14 Abril 2020
"O sistema de saúde deve ser completamente repensado, evitando o modelo cada vez mais irracional de 'instituição total' e tentando fornecer ao território uma variedade de locais onde os doentes possam ser tratados sem ter que se concentrar em altas densidades. É um modelo muito viável, especialmente hoje", escreve Franco La Cecla, antropólogo, arquiteto italiano e professor da Universidade de Bolonha, em artigo publicado por Avvenire, 12-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Chegamos à Páscoa e ainda estamos dentro de uma cadeia de dias complicados. Não apenas pelas condições em que nos colocam, pela incerteza em que nos colocam, mas sobretudo pelos questionamentos que de repente surgem. Nessa tábula rasa, muitos hábitos e certezas desmoronam.
Mas vamos manter os pés no chão. As questões se aplicam à vida de cada um de nós, mas também às questões coletivas que, justamente por causa do isolamento, nos fazem repensar nossa convivência em uma sociedade organizada. Existem muitas dúvidas: sobre o modelo industrial, sobre a nossa aceitação da poluição em troca de sabe-se lá quais vantagens, sobre o modelo e o horário de trabalho, o modelo de agregação “compulsiva” ou forçada, sobre os espaços dos escritórios, escolas e universidades, das casas. Há uma dúvida geral que reverbera nestes dias de Covid-19.
É verdade que queremos retomar nossa vida social o mais rápido possível, mas queremos o que ela tem de libertadora: ficar oito horas fechados em um escritório ou em uma fábrica ou em uma instituição educacional é realmente uma boa ideia? Manter as crianças fechadas nas escolas é uma boa ideia? E os idosos nas clínicas? E os trabalhadores de uma fábrica ou em um escritório?
Em suma, questiona-se o formato que nossa sociedade deu às instituições e suas conformações arquitetônicas, urbanísticas e organizacionais. E agora vamos ao ponto mais espinhoso. Os locais do cuidado. Cuidado médico, acima de tudo. Estamos convencidos de que hospitais, clínicas, ambulatórios assim como são concebidos e construídos são a solução para o problema de saúde/doença?
Aqueles que frequentaram das análises históricas de Michel Foucault sobre o nascimento da clínica moderna não podem deixar de pensar que o hospital nasceu da necessidade de concentração dos doentes para fins úteis para as faculdades de medicina. A concentração oferece um histórico de casos disponível, e um grande número de sujeitos para estudar e comparar. Digamos que a clínica é funcional para a profissão médica e o contrário não é verdadeiro.
Se quisermos dar um passo adiante, um texto altamente contestado de Ivan Illich, “Medical Nemesis'', afirmava que um grande número de doenças disseminadas nas sociedades atuais é de origem iatrogênica, ou seja, são incubadas e produzidas nos mesmos locais que deveriam curá-las.
Uma afirmação bastante óbvia e que infelizmente é confirmada nestes tristes dias. O pessoal médico é a primeira vítima disso com uma taxa muito alta de mortes e contágios. E as mortes no hospital atestam que esses são locais onde se desenrola uma luta extraordinária contra o vírus, mas também aqueles onde os já debilitados podem contrai-lo. Não é estranho que, em um momento em que se pede para ficar em casa, a solução para os doentes seja a concentração, lado a lado com outros doentes?
Eu não gostaria de ser mal-entendido: os hospitais na Itália no momento são a linha de frente da batalha, mas, como todas as linhas de frente, são lugares particularmente frágeis e sujeitos ao fogo do inimigo. Uma das razões pelas quais as batalhas são vencidas mais com as guerrilhas do que com as trincheiras é que a linha de fogo inimiga atinge mais facilmente aqueles que se concentraram em um único local definido.
Nesses dias, há muita discussão sobre a saúde, o desastre de um sistema de saúde cujos recursos fundamentais foram cortados. Por que não discutir também o modelo de saúde que queremos? Anos atrás, Renzo Pianomi pediu para ajudá-lo a elaborar o projeto de um hospital diferente, conforme solicitado por Umberto Veronesi. Estudamos por um ano, comparamos as experiências mais avançadas que, por coincidência, haviam surgido de associações de pacientes que estavam sofrendo pela forma como os hospitais eram concebidos. Depois nada foi feito, acredito que os possíveis financiadores desistiram. No entanto, a questão, como vista atualmente, é extremamente urgente.
O sistema de saúde deve ser completamente repensado, evitando o modelo cada vez mais irracional de "instituição total" e tentando fornecer ao território uma variedade de locais onde os doentes possam ser tratados sem ter que se concentrar em altas densidades. É um modelo muito viável, especialmente hoje.
Com a informática, a conexão entre vários centros terapêuticos e com a ideia de que, quando possível, o paciente deve ser mantido apenas pelo tempo necessário para os tratamentos mais importantes. Sem cair no paradoxo de que, para isolar os pacientes, é preciso concentrá-los.
Faço essas considerações sem pretender saber mais do que os médicos, pelo amor de Deus, mas com a experiência de arquiteto e antropólogo em que me encontro e com os encontros proveitosos com projetistas que repensaram o modelo da saúde. E também como aluno de Ivan Illich, que teve a coragem, em tempos em que essas discussões eram impossíveis, de colocar tudo isso sobre a mesa para que todos o vissem. Onde hoje indubitavelmente está.
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Outro modelo para locais de cuidado médico. O sistema de saúde deve ser completamente repensado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU