Conselhos de políticas públicas e o exercício da democracia no Vale dos Sinos

  • Quinta, 21 de Novembro de 2019

Na Constituição Brasileira de 1988 foram apresentados os conselhos como instâncias privilegiadas de participação da sociedade na deliberação e no controle social dos direitos e das políticas públicas. Esta experiência de 31 anos amplia a experiência da democracia representativa para a democracia participativa nas esferas federal, estaduais e municipais. Inúmeros conselhos foram criados, com impactos diversos na formação e no exercício político da população e das organizações brasileiras.

O fortalecimento destes conselhos é meio para garantir a premissa constitucional do art. 1: todo poder emana do povo. Os conselhos são ferramentas para que a cidadania não seja somente um direito, mas uma realidade, para que ocorra um fortalecimento na participação democrática da população nos debates de formulação e implementação de políticas públicas.

Os Conselhos de Políticas Públicas são considerados órgãos colegiados, ou seja, uma organização onde a tomada de decisão é exercida por mais de um membro, e o poder de todos os constituintes possui igual valor. Por isso, grande parte dos conselhos são constituídos com representações do Estado e da sociedade civil, sendo elas, organizações dos trabalhadores e da população usuária da política.

Apesar desta história e conquistas, foi instituído em abril de 2019 o Decreto Federal 9.759, que estabelece a extinção de colegiados da administração pública federal e, entre eles, alguns conselhos de direitos e de políticas. Em meio aos questionamentos dessa medida, naquilo que ameaça os avanços democráticos, compreende-se necessário conhecer e analisar a presença dos conselhos no Brasil e na região do Vale do Sinos.  Algumas perguntas recorrentes se fizeram: Os conselhos vão sobreviver? Como sobreviver à desconstituição dos conselhos?

Estas questões ganharam envergadura e pautaram a promoção do Seminário Regional promovido pelo Fórum Municipal de Conselhos e Prefeitura de São Leopoldo e pelo Observatório das realidades e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - Observasinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Para subsidiar o debate o Observasinos coletou e sistematizou dados a partir de estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, assim como dos sítios das prefeituras dos municípios do Vale dos Sinos, onde foram acessadas informações dos conselhos, suas funções e ações.

Os Conselhos no Brasil

O Brasil apresenta em seu histórico a criação de 40 conselhos entre os anos de 1911 e 2017, sendo 28 ou 70% destes formados após a Constituição de 1988.

InfográficoNúmero de Conselhos Nacionais de Políticas Públicas por ano de criação (2016)

Observou-se que 6% dos municípios brasileiros possuem conselhos da juventude. Os Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa, de Cultura e de Meio Ambiente estão presentes em mais de 50% de nossos municípios; outros como de Segurança Alimentar, de Direitos da Pessoa com Deficiência e de Direitos da Mulher são criados num ritmo crescente e já ultrapassa 30% de municípios, o que evidencia a abrangência e o potencial destas instâncias de participação.

InfográficoTabela de Conselhos Nacionais de Políticas Públicas por ano de criação (2016)

Nota-se que 40% ou 16 dos 40 conselhos nacionais foram criados através do mecanismo normativo de lei, seguido por 35% ou 14 colegiados criados por meio de decretos, 6 ou 15% formados por medidas provisórias, e 4 ou 10% concebidos ou por portaria ou por Decreto-Lei.

InfográficoNúmero e porcentagem de conselhos por espécie normativa de criação (2016)

Na época do estudo, os pesquisadores do IPEA também classificaram os conselhos por vinculação. Desta sistematização pode-se verificar a diminuição de 23% no número de órgãos vinculados aos colegiados. Em termos absolutos, os conselhos se vinculavam a 22 órgãos em 2013, passando para 19 em 2015 e 17 em 2016. Esta movimentação foi ocasionada exclusivamente pela Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 2016, onde extingue vários órgãos federais, especialmente Ministérios. Segue alguns trechos do estudo que aprofundam as consequências desta medida:

“Sobre as alterações ocorridas ao longo desse período (2013 a 2016), pode-se destacar que em 2015 foram extintos cinco órgãos: Ministério da Pesca e Aquicultura, Ministério da Previdência Social, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Enquanto isso, dois órgãos foram modificados: Ministério do Trabalho e Emprego, que virou Ministério do Trabalho e Previdência Social; e Secretaria-Geral da Presidência da República, alterada para Secretaria de Governo da Presidência da República. No entanto, quinze órgãos permaneceram inalterados: Controladoria-Geral da União, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Cultura, Ministério da Educação, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Ministério das Cidades, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério do Esporte, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Turismo, Presidência da República e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

