16 Mai 2025
"Eis então a questão: atribuir a uma homilia do Papa Leão XIV a crítica do ateísmo, como se fosse uma “passagem desafinada”, parece‑me derivar da confusão entre esses dois níveis da questão, que a crítica é incapaz de distinguir. Os níveis ainda eram necessariamente confusos na época de Leão XIII: hoje, só o são para os tradicionalistas. Se você não distinguir entre os dois significados de ateísmo, poderá cair na armadilha de pensar que toda crítica ao ateísmo possa ser entendida como crítica ao Estado liberal e à liberdade de consciência", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado por Come Se Non, 11-05-2025, comenta o artigo de Vito Mancuso, "Ateísmo de fato ou por escolha: aquelas duas primeiras passagens desafinadas". A tradução é de Luisa Rabolini.
Caro Vito, não há dúvida de que o julgamento sobre o ateísmo não faz parte da tradição eclesial antiga e medieval, mas sim das contingências históricas dos últimos 200 anos. Uma posição "ateísta" poderia ter existido na antiguidade, mas é óbvio que a questão se tornou um problema para a Igreja Católica desde que nasceu um mundo no qual é possível "se desinteressar por Deus" e acreditar que se está vivendo bem, aliás, melhor. A época de Leão XIII foi profundamente marcada pela dialética entre fé e ateísmo.
Leão XIII recebeu o bastão de muitos papas do século XIX e o assumiu com um estilo completamente novo.
A luta contra o ateísmo, que com seus predecessores havia assumido a figura da "rejeição do Estado ateu", isto é, do Estado liberal, tornou-se, com Leão XIII, o confronto no campo das "res novae".
Mas permaneceu um forte preconceito contra o mundo moderno, pensado como "mundo do ateísmo", um mundo no qual Deus não era mais o pressuposto nem do sujeito livre nem do ordenamento jurídico.
Desde então, muita água passou por baixo da ponte. Até a Igreja Católica aprendeu a pensar que o que no final do século XIX podia parecer "ateu", desde a década de 1960 pode até ser pensado como um "sinal dos tempos". A fé em Cristo, sem perder nada de sua intensidade de confiança no "logos feito carne", podia ler a realidade do mundo com lentes diferentes, com um novo discernimento e com maior empatia. Sem perder nada de sua própria fé. Nesse espaço, o Concílio Vaticano II se moveu primeiro, e depois sua recepção, até o Papa Francisco e o Papa Leão XIV.
Para compreender esse desenvolvimento, não se pode perder de vista a complexidade da questão, que só pode ser entendida se não se atribuir ao termo "ateísmo" um significado unívoco. De fato, para entender a história dos últimos 200 anos, devemos distinguir um duplo significado de ateísmo: por um lado, um ateísmo institucional, que concebe cada homem e cada mulher como dotados de uma dignidade original e própria, que vincula todas as instituições e que não pode ser minada por uma visão hierárquica (incluindo a religiosa). Esse "ateísmo político", que gera o Estado de Direito, é uma conquista para todos. E a Igreja também soube valorizá‑la, com o reconhecimento da liberdade de consciência como dimensão original. Alguns ainda hoje se escandalizam, mas é assim há 60 anos.
Mas há também um “ateísmo teológico” que é algo profundamente diferente. Representa, de fato, a negação da transcendência, do além e do sagrado. Esse ateísmo, que corrói o humano em sua dimensão não de liberdade, mas de autoridade, constitui uma questão radical, que toda forma de fé deve necessariamente ler de forma crítica. A própria consciência, sem reconhecer uma autoridade, se perde em um jogo de espelhos sem saída.
Eis então a questão: atribuir a uma homilia do Papa Leão XIV a crítica do ateísmo, como se fosse uma “passagem desafinada”, parece‑me derivar da confusão entre esses dois níveis da questão, que a crítica é incapaz de distinguir. Os níveis ainda eram necessariamente confusos na época de Leão XIII: hoje, só o são para os tradicionalistas. Se você não distinguir entre os dois significados de ateísmo, poderá cair na armadilha de pensar que toda crítica ao ateísmo possa ser entendida como crítica ao Estado liberal e à liberdade de consciência. Como um "regime dos aiatolá" finalmente desmascarado no Vaticano. Infelizmente, quando se fala de questões complexas e se julgam com esquemas excessivamente simples, pode-se cair em erros graves e alimentar leituras muito distorcidas.
