O próximo papa: um pedido de mudança. Artigo de George Weigel

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

11 Julho 2020

O biógrafo de João Paulo II acredita que o catolicismo na Europa ocidental está moribundo. Segundo ele, enquanto outras comunidades cristãs com um claro senso de identidade moral florescem, somente um papa que ofereça clareza doutrinal tornará a fé convincente.

O texto abaixo é um excerto adaptado do livro “The Next Pope: The Office of Peter and a Church in Mission” [O próximo papa: o ofício de Pedro e uma Igreja em missão], de autoria de George Weigel, publicado nesta semana pela Ignatius Press.

“O próximo papa: o ofício de Pedro e uma Igreja em missão”, novo livro de George Weigel. (Foto: Divulgação)

Weigel é pesquisador do Centro de Ética e Política Pública de Washington, onde ocupa a cátedra William E. Simon de Estudos Católicos.

O artigo é publicado por The Tablet, 09-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

Em João 8,31-32, o Senhor Jesus proclama que aqueles que “permanecerem” em sua palavra “conhecerão a verdade, e a verdade vos libertará”.

Assim, o próximo papa deve entender que a doutrina é libertadora, e que o catolicismo pode e deve ser uma Igreja centrada em Cristo e com clareza doutrinal e uma Igreja centrada em Cristo que manifesta a misericórdia divina. Esse entendimento o ajudará, e ajudará a Igreja que ele lidera, a lidar com um fato sociológico básico em torno da conjuntura cristã hoje.

Parece haver um tipo de lei de ferro embutida na relação entre o cristianismo e a modernidade (e a modernidade tardia e a pós-modernidade, e provavelmente aquilo que vier depois da pós-modernidade): comunidades cristãs que têm um claro senso de identidade doutrinal e moral podem sobreviver, e até mesmo florescer, frente aos desafios postos pela cultura contemporânea; comunidades cristãs cujo senso de identidade se enfraquece e cujos limites se tornam porosos murcham – e algumas morrem.

Essa lei de ferro foi demonstrada pela primeira vez entre as várias formas de protestantismo liberal em todo o mundo. As denominações protestantes liberais que começaram a abandonar a clareza doutrinal no século XIX e a clareza moral no século XX estão morrendo – por toda a parte. A parte do protestantismo em todo o mundo que está crescendo é evangélica, pentecostal ou fundamentalista.

E, embora existam grandes diferenças na sensibilidade teológica e no método pastoral entre os protestantes evangélicos, pentecostais e fundamentalistas protestantes, cada uma dessas formas de cristianismo exibe clareza de ensino e fortes expectativas morais.

A lei de ferro também se aplica ao catolicismo mundial. Existe uma forte correlação entre o colapso da crença e da prática católicas na Europa ocidental e a contínua tentativa lá de fazer com que o “Catholic Lite” – um catolicismo [light] de convicções indeterminadas e limites de comportamento porosos – funcione como um método pastoral do século XXI.

Esse fenômeno é mais evidente nos países de língua alemã da Europa, mas não se confina ali. O “catolicismo light” é um fracasso evangélico e pastoral na Europa ocidental, assim como é um fracasso evangélico e pastoral na América do Norte, na América Latina, na Austrália e na Nova Zelândia.

Em contraste, as partes vivas e vibrantes da Igreja mundial na terceira década do século XXI são aquelas que fizeram da proclamação do Evangelho a sua prioridade; que ensinam a fé católica na íntegra, com imaginação e compaixão; e que oferecem aos católicos caídos, aos protestantes insatisfeitos e aos não crentes um modo de vida reformado e mais satisfatório, enraizado na amizade com o Senhor Jesus Cristo.

Isso é obviamente mais verdadeiro nas novas Igrejas locais da África subsaariana. Isso também se aplica à parte crescente da Igreja na América do Norte. E é verdade naqueles brotos de nova vida cristã que estão surgindo no solo duro e secularizado da Europa.

Essa verdade básica sobre a vida católica do século XXI – o catolicismo-na-íntegra [Catholicism-in-full] é atraente e convincente; o “catolicismo light” está moribundo – também se estende por várias instituições católicas. É o caso de paróquias, dioceses, comunidades religiosas, seminários e movimentos de renovação leigos. Talvez o exemplo mais dramático se encontre em comunidades de religiosas no Ocidente.

Lá, as comunidades que abandonaram o hábito religioso e um modo de vida distinto, e cujos membros regularmente discordam dos ensinamentos oficiais da Igreja, estão morrendo; aquelas que adotaram a reforma da vida religiosa exigida pelo Concílio Vaticano II no decreto Perfectae caritatis, como interpretado com autoridade pelo Papa João Paulo II na exortação apostólica Vita consecrata, de 1996, estão crescendo – mesmo enquanto a sociedade disponibiliza cada vez mais oportunidades de serviço e liderança para as mulheres. Os movimentos de renovação leigos na Igreja seguem um padrão semelhante: aqueles que floresceram nas últimas décadas adotaram o catolicismo-na-íntegra.

O fato de o catolicismo-na-íntegra atrair também é demonstrado pelo surpreendente fato de que, nos Estados Unidos, o recrutamento dos seminários não entrou em colapso sob a pressão do escândalo dos abusos sexuais clericais. Um jovem que está discernindo uma vocação presbiteral hoje não está apenas considerando um modo desafiador de viver a sua fé católica, mas também está assumindo um grande risco de opróbrio social.

No entanto, nos EUA, os seminários do século XXI estão povoados por jovens que desejam abraçar o Evangelho na íntegra e que não têm interesse no “catolicismo light”.

O catolicismo-na-íntegra não coloca o “Evangelho” contra a “doutrina”. Esse é um movimento “protestantizador” que causou graves danos à identidade cristã e ao testemunho de muitas comunidades cristãs nascidas das Reformas do século XVI.

O catolicismo-na-íntegra reconhece que a proclamação básica do Evangelho – “Jesus é Senhor” – foi desenvolvida intelectualmente por um movimento liderado pelo Espírito dentro da Igreja, que produziu os credos da Igreja e as suas declarações dogmáticas definidoras.

O catolicismo-na-íntegra também reconhece que, sob a mesma inspiração divina, o entendimento da Igreja sobre as verdades que tornam a Igreja quem ela é se desenvolve ao longo do tempo – sempre em continuidade com aquilo que foi transmitido no passado.

Assim, o catolicismo-na-íntegra emprega tanto o Evangelho quanto a doutrina na evangelização e no ministério pastoral, acreditando que a verdade completa da fé católica é realmente libertadora no sentido mais profundo da liberdade humana.

Os fracassos do “catolicismo light” já se manifestam há algum tempo, e é preciso um tipo especial de arrogância, ou simplesmente de teimosia, para não enfrentar os fatos empíricos da situação católica contemporânea. O “catolicismo light” pode ter a capacidade de manter as instituições católicas existentes ainda por um tempo; o “catolicismo light” não demonstrou nenhuma capacidade de fazer crescer essas instituições ou, mais importante, de transformá-las em plataformas de evangelização e de missão.

Isso sugere que, em um futuro não muito distante, o “catolicismo light” levará ao “catolicismo zero”, ou a algo que se assemelha notavelmente ao “catolicismo zero” – um catolicismo que perdeu qualquer capacidade séria de missão ou de testemunho público.

Exemplos disso podem ser encontrados na Europa e na América do Norte, em culturas e sociedades católicas outrora vibrantes, como as do Quebec, Espanha, Portugal e Irlanda.

Essas sociedades são agora apropriadamente descritas como “pós-cristãs”. E, em vários casos, o “pós-cristianismo” está rapidamente decaindo em “anticristianismo”, no qual a Igreja é incapaz de montar qualquer defesa dos inocentes contra a cultura da morte ou de responder à propaganda anticristã na política, na cultura e na mídia que busca expulsar a Igreja da vida pública.

Para repetir e resumir: não há nenhum exemplo, em nenhum lugar do mundo, do “catolicismo light” cumprindo a sua promessa de “relevância”. Onde o “catolicismo light” infectou as Igrejas locais, o fervor evangélico diminuiu, assim como a capacidade católica de moldar as sociedades humanas. Essas situações são algumas vezes descritas, e por clérigos do alto escalão, como uma “emergência pastoral” para a qual se prescreve ainda mais “catolicismo light”, e ainda mais “light”.

A lei de ferro do cristianismo e da modernidade sugere um diagnóstico e uma prescrição alternativos. A “emergência” é um colapso da fé profunda de que Jesus é o Senhor, o que levou ao fracasso em proclamar o Evangelho. O remédio é um vibrante catolicismo-na-íntegra que ofereça a amizade com Jesus Cristo e a incorporação na comunhão dos seus amigos como um caminho para a felicidade e a realização – e a salvação – humanas. O próximo papa deve conhecer essas verdades e liderar a Igreja à luz delas.

Apesar das caricaturas, no entanto, o catolicismo-na-íntegra não é um reavivamento do jansenismo ou de outras formas de rigorismo moral na Igreja. As partes vibrantes e vivas da Igreja mundial não são aquelas que reservam o aperto de mão da amizade aos já perfeitos. As partes vivas da Igreja no mundo são aquelas que oferecem a amizade com Jesus Cristo àqueles que são pegos na adoração de deuses falsos, sejam eles os deuses que aterrorizam os povos indígenas ou, no Ocidente, o falso deus do Eu autônomo imperial – o falso deus “Eu”.

As partes vivas da Igreja no mundo são as que oferecem a misericórdia e também a verdade, embora reconheçam que a coisa mais misericordiosa que um cristão pode fazer pelo sofrimento ou pelas almas perdidas é lhes oferecer a verdade: de que, em Jesus Cristo, encontramos o rosto do Pai misericordioso e a verdade sobre nós mesmos – o Pai que acolhe os pródigos em casa quando eles reconhecem que desperdiçaram a sua dignidade humana e a verdade de que essa dignidade é magnificada em Cristo.

Quando um papa manifesta o poder da divina misericórdia em sua própria vida, ele capacita o povo da Igreja a ser agente dessa misericórdia no mundo. O próximo papa deve viver e ensinar de tal forma que a relação entre misericórdia e verdade fique clara, e deve viver e ensinar de tal forma que a misericórdia (que o mundo frequentemente confunde com o esquecimento terapêutico ) não se transforme em sentimentalismo. A misericórdia divina é purificadora e reconfortante, e o que pode parecer reconfortante não será verdadeiramente reconfortante ao longo do tempo se for desvinculado da purificação.

O crescimento da vida cristã é um processo vitalício para todos. A lição envolve tanto a verdade quanto a misericórdia. Os católicos aprendem essa lição a partir da vida dos santos, começando pelo próprio Pedro. O próximo papa deve ensinar essa lição a uma Igreja às vezes confusa sobre a relação íntima entre misericórdia e verdade, e deve evidenciar o significado da lição no seu próprio testemunho de autoesvaziamento a Cristo.

 

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

O próximo papa: um pedido de mudança. Artigo de George Weigel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU