Relatório do grande júri da Pensilvânia é o novo fundo do poço da Igreja. Artigo de Thomas Reese

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16 Agosto 2018

“O relatório do grande júri é um alerta para os bispos que achavam que o passado poderia ser esquecido, desde que fizessem a coisa certa no futuro. Também se torna um precedente para outros procuradores gerais dos outros estados americanos e grandes júris. Os bispos fariam bem em emitir seus próprios relatórios antes que os outros estados o fizessem”, escreve Thomas Reese, S.J., ex-editor chefe da revista America, em artigo publicado por Religion News Service, 15-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

Eis o artigo.

Terrível! horripilante! repugnante! Não há adjetivos para descrever as ações de padres abusivos relatadas no recente relatório do grande júri da Pensilvânia.

O relatório lista mais de 300 padres acusados ​​por abuso, em seis das oito dioceses do estado.

Um abuso, por si só, já é terrível. Saber que mais de mil crianças foram abusadas nesse período é assustador. Sem dúvida, há mais pessoas que ainda não se apresentaram, e esperamos que este relatório as incentive a fazê-lo.

Em meio a isso, muitos bispos fracassaram em responder apropriadamente ao abuso. Eles deveriam averiguar melhor a situação.

Por que eles não fizeram melhor?

Primeiramente, os bispos ainda viviam em uma cultura clerical onde os padres cuidavam uns dos outros como "irmãos" no sacerdócio, e não acusavam um ao outro. Alguns bispos não queriam ouvir e nem mesmo investigar as acusações. O clericalismo os cegou para sua responsabilidade com os filhos.

Em segundo lugar, os bispos foram informados por seus advogados e companhias de seguro a não se encontrarem com as vítimas ou suas famílias. Eles ouviram as desculpas de seus padres, embora não sintam a dor agonizante das vítimas. Todo bispo deve reservar pelo menos um dia por mês para ouvir qualquer vítima que queira se encontrar com ele.

Terceiro. Pelo menos até o ano de 1992, os psicólogos disseram aos bispos que alguns padres estavam seguros para voltar ao ministério após o tratamento. Somente após 2002 os bispos adotaram uma política de tolerância zero para os Estados Unidos. No final da década de 1980, de acordo com o estudo de John Jay sobre abusos clericais, o número de casos começou a diminuir, pois bispos coerentes começaram a remover os padres inconsequentes.

Vale ressaltar que apenas dois dos mais de 300 padres identificados pelo júri, estiveram envolvidos em abuso nos últimos 10 anos - e estes foram relatados por suas dioceses.

Em quarto lugar, os bispos inicialmente mantiveram o abuso em segredo porque não queriam escandalizar os fiéis. Eles também queriam proteger os ativos das dioceses de ações judiciais.

Como resultado, cada vítima pensava ser a única passando por aquela situação. Os bispos desconheciam o grau do problema até o momento em que a enxurrada de vítimas se manifestou após a exposição do The Boston Globe.

Finalmente, nos primeiros dias do abuso, padres não treinados estavam investigando e fazendo recomendações sobre o tratamento de padres abusivos. Somente em 2002 os bispos concordaram em ter conselhos consultivos que incluíssem leigos para rever as acusações.

Os leigos devem estar envolvidos na investigação e avaliação de quaisquer acusações. Eles também devem estar envolvidos na investigação da resposta dos bispos. De fato, deveriam estar presentes na avaliação de candidatos para a ordenação. Nenhum profissional é bom ao julgar seus colegas.

Explicar como isso aconteceu não muda o fato de que o relatório do grande júri da Pensilvânia é outro golpe devastador para a Igreja Católica dos EUA.

Não quer dizer que todo relatório - de 1.300 páginas - é incontestável. Embora falsas acusações sejam raras, elas podem acontecer. O relatório deve ser lido com um olhar crítico, como qualquer outro relatório do governo. Também é necessário permitir que os acusados tenham uma chance de resposta.