Em 2016,4 foram extintos três órgãos: Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos; Ministério do Desenvolvimento Agrário; e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Cinco órgãos foram transformados: Controladoria-Geral da União em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações; Ministério da Justiça em Ministério da Justiça e Cidadania; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; e Ministério do Trabalho e Previdência Social em Ministério do Trabalho (Brasil, 2016). ”

InfográficoNúmero e porcentagem de conselhos por vinculação (2016)

Concernente as atribuições dos conselhos, pode-se elencar suas ações como consultiva, propositiva, deliberativa, normativa, ações de orientação e de assessoramento. Os colegiados não precisam necessariamente seguir apenas um modo de agir, é possível adotar uma metodologia híbrida entre as diferentes possibilidades de atribuições. Assim, observa-se que 55% destes órgãos possuem caráter único, 28% com caráter múltiplo e 17% não apresentaram informações a respeito desta categoria de análise.

InfográficoNúmero de conselhos segundo suas atribuições (2016)

A Sociedade Civil compõe 22 dos 40 conselhos nacionais (55%), o Poder Público está presente em 6 (15%) e 12 possuem composição equânime.

InfográficoNúmero de conselhos por participação da Sociedade Civil e Poder Público (2016)

502 entidades não governamentais (titulares e suplentes) foram levantadas em 2016 pelo estudo do IPEA como participantes dos colegiados. Eram 440 entidades em 2007, isto é, houve um aumento de 14% em nove anos. Do valor total contabilizado em 2016, 118 estavam presentes em mais de um colegiado e 384 participavam apenas de um conselho. Se realocados estas entidades pelo tema no qual elas representam, nota-se que 37% delas estão relacionadas a assuntos sobre desenvolvimento e defesa de direitos, 12% são instituições privadas sem fins lucrativos e 11% classificados como partidos políticos, sindicatos, associações patronais e profissionais

InfográficoNúmero e porcentagem das entidades titulares e suplentes por tema (2016)

Outra pesquisa realizada pelo IPEA em 2013 intitulada “Conselhos Nacionais: perfil e atuação dos conselheiros” extrai algumas informações importantes a partir de uma amostra de 21 dos 40 conselhos nacionais, além de três comissões. São eles: Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Conselho Nacional de Assistência Social, Conselho Nacional de Combate à Discriminação, Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Conselho Nacional de Economia Solidária, Conselho Nacional de Política Cultural, Comissão Nacional de Desenvolvimento dos Povos e Comunidades Tradicionais, Comissão Nacional de Política Indigenista, Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Nacional da Previdência Social, Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Turismo, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca, Conselho Nacional de Segurança Pública, Conselho das Cidades, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, Conselho Nacional de Juventude e Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Estes órgãos foram classificados em quatro grandes temas: 

1- Políticas Sociais;

2- Garantia de direitos;

3- Desenvolvimento econômico;

4- Estrutura e Recursos Naturais

Dentre as informações produzidas a partir da aplicação de um questionário para 767 conselheiros, o estudo aponta as principais frentes tomadas pelos conselhos, sendo a primeira delas a representatividade num contexto democrático, seguida de sua capacidade de incidência, estrutura organizacional, capacidade de gerar qualidade nas discussões, potencialização de articulações e fortalecimento da democracia.

InfográficoAtuação dos conselhos nacionais (2013)

Em relação ao perfil socioeconômico dos membros dos conselhos, o estudo mostra que 62,9% dos colegiados eram compostos por homens. O destaque vai para os órgãos vinculados ao desenvolvimento econômico que apresentavam uma composição de apenas 26,1% de conselheiros do sexo feminino e 73,9% do sexo masculino. Por outro lado, os conselhos voltados à garantia dos direitos humanos registraram maior representação feminina (54,4%).

InfográficoDistribuição dos conselheiros por sexo a partir da área temática do conselho (2013)

Ademais, o estudo aponta a predominância de pessoas brancas nos conselhos, chegando a representar 77,5% do total de membros em colegiados que debatem assuntos sobre infraestrutura e recursos naturais. Em contrapartida, a população amarela e indígena possui o menor índice representativo nos conselhos: 1,2% e 3,2%, respectivamente.

InfográficoDistribuição dos conselheiros por cora partir da área temática do conselho (2013)

A escolaridade dos conselheiros revela uma qualificação deles e certa hierarquização do debate. Observa-se que 55% dos membros possuíam pós-graduação, 27% com ensino superior completo e 7% com superior incompleto.

InfográficoEscolaridade dos conselheiros (2013)

Por fim, os pesquisadores elaboraram um mapa de georreferenciamento dos conselheiros por município. Percebe-se que as municipalidades da região Centro-Oeste e Sudeste possuem maior número de membros dos conselhos nacionais de Políticas Públicas.

