Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no Vale do Sinos

  • Terça, 6 de Maio de 2014

A Declaração do Milênio é composta de compromissos adotados pelos 191 estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 2000. Os compromissos assumidos são apontados em oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) que devem ser atingidos pelos Estados até 2015. Os objetivos são compostos por metas quantitativas que possibilitam monitorar o desenvolvimento de ações propostas para o cumprimento das metas.

Em junho de 2013, os pesquisadores Prof. MS Salvatore Santagada e Prof. MS Hélios Puig Gonzalez apresentaram, na “Oficina Objetivos do Milênio no Vale do Rio dos Sinos”, realizada no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, dados referentes às metas que compõem os ODMs e a metodologia utilizada  para a construção destes indicadores (o material apresentado nesta atividade está disponível na página do ObservaSinos).

O Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos faz uso dos dados apresentados e relaciona a outros indicadores a fim de explicitar as metas e analisar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio na região do Vale do Rio dos Sinos.

Redução da pobreza

O primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, “Acabar com a fome e a miséria”, tem a renda como indicador para medir a desigualdade. Tendo como meta reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a US$ 1 PPC/dia, é possível constatar, a partir dos dados censitários de 2010, que 20,2% da população residente no estado do Rio Grande do Sul tinha renda inferior a meio salário mínimo. O município de Sapucaia do Sul, no Vale do Sinos, tinha 20% da sua população nesta categoria.
 
Este quadro de realidade que atinge o país, constituiu-se em uma das justificativas para a criação de programas de transferência direta de renda, que foram planejadas a fim de proporcionar um alívio imediato para pessoas e famílias em situação de pobreza. Um deles é o Programa Bolsa Família.

Para receber o benefício da transferência de renda direta, todas as pessoas devem estar cadastradas no Cadastro Único. Este cadastro permite acompanhar a implementação destes programas nos municípios brasileiros e, com isso, monitorar os indicadores da realidade da pobreza, no que se refere à renda.

A partir dos dados do Cadastro Único, foi possível constatar que na região do Vale do Rio dos Sinos, em janeiro de 2014, 98.549 pessoas encontravam-se em situação de pobreza (renda per capita mensal de até R$ 140,00) e 123.858 pessoas estavam em situação de indigência (renda inferior a R$ 70,00).

A garantia de renda possibilita o alcance dos direitos fundamentais à vida, que tem relação com a alimentação, educação, moradia, trabalho, saúde, entre outros. Dessa forma, muitos são os indicadores que possibilitam medir o alcance deste primeiro ODM. Um deles é a taxa de crianças com baixo peso ao nascer.

     

Clique nas imagens para acessar os infográficos

“O baixo peso ao nascer é um dos principais preditores de morbidade e mortalidade neonatal e perinatal, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, pois representa um conjunto de condições desfavoráveis para o recém-nascido, envolvendo desde alterações respiratórias até alterações metabólicas de grave repercussão no pós-parto imediato e prejuízo ao crescimento e desenvolvimento após o nascimento”, explica a nutricionista Ruth Liane Henn.

Dados preliminares de 2013 apontam que do total de 8.243 recém-nascidos vivos no Vale do Sinos, 10,8% tinham baixo peso; no ano anterior o percentual foi de 10%. Estes dados revelam os limites no alcance do primeiro ODM. Faz-se urgente e necessário retomar as políticas implementadas e seus resultados tanto na esfera municipal como nas estaduais e nacional.

Atingir o ensino básico e universal

A meta do 2º ODM consiste em “Garantir que, até 2015, todas as crianças terminem o ensino fundamental”, que envolve os indicadores de percentual de não escolarizados no ensino fundamental, na faixa etária de 7 a 14 anos, e o percentual de não alfabetizados na faixa etária de 15 a 24 anos.

Tendo como referência os dados censitários de 2010, é possível constatar que no estado do Rio Grande do Sul o percentual de jovens não escolarizados no ensino fundamental com idades entre 7 e 14 anos era de 10,5%. Os municípios de Novo Hamburgo e Nova Hartz apresentaram os números mais elevados entre os municípios do Vale do Sinos em, respectivamente, 13,6% e 13,1% das crianças e adolescentes não alfabetizados.

Jovens com 15 anos e com até 24 anos não alfabetizados, no estado, no período de realização do censo em 2010, era de 0,99%. A análise desta realidade no Vale foi ampliada com os dados referentes ao “ensino médio no Vale do Sinos e a taxa de distorção idade-série”. Este tema é  objeto de análise do professor pesquisador Ricardo Ferreira Vitelli, doutorando do programa de pós-graduação em Educação da Unisinos, que constatou, sobre “as taxas de distorção idade-série dos municípios da Região do Vale dos Sinos, é possível destacar que existem diferenças significativas entre as taxas por município. Em 2010, enquanto a taxa em Araricá é de 46,5%, em Ivoti é de 16,1%. Estes resultados mostram que diferentes realidades são comparadas sem que se perceba um maior cuidado com relação a este fato. Diferenças podem estar ligadas a fatores de ordem econômica, cultural ou social que se reflete em resultados nos indicadores, o mesmo fato acontece na comparação de diferentes escolas. Tentar avaliar a qualidade da educação apenas na comparação de resultados ou desempenhos em avaliações em larga escala é utilizar um critério reducionista, pois diferentes realidades interferem nos resultados dos indicadores, principalmente quantitativos”.

Identifica-se que este 2º ODM, assim como o primeiro, aponta necessárias revisões que impactem uma realidade complexa no campo da educação, já que são 3,6 milhões de crianças, no Brasil, que não vão à escola. Este limite determina um conjunto de impedimentos ao desenvolvimento pessoal, familiar, territorial, regional, estadual e mundial.

Igualdade entre os sexos e a autonomia da mulher

Alcançar a igualdade de gênero e a valorização da mulher, o 3º ODM, tem como indicadores o acesso das mulheres à educação, a inserção no mercado de trabalho e a participação em cargos políticos.

Com relação às mulheres no mercado de trabalho, os setores em que há maior presença de mulheres é o de Serviços, onde se situam os profissionais da saúde e educação, e o do Comércio. Mesmo com o aumento da presença das mulheres no mercado formal de trabalho, a remuneração ainda é desigual entre as mulheres e os demais assalariados, como no município de São Leopoldo, em que a diferença chega a 17,8% no ano de 2011.

O mercado formal de trabalho é um dos espaços em que ainda se faz necessária uma intervenção mais direta em relação à desigualdade de gênero. O Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas apresentou, em março deste ano, “A Carta Especial Mulheres no Mercado de Trabalho”, em que é possível constatar, a partir dos dados declarados pelos empregadores, que, em 2012, os homens recebiam em média 5% a mais que o total de vínculos no mercado formal de trabalho enquanto as mulheres percebiam 8% menos.

Em relação à participação das mulheres em cargos políticos, há também uma desproporcionalidade em relação aos homens, mesmo que elas constituam a maioria do eleitorado. Na última eleição municipal, o número de mulheres na Câmara de Vereadores foi pouco expressivo nos municípios do estado e também dos que fazem parte da região do Vale do Sinos. Mesmo com o sistema de cotas de 30% para a ocupação de cargos políticos para mulheres, quatro municípios não elegeram nenhuma vereadora.

Nas áreas do trabalho e da política, estão postas as desigualdades de gênero, que se reproduzem nos outros campos. Esta realidade revela os limites da democracia, que necessitam ser enfrentados nas instituições e nas relações societárias.

Reduzir a mortalidade da infância

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, traz em seu Art. 6º o reconhecimento de que toda criança tem o direito inerente à vida e que os Estados assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. Internacionalmente, porém, o Brasil ocupa o 97º lugar em ranking de mortalidade infantil, no período entre 1980 e 2010, com 16,7 mortes por 1.000 nascidos vivos, segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Conforme relatório de 2012 da UNICEF, a maioria das mortes infantis é atribuída às seguintes condições: sarampo (1%), HIV/AIDS (2%) meningite (2%); ferimentos intrauterinos (5%); malária (7%); diarreia (11%); pneumonia (14%); causas neonatais (58%); além da subnutrição também agravar 30% das mortes infantis no mundo.

