13 Março 2019
Ele foi o bispo rebelde da Igreja da França e pagou caro por isso. Em 1995, dom Jacques Gaillot foi removido por Roma, de “sua” diocese de Évreux, à frente da qual estava durante treze anos, porque intervinha em todos os níveis na mídia, com liberdade de expressão, e com o que os seus superiores ficaram profundamente ofendidos. Ele não foi destituído de suas funções, mas “transferido” como bispo de Partenia, uma diocese fantasma sem igrejas ou católicos há séculos, nas terras altas perto de Setif, na Argélia. O bispo, agora com 84 anos de idade, foi “reabilitado” pelo Papa Francisco, que o recebeu para uma longa conversa em Roma em 2015, e conserva sua liberdade de expressão, mas não dá mais entrevistas, ou pouquíssimas.
A entrevista é de Jérôme Cordelier, publicada por Le Point, 12-03-2019. A tradução é de André Langer.
Gaillot mora – há vinte anos – em um convento das irmãs da Congregação do Espírito Santo, fundada no século XVIII, atrás do Panteão, em Paris, e continua, discretamente, a travar as batalhas às quais dedicou sua vida. Ele ainda preside a associação Droits Devant!, que ele fundou com Albert Jacquard e Léon Schwartzenberg, e segue ajudando as famílias de migrantes hospedadas graças à associação Direito à Habitação, em um ginásio do 8º distrito, atrás da igreja de Santo Agostinho, “e não longe do Eliseu”, como disse com seus olhos azuis travessos. Dom Gaillot também visita prisioneiros, entre os quais estão Yvan Colonna, há quinze anos preso em Arles, e Georges Ibrahim Abdallah – chefe da Fração Armada Revolucionária Libanesa (FARL), condenado à prisão perpétua por cumplicidade de assassinato em 1987 –, em Lannemezan, perto dos Pireneus. E, “argelino de alma”, acompanha, dia após dia, a atual revolta desse “admirável povo, jovem e dinâmico”.
Propusemos a dom Gaillot para sair um momento do seu silêncio midiático para comentar os acontecimentos que abalaram a Igreja Católica. Como verá, o homem não perdeu nada da sua liberdade de expressão, nem da sua capacidade de apreender o presente e o futuro com esperança. “Eu sou um homem de esperança – diz Jacques Gaillot –, o que vem da fé. O Evangelho não está trancado em uma instituição. Em todos os lugares do mundo encontramos vestígios da vitalidade da Igreja; são muitos os homens e as mulheres que deixam sua marca e vivem suas convicções cristãs”. Como ele mesmo, Jacques Gaillot, bispo de Partenia.
Você, que sempre teve uma grande capacidade de indignação, está revoltado, e de que maneira, pelo que você ouve sobre a Igreja hoje?
Meus olhos não costumam estar fitos na Igreja, mas no mundo da exclusão: as pessoas desabrigadas jogadas na rua, abandonadas. É inaceitável! Quando chegam a Paris, esses homens, essas mulheres, essas crianças têm apenas um bem: sua dignidade. Eles se acumulam à beira do anel viário ou debaixo das pontes. É uma pena! Ninguém no mundo quer minorias que estão em busca de uma terra e de um futuro. Isso é o que me indigna, acima de tudo hoje. Para responder à sua pergunta, o que ouço sobre a Igreja não me revolta. Eu sempre preferi o destino dos indivíduos ao das instituições, e neste momento estou do lado das vítimas de abusos sexuais. Suas palavras me tocam profundamente. Suas feridas tornam-se as minhas.
O filme de François Ozon sobre o caso Preynat e um documentário da cadeia Arte sobre os abusos sexuais cometidos por padres contra as freiras... A Igreja é fortemente desafiada pela sociedade, particularmente na França. Você viu esses filmes? Como você reage?
