“A educação é a base da ecologia integral e nos apresenta o futuro, que deve ser sustentável e inclusivo”, afirma Cardeal Barreto

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03 Julho 2020

Em 18 de junho, iniciou-se uma série de debates que tem como base comum de reflexão o tema "Do Direito à Água ao Direito à Esperança", organizado pelo Instituto de Diálogo Global e Cultura do Encontro e pela Rede Eclesial Pan-Amazónica - REPAM, com o apoio de instituições aliadas. Nesta quinta-feira, 2 de julho, a reflexão enfocou o tema da Educação Integral e Ecologia na construção de um futuro sustentável e inclusivo, com a participação de representantes do mundo universitário, político e eclesial.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

Luis Liberman, fundador e diretor do Instituto de Diálogo Global e Cultura do Encontro, vê como fundamental um sistema educacional que gera conscientização sobre o uso da água, insistindo que "educar debe estar em primeiro lugar e educar é o que faz o futuro". Ele destaca a importância de Laudato Si', que ele vê como "um documento crítico da ordem das coisas, sobretudo apontando fortemente para um modelo predatório e extrativo que coloca em risco a vida do planeta", mas também vê a encíclica como um documento inspirador, que "nos oferece um conjunto de opções, propostas e desafios para entender a relação entre o homem e o planeta", que Liberman vê como uma relação concorrente.

Em suas palavras, ele se referiu ao nascimento no último dia 29 da Conferência Eclesial da Amazônia, que "estabelece os mandatos do Sínodo e trata de maneira particular dos problemas dos povos originários", e que define como "um verdadeiro laboratório para o mundo". Liberman destaca as lutas ancestrais dos povos, que nos guiam no desafio educacional de trazer as mudanças que precisamos. 

Portanto, é necessário destacar a importância da educação no processo de construção de um futuro sustentável, inclusivo e respeitoso dos direitos humanos, algo que Gabriela Sacco insistia. As pessoas devem reconhecer que seus valores políticos, econômicos, culturais, sociais e religiosos e as decisões que tomam afetam a maneira como as pessoas vivem, se relacionam e como os recursos são usados no planeta, o que torna necessária a transição em direção a sistemas verdadeiramente inclusivos que protejam nossa casa comum.

O cardeal Pedro Barreto, vice-presidente da REPAM, afirmou que "a educação é a base da ecologia integral e nos apresenta o futuro, que deve ser sustentável e inclusivo". Por isso, é necessário levar em consideração que somos chamados a articular reflexão e ação na perspectiva de Laudato Si', segundo o cardeal, que defende que o direito à água implica também o direito à esperança, uma vez que a água é um dom de Deus, é essencial para a vida e um fator comum das três colunas do desenvolvimento sustentável e inclusivo: o econômico, o social e o ambiental.

Nesse sentido, ele defende que a água tem um bem triplo: social, sem água não somos pessoas, econômico, é necessária para a produção de outros bens, e ambiental, ligado à sustentabilidade de nossa casa comum. Isso é algo ameaçado pela mudança climática, que requer passar da reflexão para a ação. Barreto enfatiza que o cuidado com a água é responsabilidade de todos, é um dom fundamental da Criação de Deus, destinado a satisfazer as necessidades de nossas vidas. O arcebispo de Huancayo, Peru, insistiu que temos muito o que fazer para que a quantidade e a qualidade da água cheguem a todas as pessoas, que exigem uma necessidade urgente de uma atitude solidária com aqueles que não têm água, especialmente neste período de pandemia.

A responsabilidade moral em relação à crise ecológica está presente na Igreja há 30 anos, quando João Paulo II falou de uma necessidade ética, moral urgente, de uma nova solidariedade, que também requer uma nova educação para a ecologia integral, algo que pega o Papa Francisco em Laudato Si'. Barreto ressalta que a encíclica do Papa Francisco nos chama para cuidar da Amazônia, que se materializou com a realização do Sínodo para a Amazônia, algo que deu um passo adiante com a Conferência Eclesial da Amazônia, que tem "a participação ativa e protagonista de nossos irmãos e irmãs indígenas da Amazônia”.

