias razões, mas principalmente porque o Papa Leão XIII, com sua histórica encíclica Rerum Novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial", disse ele em um discurso ao Colégio Cardinalício no Vaticano no sábado.
Leão XIII, líder da Igreja Católica de 1878 a 1903, ficou conhecido como “o Papa dos trabalhadores” por sua encíclica de 1891, na qual defendeu o direito ao trabalho decente, inclusive para migrantes. “Ninguém trocaria seu país por uma terra estrangeira se o seu próprio lhe proporcionasse os meios para viver uma vida decente e feliz”, escreveu ele na época. O texto se tornou a base do ensinamento social católico moderno. Segundo a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, estabelece que toda pessoa tem o direito de migrar para sobreviver e sustentar sua família. Embora a doutrina reconheça que nenhum país é obrigado a aceitar todas as pessoas que buscam reassentamento, ela observa que os governos devem "regular suas fronteiras com justiça e misericórdia".
Esses são princípios que guiaram profundamente o Papa Francisco e que, agora, devem marcar também o papado de Leão XIV. Já em seu primeiro discurso como pontífice na última quinta-feira, Prevost falou em “construir pontes”, como seu antecessor costumava fazer ao falar sobre migração, especialmente em resposta às políticas que ele considerava punitivas aos imigrantes. "Devemos buscar juntos como ser uma Igreja missionária, que constrói pontes de diálogo, sempre pronta e aberta para acolher, como esta praça, de braços abertos a todos", disse ele da sacada da Basílica de São Pedro.
Pessoas próximas ao Papa confirmaram que ele dará continuidade ao legado de Francisco em muitas questões, incluindo a migração. Em entrevista ao The New York Times no dia de sua nomeação, seu irmão, John Prevost, declarou que Leão XIV “não está feliz com o que está acontecendo com a migração” nos Estados Unidos. "Eu sei disso. Ninguém sabe até onde ele irá, mas ele não ficará de braços cruzados", disse ele. Ele acrescentou que o Papa "tem um grande desejo de ajudar os oprimidos e os marginalizados, as pessoas que são ignoradas" e que, portanto, não acredita que "ele ficará em silêncio por muito tempo se tiver algo a dizer".
O arcebispo de Chicago, cardeal Blase Cupich, foi um passo além, afirmando em uma entrevista à ABC News transmitida neste fim de semana que o Papa influenciará a política americana. "Acredito que ele ajudará a completar e complementar nossa agenda política. Ele também falará muito sobre imigração, porque entende o sofrimento das pessoas e suas reais necessidades por uma vida melhor", disse. "Ele sabe que essas pessoas precisam de uma escolha. E ele pedirá, acredito eu, como os bispos dos Estados Unidos fizeram, para consertar esse sistema imigratório falido."
A Conferência dos Bispos Católicos dos EUA e o governo Trump discordaram em diversas ocasiões sobre como o governo deveria aplicar suas leis de imigração. Embora a Igreja Católica Americana reconheça que as fronteiras devem ser defendidas, os bispos defendem há anos uma reforma abrangente do sistema de imigração dos EUA que forneça caminhos para a cidadania para milhares de migrantes, proteja os requerentes de asilo, promova a unidade familiar e respeite os direitos ao devido processo legal de todas as pessoas. No geral, o oposto da política do atual presidente.
Trump, por sua vez, disse que é uma "esperança" e uma "honra" que o novo Papa seja americano e que ele esteja ansioso para conhecê-lo. No entanto, alguns dos seus conselheiros mais leais o atacaram. Laura Loomer, a influenciadora e ativista de extrema direita que sussurra no ouvido do presidente, chamou Leão XIV de "anti-Trump, anti-MAGA, pró-fronteiras abertas e totalmente marxista".
O universo trumpista criticou o fato de um perfil no X (antigo Twitter) sob o nome de Robert Prevost criticar o governo por muitas de suas políticas. A conta, aparentemente gerenciada pelo atual Papa — ou alguém de sua equipe — e criada em 2011, compartilhou postagens contra muitas das políticas de imigração de Trump durante suas duas presidências: desde a separação de famílias de migrantes até as tentativas do republicano de retirar a proteção dos Dreamers. Sua última postagem, em 14 de abril, é um retuíte de uma coluna escrita por um bispo auxiliar da Arquidiocese de Washington, na qual ele perguntava se Trump vê “o sofrimento” causado por sua agenda de imigração.
Steve Bannon, ex-estrategista do presidente, referiu-se a esses tuítes para repreender Leão XIV. "Acho chocante que um homem que tinha Twitter e fez declarações contra políticos americanos de alto escalão possa ser eleito Papa", disse ele à BBC há alguns dias. Ele acrescentou que "definitivamente haverá atrito" entre Prevost e Trump, como já houve entre Francisco e o republicano. Mas ele emitiu um aviso: “Lembrem-se, o presidente Trump não teve escrúpulos em atacar o Papa Francisco.”