InfográficoDistribuições dos conselheiros nacionais por município (2013)

Os Conselhos no Vale dos Sinos

Os conselhos necessitam ser criados por leis e, por isso, estas legislações necessitam compor as leis orgânicas de cada município. A pesquisa realizada foi junto às leis orgânicas dos municípios do Vale do Sinos. Se somados todos os municípios da região, há 288 conselhos nomeados. Estas unidades representativas podem ser classificadas pelos seguintes temas: educação, moradia, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade, infância, assistência aos desemparados, alimentação, transporte, saúde, trabalho, ambiente e desenvolvimento econômico e urbano

Abaixo está o mapa com as catorze municipalidades e seus respectivos colegiados. Estância Velha recebe destaque por apresentar 34 conselhos reconhecidos. Esteio, em seguida, apresenta um registro de 30 órgãos colegiados. Em contrapartida, foram identificados apenas 8 conselhos em Nova Santa Rita e 7 em Nova Hartz.

Mapa dos conselhos municipais do Vale dos Sinos

Seminário Regional discutiu o futuro dos conselhos municipais

O Seminário Regional dos Conselhos Municipais convidou a todos os interessados para debater sobre o futuro dos conselhos, seus enfrentamentos, perspectivas e desdobramentos na quarta-feira dia 13 de novembro. O evento contou com a realização do Observasinos, da Prefeitura e do Fórum Municipal dos Conselhos de São Leopoldo. 

As conversas foram guiadas a partir de três falas. A primeira, ministrada pela Profa. Dra. Marilene Maia, trouxe para o debate a importância de (re)pensar conceitos sobre democracia, república e a história de construção dos conselhos.  

À luz de estudiosos do tema, foi debatido sobre democracia a partir da seguinte citação:

“A democracia é antes de tudo, a supremacia da pessoa humana como valor. O DEMOS aí é o conjunto de seres humanos, pela razão de que, se eu falar em pessoa humana, eu falo de convivência necessariamente. 

Então, democracia é um sistema de convivência em que o ser humano faz primeiro, a partir de seus valores, algumas exigências que são essenciais: [...] Uma delas é que seja uma convivência de pessoas livres. [...] A segunda exigência é que ocorra a efetiva igualdade [...] igualdade como valor, no sentido de que qualquer pessoa, por qualquer razão, não vale mais do que outra [...]. Uma terceira exigência, além dessa liberdade e dessa igualdade, é o poder de decisão sobre as regras de convivência. (DALLARI, 2003, citado por VIOLA, 2008, p. 179)”.

A República, segundo Maurizio Viroli, é "res publica": algo que pertence ao povo quando organizado em uma comunidade política que tem por fundamento a observância da justiça, a comunhão de interesses e a definição dos modos de agregação e uso do bem público.

Por fim, a importância dos conselhos foi debatida a partir da concepção de Maria da Gloria Gohn que observou que, “na modernidade, os conselhos irrompem em épocas de crises políticas e institucionais, conflitando com as organizações de caráter mais tradicionais. Os conselhos operários e os populares, em geral, rejeitavam a lógica do capitalismo; buscavam outras formas de poder, autônomo, descentralizado, com autonomia e autodeterminação ”.

Os dados das realidades dos conselhos nacionais, a partir do estudo do IPEA, foram apresentados pelo estudante de economia Guilherme Tenher, também membro do Observatório.

Já o momento seguinte do evento foi conduzido pela médica Nara Monte Arruda do Programa Mais Médicos, com atuação no município neste momento e com participação do Conselho Nacional de Saúde. Apresentou as experiências exitosas do conselho como agente político garantidor da saúde da população, assim como os desafios impostos por políticas que são contrárias a esta participação. Destacou a importância das conferências municipais, estaduais e municipais das políticas como grandes arenas para a deliberação e controle social.

Adeus, participação social

Este emblemático título da reportagem de Maíra Mathias, republicada em abril deste ano pela Revista IHU Online esclarece as consequências de um Decreto 9.759 de Bolsonaro no qual promove a extinção de centenas de conselhos, colocando em xeque a atuação da sociedade civil nas políticas públicas.

“Aos poucos, os especialistas foram dando seu parecer e, por enquanto, todo conselho criado por lei está a salvo – caso do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Educação, por exemplo. Além disso, a participação da comunidade no SUS está prevista pela Constituição. Mas restam certas ambiguidades e, por isso, é preciso ficar alerta. O CNS foi criado por lei, num longínquo 1937. Mas foi um decreto de 2006 que desenhou a composição atual e instituiu como deve ser a eleição do colegiado. A luta, divulgou o CNS, é pela revogação do decreto. ”

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