(Imagem: Luis Miguel Modino)

O vice-presidente da REPAM define a Amazônia como "a experiência da água, é a água em abundância", afirmando que a natureza está nos chamando a nos unir e convergir, seguindo o exemplo dos mais de 1.800 afluentes do rio Amazonas, para unir esforços no campo da educação, que é a base da ecologia integral. Barreto vê a criação de uma cidadania ecológica como uma vocação, algo afirmado em Laudato Si', porque se há algo urgente, é “educar para esse humanismo integral, no respeito à vida, como um presente de Deus, no respeito à natureza, nosso ambiente natural, mas também no respeito de outras pessoas”. A partir daí, ele vê a educação como uma emergência, e deve ser abrangente, porque "as informações técnicas e científicas não são suficientes para educar as pessoas responsáveis em suas famílias e em todos os níveis da sociedade".

Referindo-se aos sonhos do Papa Francisco na Querida Amazônia, Pedro Barreto fala do sonho social, buscando que a água nos una no compromisso de formar uma sociedade mais justa, onde os direitos sejam respeitados e onde também seja necessário o cumprimento dos deveres. O sonho cultural, o respeito pelas culturas, temos que aprender um com o outro. O sonho ecológico, cuidar de nossa terra e colocar como base fundamental da economia, educação, política e também da Igreja, essa luta frontal contra as mudanças climáticas, causadas pela irresponsabilidade humana e pela extração irracional de recursos natural. O sonho eclesial, uma Igreja próxima e inculturada.

Na reflexão sobre esse tema, o mundo universitário tem um papel fundamental, algo manifestado na presença das universidades de Rosário (Argentina), a Universidade Javeriana de Bogotá (Colômbia), Bolonha (Itália) e Notre Dame (Estados Unidos). Diante de um futuro social que antecipa a queda da economia e ameaça que em algumas regiões da América Latina, 40% da população seja afetada pela pobreza, Pedro Romero, da Universidade Nacional de Rosário, destaca que a pandemia deixou o ensino de que as emergências precisam de conhecimento, compromissos coletivos, tempo para enfrentá-las e uma direção para avançar.

Nessa situação, Romero defende a necessidade de 5 pontos para trabalhar por 10 anos, o que deve levar a um novo dispositivo, articular os atores no território, assumir definitivamente uma diversificação dos destinatários e infraestrutura educacional. Esses elementos exigem a necessidade de construir uma nova ecologia cognitiva para crianças e jovens. Podemos dizer que, quando se fala em direito à água, enfrentamos um problema ecológico, mas fundamentalmente ético, segundo Juan Fernando Álvarez Rodríguez, da Universidade Javeriana de Bogotá, algo que é especialmente relevante este ano, no quinto aniversário da três elementos fundamentais nesse campo, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Acordo de Paris e a encíclica Laudato Si'. O professor colombiano defende que as comunidades devem ser os reguladores legítimos da gestão da água, a necessidade de incorporar formas de avaliação de patrimônio localmente, relatando em sua intervenção diferentes exemplos de conscientização e comprometimento das comunidades, uma vez que as autoridades locais elas podem fazer a diferença.

Nos últimos anos, a Universidade de Bolonha empreendeu ações concretas relacionadas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Representando a universidade italiana, Rafael Lozano, insistiu na importância da pessoa e do desenvolvimento humano no campo da sustentabilidade. A partir daí, é necessário criar ações e orçamentos para implementar esses fatores no campo da formação, para conscientizar a dimensão ecológica e o humanismo. Isso foi traduzido em ações concretas, como a criação de um multicampus sustentável, que afeta os hábitos da comunidade universitária, promovendo uma comunidade cada vez mais verde e com comportamento mais responsável, com base no princípio de que o futuro está sendo construído agora.

(Foto: Luis Miguel Modino)

Não podemos ignorar que o compromisso social é a base de qualquer sistema de formação, diz Lozano, que relatou algumas das ações que estão sendo realizadas na Universidade de Bolonha, como as chamadas oficinas verdes, o gesto concreto de limpeza de 100 km de praia, conferências de conscientização, uso de bicicletas como sistema de mobilidade ou universidade sem plástico. Esses são problemas presentes nos chamados países desenvolvidos, porque, como afirmou Jennifer McAward, da Universidade de Notre Dame, o problema da poluição e da falta de água nos Estados Unidos é algo presente, que afeta os mais pobres. A professora sustenta que a exploração da natureza leva à negação dos direitos humanos, o que faz com que as instituições de ensino tenham um papel fundamental no direito à água. Nesse sentido, as universidades católicas, aplicando os princípios de Laudato Si' e Querida Amazônia, são desafiadas a educar seus alunos a defender os direitos da água, porque defender a água é uma questão moral.

O secretário executivo da REPAM, Mauricio López, partiu da necessidade de romper com a maneira tradicional de conhecimento para entender que somos água, a partir de uma abordagem de Mistério. Ele afirma que falamos de ecologia integral para repetir o que sempre foi dito, precisamos recuperar a ruptura epistemológica, para superar a hiperespecialização. A partir do pensamento de Theilard de Chardin, ele defende a inter-relação das partes, que dá sentido ao todo. Diante da pandemia, Mauricio afirma que nossos limites e nossa fragilidade nos são apresentados e somos convidados a encontrar novos caminhos.

Em sua reflexão, o secretário executivo da REPAM pede reflexão sobre alguns elementos, como a concepção ocidental dominante de espaço, centrista e universalista, não há espaço para a diversidade, para o rosto cultural; uma concepção de tempo linear, focada no presente, que nos leva a não descobrir os limites planetários, pelos quais somos responsáveis, por usarmos os recursos naturais, também a água, como se não tivesse limites, o que exige abraçar a visão dos povos originários, mais circular; uma concepção analítica em vez de holística, que exige estudos interdisciplinares; uma concepção das relações humanas em termos de dominação.

No campo da educação ambiental para a conversão do sujeito, Mauricio López destaca a importância da metanoia, de uma conversão radical do coração, de uma ruptura interna, sabendo que tenho que mudar; da alteridade, que sou pessoa apenas no mistério do encontro, de nos perguntar se temos a capacidade de ver a irmã mãe terra, e nela a água, como a outra, que deve levar a descobrir uma relação de co-dependência; discernimento, as causas estruturais da desigualdade; finalmente parrhesia, a palavra profética, os caminhos da denúncia genuína e legítima.

Também abordou a questão da educação para a mudança existencial, uma vez que perdemos o senso de valores universais, como a água ou uma vida digna, que contradizem a ideia de sujeito e indivíduo. Refletir sobre escatologia e presenteísmo, relativismo versus tradicionalismo. Isso deve nos levar a apostar em outro estilo de vida, onde a educação ambiental é fundamental. Juntamente, superar a dicotomia entre os seres humanos e o meio ambiente, refletir sobre os conceitos de alegria e paz, sobre a capacidade de um olhar contemplativo e ao mesmo tempo profético. Refletir sobre os conceitos de amor civil e político, mudar as estruturas de uma noção de amor.

A sociedade vive uma disputa entre ética e política, segundo Alberto Sileoni, ex-ministro da Educação da Argentina, que defende que o conceito de direito pressupõe o conceito de igualdade, algo que algumas ideologias políticas não acreditam. Nesta perspectiva, o acesso à água está relacionado a situações de desigualdade, também em países com grande capacidade econômica. Mas também devemos estar cientes, segundo Silenoi, de que "os direitos existem apenas se puderem ser exercidos", porque em muitos países há uma distância entre a letra e a realidade. Portanto, a importância do estado, que deve garantir os direitos, não o mercado. Nesta perspectiva, ele defende que a educação tem muito a dizer, por meio dela a sociedade define o que deseja transmitir às novas gerações.

O ex-ministro argentino sustenta que, por meio dos educadores, a condição humana fala, a escola precisa propor coisas diferentes à sociedade, outros modelos. A partir daí, ele afirma que se não é entendido, não é amado, se não é amado, não é ensinado. Por essa razão, diz claramente não às ideologias do mercado absoluto, porque elas promovem a intemperie social, algo que é ainda mais explícito neste momento de pandemia, do qual os setores carentes vão sair indefesos. Por esse motivo, Silonei afirma que o ensino de valores exige persistência, continuidade, muita convicção, algo que não é fácil, mas a esperança advém do fato de que estão sendo tomadas medidas nos direitos das mulheres, da natureza, dos povos originários. Não podemos esquecer, como destacou Luis Liberman, seguindo as palavras do Papa Francisco, que "talvez o desafio para os educadores seja semear bondade e beleza em um mundo que precisa".

 

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