Já as principais causas das mortes neonatais são os óbitos fetais, meningite, sépsis, eventos intraparto e complicações com nascimento pré-termo.

A redução da mortalidade infantil no 4º ODM tem como meta reduzir em dois terços, até 2015, a mortalidade de crianças menores de cinco anos. Em 2010, segundo dados do DATASUS/Ministério da Saúde, o estado do Rio Grade do Sul registrou 13,1 óbitos de crianças com menos de cinco anos a cada mil.

O município de Ivoti registrou, no mesmo período, a maior taxa de mortalidade infantil no Vale do Sinos, 28,6 óbitos. Já em números absolutos, São Leopoldo teve o maior número de óbitos de crianças menores de um ano, 45 mortes, conforme consta de infográfico disponibilizado pelo ObservaSinos.

        

Clique nas imagens para acessar os infográficos

Para o enfrentamento a estas realidades, o Governo Federal e os Municípios assumiram uma Agenda de Compromissos dos ODMs, constituída de políticas relacionadas à Atenção Básica  de Saúde e ao Programa Nacional de Imunização, responsável pela cobertura vacinal com a vacina tetravalente (DTP+HIB) em crianças menores de um ano. Estas medidas com certeza impactam a realidade da mortalidade infantil, mas ainda são insuficientes para a garantia à vida do universo de crianças no país, estado e região.

Melhorar a saúde materna

A Organização Panamericana de Saúde indica que o número de casos de óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos deva ser no máximo 20, estando este dado relacionado à saúde da mulher e às condições de realização do parto e pós-parto.

No estado do Rio Grande do Sul, em 2010, a cada 100 mil nascidos vivos ocorreram 76,6 óbitos maternos. No Vale do Rio dos Sinos, no mesmo período e em números absolutos, ocorreram 11 óbitos maternos, o que representa 14% dos óbitos no estado.

A taxa, como indicador de medida deste ODM, aponta que o estado do RS e os municípios de Araricá, Campo Bom, Canoas, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Sapucaia do Sul estão distantes de alcançar a meta de reduzir em 75% a taxa de mortalidade materna entre 1990 e 2015.

Dados de 2011 apontam que no Rio Grande do Sul ocorreram 67 óbitos maternos,e oito destes ocorreram no Vale do Sinos. A análise das realidades que determinam a saúde materna e a sua não garantia é fundamental para a melhoria das condições de vida e, consequentemente, do alcance de melhores patamares do desenvolvimento em cada território e nação.

Combater a AIDS

O 6º Objetivo de Desenvolvimento do Milênio consiste em combater a AIDS, a malária e outras doenças, sendo uma das metas deter a propagação do HIV/AIDS.

No Brasil, a programação e ações interventivas relacionadas a este objetivo estão relacionadas ao HIV/AIDS. Atualmente, estima-se que no país há cerca de 800 mil portadores do vírus. Dados referentes ao ano de 2010 coloca o Rio Grande do Sul no topo da lista entre os estados brasileiros com o maior número de casos. São 37,6 casos a cada 100 mil habitantes, sendo que Porto Alegre é a capital com a maior taxa de incidência: 99,8 casos a cada 100 mil habitantes.

Nos anos de 2010, 2011 e 2012, ocorreram 10.167 notificações de AIDS no estado do Rio Grande do Sul, sendo 1.384 na região do Vale do Sinos, o que corresponde a 14% do total das notificações do estado.

Os municípios com maior número de notificações foram Canoas, com 482, Novo Hamburgo, com 244 e São Leopoldo, com 334, que juntos somam 77% do total de notificações do Corede Vale do Sinos nestes três anos.  

O número de casos de AIDS no Vale do Sinos são altos, embora a quantidade de notificações tenha diminuído em alguns municípios no ano de 2012. As análises destes dados são fundamentais para enfrentar a realidade de fragilização da vida humana com este adoecimento e todas as suas correlações.