Eu gostei do filme de François Ozon, que é respeitoso e cheio de emoções. Quão difícil é a verdade sair das sombras e vir à luz! O segredo é tão enterrado e protegido! É uma tampa pesada para levantar. As famílias envolvidas estão divididas e abaladas. Ninguém sairá ileso. Mas “a verdade vos libertará”, disse Jesus. O documentário sobre as freiras sexualmente abusadas por padres foi um choque. Senti-me humilhado e indignado com a injustiça cometida contra essas freiras. Como disse Victor Hugo: “Fazemos caridade quando não conseguimos impor a justiça”. A caridade pressupõe a justiça. Nós havíamos esquecido isso.
Você sente atualmente uma “catofobia” na França?
Não percebi isso. Há, acima de tudo, uma suspeita em relação aos sacerdotes, o que lhes causa uma grande dor, mesmo quando não manifestam isso. Eu sofro com eles.
A Igreja da França está cada vez mais reacionária, como mostra o historiador e sociólogo Yann Reason du Cleuziou no seu último livro, Une contre-révolution catholique [Uma contrarrevolução católica]?
Sempre houve uma franja conservadora na Igreja da França. Ela é influente e se faz ouvir hoje. O discurso da identidade está em ascensão. Afirmemos a nossa fé. Compartilhemos as nossas convicções. Nós não podemos aceitar tudo. Se fazemos como todo mundo, não temos mais nada a dizer. Este discurso da identidade pode ser tranquilizador, mas não vai ao coração do Evangelho, ou seja, a solidariedade com aqueles que a sociedade abandona. “Eu era estrangeiro e não me acolheram”. Se você vibra com essas palavras, pode ter certeza de que não é como todo mundo!
A condenação do cardeal Barbarin marca uma inflexão na Igreja da França? Ela questiona seu sistema de governo?
A condenação e a renúncia do cardeal são atos fortes que falam mais do que todos os discursos. É uma vitória para as vítimas, presentes e futuras. Uma página é finalmente virada. A cultura do segredo pertence ao passado. A transparência é exigida em todos os níveis da Igreja. Os abusos sexuais devem ser denunciados e levados ao conhecimento da justiça. A tolerância zero torna-se a regra. Somos todos cidadãos sujeitos à justiça dos homens. O Estado laico se impôs. Isso provoca uma série de mudanças! As mentalidades precisam de tempo para evoluir. Essas novas práticas levarão tempo. Vai levar uma geração.
A sociedade francesa entrou em uma “era pós-cristã”, como destaca o diretor do Ifop, Jérôme Fourquet, em seu último livro, L'Archipel Français [O Arquipélago Francês]?
Eu acredito que sim. Nós entramos em um mundo novo. Há uma nova maneira para o indivíduo viver o espaço e o tempo e viver sua fé, se for um crente. A Igreja Católica na França tornou-se minoritária, com a eliminação de suas estruturas e de sua cultura. Ela não é mais uma referência. Podemos viver sem ela. Mas o Evangelho é sempre jovem. Ele não está confinado à instituição da Igreja. Ele continua seu curso, voltado para o futuro, além das fronteiras e fora de qualquer estrutura religiosa. É vivido em plena modernidade, embalado por mulheres e homens livres e solidários com os mais necessitados.
O Papa Francisco toma as decisões certas na luta contra os abusos sexuais, especialmente desde o encontro de Roma?
Este encontro que reuniu os presidentes das Conferências Episcopais do mundo inteiro é a primeira. Ele permitiu que os bispos ouvissem juntos os testemunhos das vítimas, testemunhos que eram fortes. Já vimos mesmo alguns murmúrios por essas histórias. Muitos puderam compreender que a pedofilia não estava restrita a determinadas regiões do mundo. Ela está em toda parte, inclusive em sua própria Igreja. Mas o discurso final do Papa me desapontou: eu esperava atos fortes que abrissem o futuro. Por exemplo, voltar ao estatuto do sacerdote. Teria sido interessante se o Papa tivesse colocado na mesa a questão do celibato dos padres. Esta é uma interrogação entre muitos cristãos e não cristãos.