Entre eles está o cardeal Donald Wuerl, agora arcebispo de Washington, D.C., que é criticado no relatório da Pensilvânia por suas ações quando era bispo de Pittsburgh.

É necessário lembrar que em 1993, Wuerl tentou remover do ministério Anthony Cipolla, um padre de Pittsburgh. Logo depois do ocorrido, Wuerl foi instruído a realoca-lo no ministério pelos cardeais do Supremo Tribunal de Assinatura Apostólica em Roma - a Suprema Corte da Igreja. Wuerl recusou. Ele recorreu da decisão em Roma e persuadiu a Signatura. Isso não soa como um bispo que estava ignorando sua responsabilidade de proteger as crianças.

O grande júri propõe quatro reformas em seu relatório: A eliminação do estatuto criminal de limitações para futuros casos de abuso sexual de crianças; A abertura das dioceses a ações civis de vítimas que agora estão excluídas por causa do estatuto civil de limitações; Esclarecimento das penalidades de não denunciar abuso infantil; E a proibição acordos de confidencialidade civil no encobrimento das comunicações com a aplicação da lei.

Dentre essas reformas, apenas uma é controversa. As vítimas claramente merecem justiça e apoio. Elas foram abusadas por diversas pessoas, como professores e treinadores em escolas públicas, funcionários de organizações atléticas, cuidadores infantis, chefes de escoteiros e ministros de Igrejas. Se o estatuto civil de limitações for dispensado para a Igreja Católica, deve ser dispensado para todas as organizações públicas e privadas.

A verdade é que ações civis, especialmente as punitivas, são um instrumento contundente para punir organizações sem fins lucrativos. Se um funcionário de uma empresa com fins lucrativos prejudica alguém, uma penalidade financeira é considerável, pois os proprietários da empresa estão ganhando dinheiro e têm a responsabilidade de supervisionar seus funcionários. Caso contrário, eles devem sofrer financeiramente.

Ninguém é dono de uma corporação sem fins lucrativos. Você não pune um bispo tirando dinheiro de sua diocese, especialmente se ele está aposentado ou morto. As pessoas punidas são os leigos que doaram o dinheiro e as pessoas que investiram dinheiro - paroquianos, crianças em idade escolar, os pobres e o clero. Destes, apenas o clero poderia ser considerado responsável, e a maioria deles não tinha nada a ver com as decisões tomadas pelo bispo. Seria melhor colocar o bispo na cadeia.

A julgar pelo que aconteceu em outros estados, há uma boa possibilidade de que a abertura de dioceses a processos ilimitados possa levar à falência de algumas entidades da Pensilvânia. Os processos também levam anos, e os honorários legais consomem muito dinheiro - o que não beneficia as vítimas.

Os bispos da Pensilvânia e o Legislativo estadual poderiam considerar uma alternativa. Os bispos e os legisladores podem negociar um montante justo, razoável, para as dioceses desembolsarem - dinheiro que seria entregue ao estado.

O procurador geral poderia conceber uma maneira apropriada de dividir o dinheiro entre as vítimas. Como os processos civis podem durar anos e os advogados receberem 40% dos prêmios, uma abordagem não liberal beneficiaria as vítimas ao eliminar a necessidade dos advogados.

De qualquer forma, o relatório do grande júri é um alerta para os bispos que achavam que o passado poderia ser esquecido, desde que fizessem a coisa certa no futuro. Também se torna um precedente para outros procuradores gerais dos estados americanos e grandes júris. Os bispos fariam bem em emitir seus próprios relatórios antes que os outros estados o fizessem. As pessoas não ficarão satisfeitas até que uma investigação completa ocorra em todas as dioceses.

A Igreja diz às pessoas que a confissão é boa para a alma, mas precisa praticar o que prega. Se quer perdão, deve confessar seus pecados, ter profunda tristeza por eles e fazer penitência para modificar seus caminhos.

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