A crise do coronavírus empobrecerá 35 milhões de pessoas na América Latina

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27 Março 2020

No dia 26 de fevereiro, o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina a relatar um caso de coronavírus dentro de suas fronteiras, um homem de 61 anos de idade que tinha viajado para a Itália. Mais de um mês se passou desde o início do surto na China. Desde então e até agora, a região contabilizou aproximadamente 7.700 casos positivos para um vírus que já está em todo o continente, sendo Belize o último país a se juntar à lista. O principal foco permanece no Brasil, seguido pelo Equador e Chile, embora o número de contágios ainda esteja bem abaixo do registrado nos Estados Unidos e na Europa.

A reportagem é de Icíar Gutiérrez, publicada por El Diario, 25-03-2020. A tradução é do Cepat.

A preocupação com a disseminação do vírus se soma, como em muitas outras partes do mundo, ao impacto que terá sobre a economia. A batalha está sendo travada neste caso em uma região onde a desigualdade é um problema estrutural. Há alguns dias, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) soou o alarme, estimando que o número de pessoas afetadas pela pobreza pode subir de 185 para 220 milhões, 35 a mais. Entre elas estão os que vivem em extrema pobreza, que passarão de 67,4 para 90 milhões, segundo seus dados. Na região, residem 620 milhões de pessoas.

Esses dados são, indica a Organização das Nações Unidas, resultado de suas projeções para o PIB, que preveem a contração de 1,8%, e para o desemprego na região, que se estima aumentar em dez pontos, o que acreditam que golpeará com força todas as pessoas e famílias que, mesmo que não sejam pobres, tenham renda baixa e com pouca poupança.

Segundo prognóstico, a crise causada pela pandemia da COVID-19 afetará a região por meio de cinco vias: a diminuição nas exportações para parceiros comerciais como a China, a queda na demanda turística devido a restrições de viagens - com especial impacto no Caribe-, o freio à importação de bens utilizados no setor manufatureiro, a queda no preço das matérias-primas e os efeitos no investimento, entre eles a queda nos índices do mercado de ações.

De acordo com os números da organização, em 2017, quase metade da população da região (46,7%) era composta por pessoas com alto grau de vulnerabilidade para voltar à pobreza, pertencentes aos estratos mais baixo de pobres e aos estratos de renda média baixa. Ou seja, com renda mensal per capita entre 110 e 329 dólares.

“É difícil neste momento indicar quais países correm maior risco de experimentar fortes aumentos na pobreza”, explica Alicia Bárcena, secretária executiva da CEPAL. “Isso está relacionado ao grau de difusão da COVID-19, ao impacto em cada economia e ao tipo de resposta por parte dos Governos para mitigar os efeitos sobre a população e no setor produtivo”. No entanto, mostra preocupação com países como o Brasil e a Venezuela, onde constataram um aumento da pobreza entre 2014 e 2018.

Medidas de proteção social

Alguns governos latino-americanos anunciaram medidas para tentar amortecer as consequências socioeconômicas da pandemia da COVID-19 em seus territórios. Em meio à recessão que há dois anos o país vive, e para mitigar os efeitos que a crise provocada pelo surto de coronavírus deixará, a Argentina (387 casos) anunciou um pagamento de 10.000 pesos, cerca de 145 euros, no próximo mês de abril, para determinados setores vulneráveis que não podem trabalhar devido ao isolamento total que a população deve cumprir até 31 de março.

A chamada “renda familiar de emergência” é destinada a pessoas que estão fora da economia formal, trabalhadores domésticos e pequenos contribuintes, ou seja, monotributistas das duas categorias mais baixas, que faturam no máximo 26.100 pesos por mês. O governo de Alberto Fernández estima que a medida beneficiará 3,6 milhões de famílias.

O governo do Chile (1.142 casos) ofereceu aos legisladores um “Bônus Covid-19”, equivalente ao bônus de Subsídio único Familiar, para cobrir dois milhões de pessoas. A Câmara chilena aprovou o projeto, mas rejeitou o valor (50.000 pesos, 55 euros), que a oposição considerou insuficiente. Por sua parte, o Executivo mexicano (405 casos) anunciou que adiantará o pagamento equivalente a quatro meses do Programa para o Bem-Estar dos Idosos, que dá cobertura a aproximadamente 7,5 milhões de pessoas.

Bárcena avalia essas medidas como “positivas”, mas insiste: “Fazemos um chamado à implementação de transferências monetárias de caráter mais universal possível para enfrentar essa pandemia”. Em outras palavras, apoiar estratos da população que, além daqueles que já vivem na pobreza, “são muito vulneráveis a cair nela”. “Portanto, não podemos nos limitar a apoiar com transferências monetárias apenas as famílias pobres que já são beneficiárias de programas sociais”, enfatiza.

“Temos que agir com urgência e proteger toda a população, para que esta seja uma crise momentânea e não se torne uma crise histórica na região, como a que vivemos com a crise da dívida” nos anos 1980. “Os impactos sociais, como resultado das políticas de ajuste adotadas, foram ainda mais profundos, já que a região levou 25 anos para reduzir a taxa de pobreza a níveis pré-crise”.

Nesta quarta-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial solicitaram que os detentores de dívida de países pobres adiassem pagamentos para ajudá-los em termos de liquidez a combater a pandemia do coronavírus. Especificamente, pedem que o pagamento da dívida seja adiado para todos os países pertencentes à Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), que agrupa os países mais pobres, entre eles vários da América Latina e do Caribe, como Haiti, Honduras e Nicarágua. “Deve-se incentivar que instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, analisem a gestão das dívidas públicas com sustentabilidade e até pensem em adiar ou redesenhar essas dívidas. É o caso da Argentina”, afirma Bárcena.

Acesso à saúde

Qual relação existe entre a pobreza e o acesso aos cuidados de saúde? Na América Latina, as pessoas que vivem em situação de pobreza têm maior probabilidade de ter problemas de saúde e menor probabilidade de usar serviços básicos de saúde, incluindo serviços preventivos para prevenir e detectar doenças, explica o responsável da CEPAL.

“Geralmente, os sistemas de saúde na América Latina se organizam em torno de serviços do setor público para pessoas de baixa renda, serviços de seguridade social para trabalhadores formais e serviços privados para aqueles que podem custeá-los. Assim, os sistemas de saúde permanecem segregados e patentemente desiguais, oferecendo serviços diferentes, de qualidade diferente, a diferentes grupos populacionais, perpetuando assim as desigualdades na saúde”, afirma.

O surto de coronavírus, diz Bárcena, “cria tensão e põe à prova os fragmentados e em geral debilitados sistemas de saúde da região, pois as demandas sobre eles podem exceder sua capacidade de resposta”. Também considera que as lacunas no acesso e na qualidade dos serviços de saúde “podem prejudicar os esforços” para impedir a propagação do vírus.

De acordo com os dados mais recentes da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), de abril de 2019, estima-se que quase um terço da população não tenha acesso à saúde em todo o continente. Um dos eixos de atuação da organização é que os países membros aumentem o investimento público em saúde para ao menos 6% do PIB. De acordo com os números, o investimento médio em saúde nos países americanos é de 4,2%.

“A América Latina tem experiência no controle de surtos”

No entanto, neste caso, Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da OPAS, lembra que aproximadamente 80% dos casos da COVID-19 são leves e muitas pessoas se curam em casa. Também lembra que a América Latina tem, como ponto de partida, uma “ampla experiência” no controle de surtos e pandemias. “Não podemos esquecer a pandemia de H1N1, de 2009 (gripe A), e nem a epidemia de zika, em 2016. Muitas das intervenções de saúde pública que foram aplicadas contra essas doenças também podem ser aplicadas contra a COVID-19”, diz o especialista, que menciona o reforço dos pontos de entrada em países como aeroportos e portos para detectar casos, o uso de salas de isolamento e equipamentos de proteção.

“A América Latina tem experiência e está muito melhor do que contra aqueles vírus porque progrediu”, enfatiza. Um dos aspectos que se destaca é que a América Latina possui “plataformas laboratoriais completas em todos os países onde são realizados todos os anos milhões de testes do vírus da influenza (gripe). Essa mesma plataforma é usada para o coronavírus”.

Mas os desafios são vários, argumenta. “Nossos hospitais e centros de saúde ainda têm um caminho a percorrer na implementação de medidas de controle e prevenção de infecções. Nossos países também têm muita gente aglomerada em bairros, favelas e subúrbios. Existem hospitais para reforçar”. Nesse sentido, a agência de saúde está solicitando que sejam preparados e fortalecidos os centros de saúde “diante da possibilidade de um caso como o da Itália ou da Coréia do Sul”, aponta.

“Não estamos dizendo que isso vai acontecer ou não, mas que precisamos nos preparar”, diz o especialista. De fato, considera que a experiência desses países pode inspirar os Governos na região e acredita que há tempo para implementar medidas para “conter o máximo possível” o progresso da pandemia. No momento, sua maior preocupação é que o vírus se espalhe entre a população da região. No momento, temos “conglomerados de casos e alguns países com transmissão comunitária, mas isso pode ser controlado com medidas de isolamento social”.

Sua receita para os países latino-americanos é “continuar tomando medidas para se proteger e não criar pânico, nem desespero, o que em algum momento acontecerá. E acima de tudo, salvar vidas”. Para isso, precisam “continuar se preparando, com isolamento, pontos de entrada, preparando hospitais para que possuam os leitos e ventiladores necessários, capacitando os profissionais e educando a população em medidas como lavar as mãos e o distanciamento social”.

 

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