O Papa recebeu-o para uma conversa pessoal em 2015. Você continua a apoiá-lo?
Eu estou completamente com o Papa Francisco, que empunha a primavera do Evangelho. Isso não me impede de criticá-lo quando tem palavras que considero infelizes: assim, a propósito do seu apoio aos bispos durante a sua viagem ao Chile, sua apreciação do “gênero”, sua reflexão sobre os homossexuais...
Por que esse Papa entrará para a história?
Ele será para mim o Papa da abertura, que derruba as fronteiras estendendo a mão aos migrantes.
Há momentos em que ele o desaponta?
Infelizmente, sim! No momento, estou desapontado ao ver que reformas substantivas ainda estão aguardando. O direito da Igreja permanece inalterado. A reforma da cúria romana ainda não está concluída.
Compreende por que ele o decepciona?
Estou tentando! Ele foi tomado de sobressalto, sem dúvida, por estes problemas de pedofilia que nunca terminam! Ele tem a preocupação pela unidade e não quer causar cisma, ele é prudente. Mas ele está no sexto ano do seu pontificado. É agora ou nunca que deve agir.
Ele é obstaculizado em sua ação por um poder gay onipresente no Vaticano, como argumenta o jornalista e pesquisador Frédéric Martel em seu livro Sodoma?
Não li este livro, mas lembro-me do título de um outro, Francisco entre os lobos. O Papa tem inimigos. Os cardeais expressam suas divergências com ele. Que Francisco possa permanecer um homem livre no Vaticano é um feito! Mas a existência de um “poder gay onipresente” no Vaticano me surpreende e me deixa perplexo.
Os reacionários estão ganhando na cúpula da Igreja?
Eu espero que não. Espero da parte de Francisco algumas iniciativas que irão surpreender. Francisco de Assis, cujo nome ele assumiu, foi um reformador radical do Evangelho.
A própria existência da Igreja Católica é ameaçada pela crise atual?
A Igreja Católica não está destinada a desaparecer, mas a renascer. As transformações que ela está experimentando preparam esse parto difícil. As brasas do Ressuscitado não se extinguem. A seiva do Espírito Santo continua a irrigar o povo de Deus. Estou feliz por viver esta época que prepara uma primavera para a Igreja.
Por que não há mais voz mais forte que leva a palavra da Igreja, especialmente na França?
Nós atravessamos uma zona de turbulências. Na França, especialmente. A palavra está ausente. Quando os coletes amarelos começaram a tomar as ruas, em novembro passado, meu desejo era que uma voz da Igreja fosse ouvida para fazer brilhar a justiça, tendo em conta a injustiça social que todos nós sofremos e as desigualdades que não param de aumentar.
Você ainda tem ressentimentos para com esta Igreja romana que o marginalizou?
Eu nunca senti ressentimento em relação à Igreja romana. Felizmente! Vive-se mal quando se tem ressentimento em seu coração. Eu sofri uma injustiça. Mas a Igreja foi capaz de abrir um caminho que me era desconhecido pelo Evangelho. Eu sou grato por isso.
Se houve uma decisão importante a ser tomada para mudar a Igreja, qual seria, do seu ponto de vista?
Eu tenho consciência de que uma decisão, por mais importante que seja, não será capaz de mudar a Igreja. Seria preciso muito... Eu me arrisco, no entanto, a propor uma. Nos países que sentem a necessidade, deveríamos ser capazes de chamar mulheres e homens de experiência, casados ou não, que têm um trabalho, para exercer um ministério na Igreja. Eu nunca fui hostil à ideia dos padres casados. Mas por que não começar por abrir esse acesso às mulheres? Essas mudanças significativas deveriam ser feitas com o acordo das comunidades e do bispo, e por um determinado tempo. Não seria mais uma questão de esperar por candidatos que se apresentassem, mas de tomar a iniciativa do chamado em função das necessidades da Igreja.
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“A Igreja é chamada a renascer”. Entrevista com Jacques Gaillot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU