Pacto Educativo Global: o cuidado como palavra-chave

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Por: Jonas Jorge da Silva | 01 Março 2022

 

Uma educação que tenha como palavra-chave o cuidado. Essa foi uma das ideias centrais levantadas por Rudá Ricci, da coordenação nacional da Articulação Brasileira do Pacto Educativo Global (ABPEG), no último dia 26 de fevereiro, em encontro [online] intitulado A educação na perspectiva do Pacto Educativo Global.

Em consonância com o movimento do Papa Francisco em prol de um Pacto Educativo Global, no ano em que a Campanha da Fraternidade tem como tema Fraternidade e Educação, a iniciativa do CEPAT, em parceria com o IHU e o OLMA, buscou oferecer um momento de sensibilização para a importância da educação de qualidade como um direito universal.

Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, com uma longa trajetória de compromisso com a educação brasileira, considera que os dois chamados do Papa Francisco, por uma nova economia e por um pacto educativo global, ultrapassam as fronteiras da própria Igreja, pois nascem de um diálogo profundo com diferentes atores do cenário mundial. Sendo assim, uma resposta global a esses desafios só pode acontecer a partir de um encontro entre pessoas e culturas, respeitando a pluralidade e o meio ambiente.

 

Rudá Ricci, do Instituto Cultiva, na atividade: "A educação na perspectiva do Pacto Educativo Global"

 

Mas, então, o que o Papa deseja? Na avaliação de Ricci, a resposta está na encíclica Laudato Si’ e pode ser condensada na tríade: educação, economia e meio ambiente.

Levando em consideração que o processo educacional se dá a partir de um determinado contexto socioeconômico e cultural, em primeiro lugar é preciso retornar à origem da economia que promove a vida, contrapondo-se a uma economia desvencilhada da ética. Nesse sentido, Ricci destaca uma outra economia: indígena, quilombola, circular, solidária, cooperativa, em conformidade com a diversidade dos povos no Brasil.

Desde que coloque a pessoa humana no centro, a educação pode ser uma importante ponte nessa direção. E é para isso que o movimento impulsionado por Francisco trabalha. Trata-se de construir uma aldeia global de educação e cuidados com nossas crianças e adolescentes. Cuidados que exigem uma visão política, econômica e cultural com foco na proteção de nossa casa comum. Somos seres da natureza, embora, conforme alertado por Ricci, muitas vezes desejamos usá-la para conquistar mais poder ou objetivos pessoais e egoístas.

Para reforçar a abrangência da proposta do pacto pela educação, Ricci também destacou alguns trechos dos discursos do Papa Francisco em relação ao assunto e que foram reunidos no livro O Projeto Educativo de Francisco (PUCPRESS, 2019):

 

1. As três linguagens para a maturidade humana: a língua da mente, a língua do coração e a língua das mãos:

 

“Desejo a todos vocês, pais, professores, pessoas que trabalham na escola, estudantes, um caminho agradável na escola, uma via que faça crescer as três línguas que uma pessoa madura deve saber falar: a língua da mente, a língua do coração e a língua das mãos. Mas harmoniosamente, isto é, pensar o que se sente e o que se faz; sentir bem o que se pensa e o que se faz; e fazer bem o que se pensa e o que se sente”. (Discurso do Papa Francisco aos estudantes e professores das escolas italianas, 10/05/2014)

 

Jonas Jorge da Silva, do CEPAT e Rudá Ricci, do Instituto Cultiva, na atividade: "A educação na perspectiva do Pacto Educativo Global"

  

2. Recompor o pacto educativo:

 

“Hoje em dia, pelo menos em muitas escolas do meu país, uma professora escreve uma nota no caderno de um jovem e no dia seguinte o pai ou a mãe a denunciam. Quebrou-se o pacto educativo. Já não estão todos juntos para o jovem. E assim falamos também da sociedade. Ou seja, recompor o pacto educativo, recompor aquela aldeia para educar as crianças. Não podemos deixá-las sozinhas, não podemos deixá-las pelas ruas, sem tutela, à mercê do mundo, no qual prevalece o culto do dinheiro, da violência e do descartável. Insisto muito sobre este tema, mas é evidente que se impôs a cultura do descartável. O que não serve joga-se fora. Descartam-se os jovens porque não os educamos ou não queremos educá-los”. (Discurso do Papa Francisco aos participantes do encontro mundial dos diretores de “Scholas Occurrentes”, 04/09/2014)

 

3. A educação como um direito universal:

 

“Ninguém, ninguém pode ser excluído da possibilidade de receber valores, ninguém! E por isso, eis o primeiro desafio que vos digo: deixai os lugares onde há muitos educadores e ide às periferias. Procurai ali. Ou pelo menos, deixai metade deles! Procurai lá os necessitados, os pobres. E eles têm uma coisa que os jovens dos bairros mais ricos não possuem – não por culpa deles, mas porque é uma realidade sociológica: têm a experiência da sobrevivência, também da crueldade, da fome, das injustiças. Têm uma humanidade ferida. E penso que a nossa salvação vem das feridas de um homem ferido na cruz.

Daquelas feridas, eles obtêm sabedoria, se houver um bom educador que os leve em frente. Não se trata de ir lá fazer beneficência, ensinar a ler, dar de comer... não! Isto é necessário, mas é provisório. É o primeiro passo. O desafio – e eu vos encorajo – é ir lá para os fazer crescer em humanidade, em inteligência, em valores, em hábitos, para que possam ir em frente e levar aos outros experiências que não conhecem” (Discurso do Papa Francisco aos participantes no Congresso Mundial promovido pela Congregação para a educação católica com o tema “Educar hoje e amanhã. Uma paixão que se renova”, 21/11/2015).

Em síntese, para Ricci, a partir da abrangência da compreensão de Francisco acerca do que é a educação, trata-se de dinamizar uma política do cuidado. Cuidar de si mesmo, cuidar dos outros, do patrimônio público, da natureza, do mundo. Este é o antídoto à ostentação, violência e agressão.

O discurso do empreendedorismo e da meritocracia, além de fracassado, destrói a solidariedade. A educação precisa ser repactuada em prol de um horizonte de justiça, paz e igualdade para todos.

Ricci destacou que temos dois grandes problemas nesse século XXI: a fragmentação social e o ressentimento, frutos da desconfiança em nossas instituições e representantes políticos. São o resultado de anos de neoliberalismo que embora esteja atravessando um momento de baixa no mundo todo, como políticas de governo, permanece vivo culturalmente. É preciso problematizar o conjunto de seus valores e refletir acerca do sentido que almejamos para a educação e a vida social.

Nessa direção, o cuidado deve estar vinculado ao direito, que nunca é específico, mas sempre universal. É preciso reconhecer os limites das políticas focalizadas, tendo como horizonte um debate mais abrangente em torno da igualdade de direitos, fugindo da tentação sectária e incorporando uma visão mais integral do que se busca como sociedade.

 

Eis a íntegra da exposição e debate.  

 

 

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