Vamos examinar brevemente os dois temas de sua crítica, que absolutamente não dizem respeito ao ateísmo.
Ambos os textos que você examinou, na verdade, dizem respeito à compreensão de Jesus: quem era Jesus? Um charlatão? Ou um homem justo? Ou um super‑herói? Ou a revelação de Deus? As respostas a essas perguntas são confiadas a uma longa tradição que começa com a leitura oferecida no Novo Testamento. Se lermos o texto da homilia de 9 de maio, veremos claramente que o problema não é o ateísmo, como você gostaria, mas a indiferença eclesial. O que você julga com as categorias de Leão XIII não se aplica a Leão XIV. A questão não é mais um ateísmo institucional a ser contestado; trata‑se, antes, de uma indiferença cultural a ser superada com força. Você sabe bem, de fato, que o "elogio ao irmão ateu" de Turoldo, ou o interesse pelos "não crentes" expresso por Martini, nada tem a ver com apologética contra o ateísmo nem com uma marginalização da fé. Turoldo e Martini, juntamente com Bonhoeffer, Kueng ou Panneberg, não são de forma alguma mornos em sua fé: não querem absolutamente diluir o Evangelho com a boa consciência burguesa. Sabem que sem a profecia de um Jesus como "revelação do Pai" não se pode permanecer firme na Igreja.
Em vez disso, parece que você quer inverter a perspectiva e fazer do ateísmo político o critério de julgamento de toda proposição do Papa, a fim de poder facilmente notar que a exaltação da fé acabaria por negar, assim julgada à revelia, a possibilidade de uma "vida boa" para aqueles que não creem. Mas aqui está o grave descuido. O que Leão disse não diz respeito, em primeiro lugar, ao mundo, mas à Igreja, que vive da relação profética com o Filho de Deus. Não para condenar aqueles que não se adequam a Niceia ou desqualificar aqueles que não creem em Deus, mas para assumir toda a profissão de fé, sem limitações, ao cerne da missão da Igreja.
Respeitamos de modo convicto o que podemos chamar de ateísmo político, que é o alfabeto institucional tardo‑moderno, isto é, o estado não confessional, mas não podemos, de forma alguma, cultivar o ateísmo teológico, sem perder a própria razão de ser de uma igreja. Seria verdadeiramente curioso se um papa tivesse que satisfazer uma posição como a que você expressa, que nega ser ateísta, mas que nega, ao mesmo tempo, qualquer determinação categorial do divino, exceto como determinação unicamente da consciência. Palavra e sacramento continuam sendo constitutivos de uma relação vital com a história.
Sobre esse ponto, penso que o liberalismo por você afirmado com tamanha segurança, tenha dificuldade para compreender uma boa parte da tradição católica e cristã do século passado, sem ter de excluir que toda aparição da fé possa parecer, mais ou menos indiretamente, como uma forma de inautenticidade. Não é ateu quem não acredita no dogma cristão. É ateísmo de fato se um cristão contradiz a fórmula de fé da Igreja à qual pertence. Ninguém condena todas as formas de "não ateísmo" que as diferentes religiões afirmam, mas é necessário discutir cuidadosamente a relação entre o Deus que é objeto da fé e as formas de vida e de relação com a consciência que a própria fé propõe ou impõe.
Todas essas passagens, que continuam sendo complexas, se forem puladas com um salto e reduzidas à "luta contra o ateísmo", se tornam uma crítica a Leão XIV, que, no entanto, encontra como alvo certo apenas Leão XIII, um homem de 130 anos atrás. Essa é uma forma de "ganhar fácil" que não pode convencer: se você sobrepor um papa ao seu homônimo de 130 anos atrás, não ganhará grande coisa.
Para escapar desse potencial redemoinho reducionista gostaria que uma coisa ficasse clara: o novo Papa recém começou a falar. Para evitar prejulgá‑lo, seria útil que todos contextualizassem bem cada discurso e não julgassem ideias pouco compreendidas e proposições avaliadas totalmente fora de contexto. Esse me parece um conselho que vem da simples boa consciência, que todos podem valorizar, sem ter que fazer um ato de fé, exceto talvez em um mínimo grau de confronto direto com as coisas. Que é aquilo com o que, se entendi corretamente, você também sempre se importou.