Garantir a sustentabilidade ambiental

Uma das metas do 7º ODM de garantia à sustentabilidade ambiental aponta a redução pela metade, até 2015, da proporção da população sem acesso permanente e sustentável à água potável e segura. Para tanto apresenta dois indicadores: a proporção de domicílios sem acesso a uma fonte de água ligada à rede geral e a proporção de domicílios sem acesso à rede geral de esgoto ou pluvial.

Em 2010, a proporção de domicílios sem acesso a uma fonte de água ligada à rede geral era de 14,7% no estado do Rio Grande do Sul. Na região do Vale do Sinos, os municípios de Dois Irmãos, Ivoti e São Leopoldo registram saldo positivo em relação à proporção de domicílios que em 2015 deveriam ter acesso a uma fonte de água ligada à rede geral. O município com menor população da região, Araricá, é o que registra o maior número de residências que não estão ligadas a uma fonte de água ligada à rede geral.

Neste mesmo período identifica-se que no estado do Rio Grande do Sul a proporção dos domicílios sem acesso à rede geral de esgoto ou pluvial era de 51,9%. Os dados censitários de 2010 apontam que oito municípios da região já atingiram a meta traçada para 2015, são eles: Campo Bom, Canoas, Dois Irmãos, Esteio, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Sapucaia do Sul. Apesar disso, existem limites para o alcance desta meta por seis outros municípios. Além disso, correm junto com esta realidade as condições de saneamento do Rio dos Sinos, que recorrentemente experimenta situações de crise.

Figura 1 – Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos e seus 32 municípios. A área rosada representa as áreas urbanas.

Os indicadores do Relatório de Vistoria: MP/RS apontam que 74,89% da população residente nos municípios em torno do Rio dos Sinos necessitam destas águas para viver. Seja pela água que consome, seja por aquilo que devolve ao mesmo rio, em forma de despejos industriais, agropecuários, esgoto e toda a sorte de poluentes. Apresenta-se, com isso, um conjunto de análises e afirmações de políticas públicas garantidoras ambientais do Rio do Sinos, do entorno e das relações sociais, econômicas e políticas com as mesmas.

Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento

O 8º ODM, Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento, possui como metas: avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em regras, previsível e não discriminatório; atender as necessidades especiais dos países menos desenvolvidos e às necessidades especiais dos países sem acesso ao mar e dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento; tratar globalmente o problema da dívida dos países em desenvolvimento, mediante medidas nacionais e internacionais de modo a tornar a sua dívida sustentável em longo prazo; por meio de cooperação com países desenvolvidos, empresas farmacêuticas e setor privado, respectivamente, formular e executar estratégias que permitam que os jovens obtenham um trabalho digno e produtivo; proporcionar o acesso a medicamentos essenciais a preços acessíveis, nos países em vias de desenvolvimento; e tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial das tecnologias de informação e de comunicações.

Neste contexto, uma mediação das relações postas está na informação e tecnologia. Para tanto, faz-se necessário conhecer e analisar o acesso pela população à informação e tecnologia.

Na região do Vale do Sinos, do total de 424.399 domicílios 46,5% possuem microcomputadores, sendo que 34,4% têm acesso à internet.

O acesso ao telefone fixo e celular também é um indicador para medir o acesso à comunicação. Em 2010, no Vale do Sinos, 387.492 domicílios possuíam telefones celulares, o que representa um número bem maior do que aqueles que possuíam telefone fixos, 171.681 aparelhos. Esta diferença é visível em todos os municípios, o número de telefonia móvel supera o de telefonia fixa.

Este conjunto de indicadores da realidade do Vale do Sinos revela que a região realizou movimentos favoráveis ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODMs e, ao mesmo tempo, apresenta ainda limites para o alcance de algumas metas. A análise deste conjunto de informações e conexões pode instrumentalizar o monitoramento e a avaliação das políticas públicas implementadas, que devem se constituir em mediações estratégicas para o desenvolvimento fundado na garantia da vida de sua população.

Por: Marilene Maia, Álvaro Klein Pereira da Silva, Átila Alexius e Thaís da Rosa Alves