11 Setembro 2018
"A escuta autêntica exige uma abertura fundamental para ouvir a dor, o sofrimento, a raiva e os gritos por justiça das pessoas que sofreram as feridas espirituais, psíquicas e físicas do abuso sexual clerical", escreve Alex Mikulich, especialista em ética social católica, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 10-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Recentes revelações na Pensilvânia e na Irlanda sobre abuso sexual infantil por parte do clero e seu encobrimento pela hierarquia católica expõem padrões grotescos de predação, engano e hipocrisia sexual. Este profundo mal escandaliza, horroriza e traumatiza todos os membros da comunidade de fé. De fato, muitas pessoas boas de fé estão abandonando uma instituição que consideram dolorosamente desumana.
Talvez não haja maneira da Igreja institucional se livrar do pântano moral e espiritual pelo qual é a única responsável. Se a Igreja busca autêntico arrependimento e reparação, deve abordar as raízes históricas da crise atual e se abrir para um processo de longo prazo de recordação verdadeira que está orientado para a sabedoria dos sobreviventes do abuso sexual clerical.
Todos os tipos de dedos apontam para exacerbar as feridas abertas e semeiam a discórdia dentro da Igreja, mesmo assim, nada disso criará as condições necessárias para a Igreja recuperar sua a credibilidade moral e espiritual.
Está na hora da Igreja se purificar. O sistema de denunciar a si mesma falhou. Desde que a equipe do Boston Globe abriu o precedente de abuso sexual clerical em 2002, cinco procuradores-gerais - em New Hampshire, Pensilvânia, Maine, Massachusetts e mais recentemente em Nova York - usaram o poder de intimação para obter registros da Igreja sobre padres acusados de abuso sexual. Investigações ou inquéritos estão sendo abertos na Flórida, Illinois, Missouri, Nebraska, Nova Jersey e Novo México, após a última onda de escrutínio crescente. Se a Igreja está realmente comprometida com o bem comum, então a instituição e seus sacerdotes devem enfrentar a responsabilidade total dos promotores estaduais e federais.
Entender as raízes históricas da crise atual é um pré-requisito para a plena responsabilização. Como Massimo Faggioli sabiamente instrui, o Concílio Vaticano II não é o culpado pelo apuro em que se encontra a Igreja. A crise de abuso clerical está enraizada nas estruturas tridentinas da hierarquia eclesial. Por outro lado, argumenta Faggioli, o Vaticano II, "comprometido com o sacerdócio de todos os fiéis", ainda não tem raízes profundas na estrutura e na cultura da Igreja.
Eu acho que o problema é ainda mais profundo do que as estruturas eclesiais criadas pelo Concílio de Trento. As condições que deram origem à poção venenosa do poder, do patriarcado, do clericalismo, da falta de responsabilidade e do sigilo estão inextricavelmente ligadas à estrutura monárquica e à cultura colonialista da Igreja.
No entanto, como Igreja, não podemos desenterrar essas raízes profundas da pecaminosidade a não ser que a hierarquia escolha o "caminho doloroso da purificação". Indo para a própria profundidade de nossa fé, o ensino social católico e a prática eucarística reconhecem que a lembrança verdadeira é uma condição da possibilidade de autêntico arrependimento e reconciliação.
A Igreja está em um profundo vínculo moral, espiritual e pastoral. Se a Igreja mantém o seu silêncio em relação à sua cumplicidade duradoura no abuso sexual clerical, nega a graça, esperança e cura de Deus na memória eucarística de Jesus Cristo.
Por outro lado, se a Igreja busca o testemunho holístico enraizado na memória eucarística, deve reconhecer sua própria necessidade de arrependimento pelo abuso sexual clerical. Há perigo moral, espiritual e pastoral aqui também. Um pedido público de desculpas e invocação do perdão de Deus pode ser excessivo agindo unilateralmente sob a suposição errônea de que é uma instituição de singular credibilidade moral. Enquanto alguns bispos individuais reconhecem a necessidade de arrependimento, a instituição parece irremediavelmente concentrada em si mesma.
Em seu estudo magistral, “Ecclesial Repentance” (Arrependimento Eclesial, em tradução livre), Jeremy Bergen explica que a lembrança verdadeira é mais do que um modo de conhecimento. A lembrança verdadeira deve se tornar uma prática, um modo de vida.
Praticar a lembrança verdadeira significa que a Igreja deve prestar contas ao povo de Deus. Como Stephanie Ann Puen escreve no blog Daily Theology, a Igreja ainda precisa desenvolver uma ética organizacional adequada de responsabilidade e transparência.
Puen argumenta que a Igreja dependeu excessivamente de um modelo vertical de prestação de contas dos leigos a padres, padres a bispos, bispos a cardeais e cardeais ao papa. Esse modelo falha em fornecer responsabilidade ao sacerdócio sobre os fiéis e sociedade. Existem modelos organizacionais de como a Igreja pode desenvolver estruturas de responsabilidade e transparência.
Por exemplo, a Comissão Real Australiana para Respostas Institucionais a Casos de Abuso Sexual Infantil oferece um testemunho notável do tipo de escuta que a Igreja ainda precisa fazer para se tornar responsável e transparente.
Bergen é claro quando fala que o escrutínio completo do testemunho da Igreja "não pode ser feito separadamente do testemunho daqueles que experimentam a distorção deste mesmo testemunho e seus efeitos de negação da vida".
Isso significa que a Igreja não pode estar no controle de um processo de escuta em termos de estabelecer prazos ou determinar os resultados. Expressões de tristeza e pedido de desculpas são totalmente insuficientes e podem ser ainda mais prejudiciais.
A escuta autêntica exige uma abertura fundamental para ouvir a dor, o sofrimento, a raiva e os gritos por justiça das pessoas que sofreram as feridas espirituais, psíquicas e físicas do abuso sexual clerical.
Um processo aberto de longo prazo de escuta e lembrança verdadeira é uma maneira pela qual a Igreja pode começar a criar condições para a possibilidade de arrependimento e reparação do corpo de Cristo que está partido.
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A Igreja deve entrar em processo de verdadeira escuta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU