16 Mai 2025
"É verdade que, sobretudo neste momento, os desafios globais são enormes e complexos. Além disso, a reforma da Igreja Católica, insistentemente querida por Francisco, caminha a passos lentos. Em todos os cantos do mundo há muita resistência a mudanças eclesiais e sociais que vão além da aparência", escreve Vitor Hugo Mendes, em artigo enviado ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, 15-05-2025.
Vitor Hugo Mendes é presbítero da Diocese de Lages. Doutor em Educação (UFRGS), doutor em Teologia (Salamanca/Espanha), pós-doutor em Pensamento Ibérico e Latino-americano e também em Educação. Atua como orientador de retiros, conferencista, assessor e consultor em temas de Teologia, Pastoral, Espiritualidade, Educação e Psicopedagogia. Especialista em Pastoral Urbana. Autor do livro, em dois volumes, Liberación, um balance histórico bajo el influjo de Aparecida y Laudato si’. El aporte latinoamericano de Francisco, 2021 (Appris/Amerindia), que versa sobre a Teologia Latino-americana e o Magistério do Papa Francisco.
Na madrugada de 21 de abril, segunda-feira depois da Páscoa, faleceu o papa da simplicidade, Francisco (1936-2025). Sem demora a notícia se difundiu na imprensa global. Uma grande comoção tomou conta dos fiéis católicos e a todos que, ao redor do mundo, viram em Franciscus sinais extraordinários de humildade, bondade e incansável ser-viço. Uma vida santa. Francisco de Roma – tanto quanto San Francesco d'Assisi –, encantou multidões por sua humanidade e insistente preocupação com o cuidado da casa comum.
Após os ritos de luto e despedidas do santo padre ao longo de 9 dias (novemdiales), na data de sete de maio teve início o esperado conclave. A reunião do colégio cardinalício (133 cardeais eleitores) para escolher o novo bispo de Roma – o 267º. sucessor de São Pedro –, surpreendeu a muitos. Contrariando as expectativas de uma longa sessão de trabalho a porta fechadas (conclave, com chave) na Capela Sistina, o encontro foi brevíssimo. Já no dia seguinte, oito de maio, tudo estava resolvido. Pouco depois do meio dia (hora de Brasília), ao término da quarta votação, a tradicional fumaça branca anunciou que um novo papa fora eleito na Igreja Católica. O badalar dos sinos e a Praça São Pedro cada vez mais repleta de fiéis curiosos confirmavam o fato, desde sempre, um grande acontecimento na cidade de Roma.
Da varanda da grande basílica, o cardeal Dominique Mamberti fez o tradicional anúncio em latim: Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam (Anuncio-vos uma grande alegria: temos um papa…), Robert Francis, Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Prevost. Uma grande surpresa. O quarto papa não italiano – João Paulo II (polonês), Bento XVI (Alemão), Francisco (Argentino) – era também o segundo oriundo das Américas. Adotou por nome Leão XIV (Leone, em italiano; Leo, em Latim). É uma referência a Leão XIII, o papa que inaugurou a doutrina social moderna da Igreja com a encíclica social Rerum Novarum (1891), sobre a situação dos operários.
De origem crioula, nascido em Chicago (1955), Estados Unidos, o Papa Leo tem 69 anos. Religioso da Ordem dos Agostinianos (OSA), fez uma longa experiência de trabalho eclesial no Peru. Foram mais de duas décadas de vida missionária naquele país latino-americano. Ali adquiriu formalmente sua segunda cidadania. O “papa é peruano”, dizem com razão seus compatriotas da Diocese de Chiclayo onde trabalhou como bispo (2014-2023). São muitas as lembranças de sua vida simples, proximidade com o povo e compromisso social com os mais pobres.
Em 2023, o Papa Francisco chamou bispo Prevost para trabalhar na Cúria romana, no Vaticano. Doutor em direito canônico, domina vários idiomas e ocupou funções de máxima responsabilidade na ordem de Santo Agostinho (OSA). Nomeado prefeito do dicastério responsável pela nomeação episcopal também passou a responder como Presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina (CAL). Naquele mesmo ano foi criado cardeal da Igreja. Apenas dois anos depois foi eleito papa. Da periferia peruana para o coração da Igreja.
Visivelmente emocionado, em sua primeira manifestação pública fez ecoar as palavras do Mestre: A paz esteja convosco! E dizia: “Esta é a paz de Cristo ressuscitado, uma paz desarmada, humilde e perseverante, que provém de Deus”. Na ocasião, também recordou com gratidão a presença e a última benção do Papa Francisco na Páscoa. O novo bispo de Roma quis ser o continuador daquela benção urbi et orbi. E sinalizou: “Queremos ser uma Igreja sinodal, uma Igreja que caminha, que busca sempre a paz, que busca sempre a caridade e busca sempre estar próxima, especialmente daqueles que sofrem”.
Leo XIV tem a trajetória de um “pastor com cheiro de ovelhas”. Conhece por dentro a realidade americana e o bem-estar competitivo do Norte. Mas também tocou com as próprias mãos a vida e o sofrimento do povo Latino-americano. Peregrino das duas Américas, o bispo de Roma conhece bem a luta do povo pela sobrevivência e a difícil batalha daqueles que trabalham em favor da vida e do bem comum. O discípulo de Santo Agostinho experimentou o bem-viver andino (Sumak Kawsay) e sabe da importância do sul global no cuidado da casa comum.
É verdade que, sobretudo neste momento, os desafios globais são enormes e complexos. Além disso, a reforma da Igreja Católica, insistentemente querida por Francisco, caminha a passos lentos. Em todos os cantos do mundo há muita resistência a mudanças eclesiais e sociais que vão além da aparência.
O que muda, na Igreja local, a eleição de um novo papa? Nada ou muito pouco. Na região serrana, por exemplo, há um vazio persistente de governo e orientação eclesial. Oxalá os ensinamentos do Papa Francisco – a reforma da Igreja, a sinodalidade, a economia de Francisco e Clara, o programa Laudato si’, o Pacto Educativo Global etc. – tivessem chegado e feito raízes nessas terras.
No entanto, o processo sinodal indica que é preciso caminhar juntos. Tudo levar a crer que o Papa Leo XIV será um bom companheiro de caminhada. Seguimos com ânimo. Peregrinos de Esperança!