06 Mai 2017
“O governo sempre procura destruir todas as instâncias que poderiam trazer mudanças. A relação entre o Papa, a Igreja venezuelana e o povo é uma delas. O modo de rompê-la é erodindo a credibilidade. Para isso, forjou a falsa ideia de um Papa que representa a esquerda e de bispos que defendem a direita. É preciso desconhecer o funcionamento hierárquico da instituição eclesiástica ou ter caído na lógica do governo para dizer que o Papa apoia o Maduro”, escreve Rafael Luciani, teólogo venezuelano, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 05-05-2017. A tradução é de André Langer.
O governo sempre procura destruir todas as instâncias que poderiam trazer mudanças. A relação entre o Papa, a Igreja venezuelana e o povo é uma delas. O modo de rompê-la é erodindo a credibilidade. Para isso, forjou a falsa ideia de um Papa que representa a esquerda e de bispos que defendem a direita. É preciso desconhecer o funcionamento hierárquico da instituição eclesiástica ou ter caído na lógica do governo para dizer que o Papa apoia o Maduro.
São várias as denúncias que o Papa fez. No dia 10 de abril de 2014: “desejo vivamente que cessem o quanto antes as violências e as hostilidades e que as lideranças políticas e institucionais não poupem esforços para favorecer a reconciliação, respeitando a verdade e a justiça”. No dia 01 de março de 2015, denunciou ao mundo a morte de Kluivert Roa, assassinado a tiros por um oficial da Polícia Bolivariana. Ele disse: “rezo pelas vítimas, particularmente pelo jovem assassinado em San Cristobal”. Em outubro de 2016, respondeu ao pedido de facilitação que lhe fizera a MUD [Mesa Unida Democrática] para participar de uma mesa de diálogo. Mas foram suas palavras de 30 de abril que causaram uma série de reações cheias de insultos, no mesmo estilo do chavismo e do castro-comunismo político.
A que o Papa se referia? O Papa não estava conclamando um novo diálogo, mas analisando o passado. O Papa disse: “houve uma intervenção da Santa Sé, mas não surtiu efeito. Não deu certo porque não..., as propostas não eram aceitas, ou se diluíam, ou era um ‘sim, sim’, mas ‘não, não’”. Esta última expressão, “sim, sim’, mas ‘não, não”, referia-se precisamente aos insultos do governo ao Vaticano quando o Papa, através do seu secretário de Estado, enviou, no dia 02 de dezembro, uma carta com quatro condições: realização de eleições, restituição da Assembleia, abertura do canal humanitário e libertação dos presos políticos. Diante do descumprimento por parte do governo destas exigências do Estado do Vaticano, a MUD retirou-se: “ao não estarem satisfeitas as demandas que a Santa Sé considerava indispensáveis, consideramos que não existem condições para restabelecer o diálogo”. Graças à facilitação do Papa ficou clara a intenção do governo e houve uma maior consciência internacional.
Tal foi o efeito internacional obtido pelo Papa que o governo não demorou em buscar formas de instaurar a divisão e disse que a carta não era do Papa, mas de Parolin: “o Papa não mandou carta alguma; quem enviou a carta foi o senhor Pietro Parolin”. Para quem não conhece a estrutura do Vaticano, a Secretaria de Estado não pode emitir nada a título pessoal. É um organismo que expressa a posição oficial do Estado Vaticano governado pelo Sumo Pontífice. Foram a estas “condições claras” que aderiram Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Peru, Paraguai e Uruguai, depois da reunião do Papa com a chanceler argentina. Embora o Tratado de Latrão obrigue a Santa Sé a manter-se afastada dos conflitos temporais, o Papa não quis deixar de denunciar o que vivemos.
No domingo, 30 de abril, o Papa denunciou ao mundo – em sua mensagem Urbi et Orbe – “a situação na Venezuela, com numerosos mortos, feridos e detidos”, defendeu os “direitos humanos” e pediu “soluções negociadas para a grave crise humanitária, social, política e econômica que atinge a população”. O Papa sempre foi coerente. Quem ganha com esta vil tentativa de desprestigiá-lo é o governo.
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O Papa, a Igreja e a Venezuela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU