05 Setembro 2018
A estudante Alicia Biel deixou de utilizar as redes sociais durante o seu acampamento como monitora nos últimos três meses. De volta às aulas, a jovem de 19 anos voltou a assistir ao noticiário católico, e o que ela havia perdido durante o acampamento a deixou brava.
A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 04-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
"Quando você diz às pessoas que é católico, a primeira coisa que falam é: 'E os escândalos sexuais?'" disse Biel, estudante da Appalachian State University em Boone, Carolina do Norte. "Eu posso defender a fé católica, mas não posso defender a Igreja Católica agora. É difícil", ressaltou Biel.
Biel tinha quatro anos quando a crise de abusos sexuais surgiu em Boston. Ela nunca conheceu uma Igreja que não fosse contaminada por esse escândalo. As notícias deste verão - sobre o ex-arcebispo de Washington Theodore McCarrick, do relatório do grande júri da Pensilvânia e agora, de alegações não comprovadas de encobrimento contra o atual Papa - colocaram a questão em primeiro plano para ela e para muitos jovens católicos.
Com pesquisas que mostram um número crescente de jovens saindo da Igreja, parece que essas revelações recentes levariam a um êxodo ainda maior. Mas, surpreendentemente, jovens católicos que conversaram com o NCR não estão desistindo.
Em vez disso, inspirados por uma eclesiologia pós-Vaticano II, eles planejam ficar e lutar pela reforma das estruturas de poder que permitiram que o abuso acontecesse e que protegiam os líderes da Igreja que tentavam encobri-lo.
Na Alvernia University em Reading, Pensilvânia - localizada na Diocese de Allentown, uma das seis dioceses que foram abordadas no relatório -, um serviço de cura estava entre os eventos de volta às aulas planejados no campus. Quatro padres nomeados pelo grande júri foram auxiliares na escola entre os anos 60 e 80, embora nenhuma das vítimas da escola tenha se manifestado ainda.
Julianne Wallace, assistente do presidente para a missão em Alvernia, entrou em contato com os líderes estudantis antes mesmo do início das aulas para verificar como eles estavam processando os detalhes sobre o abuso clerical no estado. Quando ela perguntou se isso os impedia de querer ser católico, eles enfaticamente negaram.
Um aluno disse a ela: "Sim, eu vou estar na Igreja no domingo. É onde eu sempre estive". O estudante concordou que a Igreja institucional agiu injustamente, mas queria ficar e tentar trabalhar pela mudança.
Isso não quer dizer que os jovens católicos não estejam chateados, disseram Wallace e outros jovens católicos. Eles estão, embora alguns estejam canalizando sua raiva.
No último final de semana, católicos de sete cidades do país se reuniram para manifestações ou serviços públicos de oração contra abuso sexual e encobrimento. Os eventos que atraíram participantes de todas as idades foram organizados por uma jovem de 22 anos, de Chicago.
Adrienne Alexander iniciou uma página no Facebook chamada "Catholics for Action” (Católicos em Ação, em tradução livre) depois de ir à missa para a festa da Assunção no dia 15 de agosto, um dia após a liberação do relatório do júri, e não ouviu nada sobre isso do padre da paróquia.
"Eu senti que era importante para as pessoas de fora da Igreja ver que os católicos que se sentam nos bancos todos os domingos não estão bem com isso. Eu queria que os bispos vissem que somos parte da Igreja. Fiquei muito desapontada com a primeira resposta deles", disse Alexander.
Alexander era estudante do ensino médio na Geórgia quando a crise estava centrada em Boston, no ano de 2002. "Me sinto mais responsável neste momento da minha vida", disse ela, observando que, como jovem afro-americana, ela é a única entre suas amigas ainda ligada à religião institucional. "É quase contracultural que eu vá à Igreja todos os domingos", afirmou Alexander.
No entanto, a questão da homossexualidade não é o escândalo para os jovens. Segundo Biel, os católicos mais velhos estão focados na homossexualidade e em padres gays ao falarem sobre McCarrick ou sobre detalhes de abusos cometidos por padres na Pensilvânia.
"Acho que devemos nos concentrar no fato de que estes eram estupros não consensuais e não tem nada a ver com homossexualidade", disse Biel.
O uso de termos mais explícitos como "estupro" e "molestamento" é mais comum entre os jovens que cresceram num "ambiente seguro" e foram influenciados pelo movimento #MeToo, acredita Biel. "Nós não vamos tentar aliviar chamando simplesmente de 'abuso'", disse a jovem.
De fato, a oposição dos jovens aos ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade é uma das razões pelas quais alguns deles deixam de frequentar o ambiente católico, de acordo com uma pesquisa sobre desfiliação divulgada em janeiro pela St. Mary's Press e pelo Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado (CARA, na sigla em inglês), da Universidade de Georgetown.
A crise dos abusos sexuais - surpreendentemente - não é uma das principais razões pelas quais os chamados "nones" respondem a questionamentos sobre afiliação religiosa, disse John Vitek, presidente da St. Mary's Press.
"Quando perguntamos aos líderes adultos por que acreditam que os jovens estão desfiliados, eles frequentemente supõem que o abuso sexual clerical seria uma questão importante, mas não é. Na verdade, apenas cerca de 2% dos jovens que entrevistamos articulam isso", disse Vitek.
Segundo Vitek, jovens ex-católicos mencionam "fracassos morais" ou injustiças na Igreja e que isso pode incluir bispos que encobrem crimes sexuais cometidos por padres.
A desfiliação frequentemente acontece após um acúmulo de coisas que desgastam a confiança na instituição, o que pode explicar por que as notícias deste verão são a gota d'água tanto para alguns católicos mais velhos, quanto para os mais jovens, disse Vitek.
"Embora isso possa não levar alguém a se afastar hoje em dia, faz com que eles se perguntem se essa é a comunidade com a qual querem se associar", acrescentou Vitek.
Timothy O'Malley, que leciona na Universidade de Notre Dame, concorda que, embora a crise dos abusos sexuais possa precipitar a saída formal de alguns, os católicos estavam em evidência, por divergências sobre os ensinamentos da Igreja, sexualidade, casamento e divórcio.
De fato, dos 150 estudantes em seu curso sobre o sacramento do matrimônio neste outono, apenas um mencionou num questionário que tinha dúvidas sobre a Igreja relacionadas à crise atual.
Embora seja uma amostra não representativa, os alunos de O'Malley parecem comprometidos com a Igreja. "Eles demonstram amar a Eucaristia. Estão procurando uma tradição espiritual para guiar suas vidas. Mesmo aqueles que lutam contra o ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade ainda querem orientação da riqueza teológica", disse O'Malley, diretor do Centro de Liturgia de Notre Dame, em entrevista por e-mail ao NCR.
O'Malley foi um dos 43 signatários de "An Open Letter from Young Catholics" (Carta Aberta dos Jovens Católicos, em tradução livre), publicada pela revista conservadora First Things depois que McCarrick foi removido do Colégio Cardinalício. Essa carta enfatizava o desânimo e exigia uma investigação independente de padres sexualmente ativos, abuso sexual de seminaristas e até mesmo "orgias com drogas em apartamentos do Vaticano".
Mais tarde, um grupo de jovens teólogos organizou outra declaração - assinada por mais de 5 mil católicos de todas as idades - pedindo a renúncia em massa de todos os bispos dos EUA, logo após as alegações de McCarrick e do relatório do Grande Júri da Pensilvânia.
Annie Selak, doutoranda em teologia no Boston College, assinou essa declaração, que foi concebida e compartilhada amplamente nas redes sociais, onde estão presente muitos jovens católicos.
Para Selak, o relatório da Pensilvânia foi um "ponto de ruptura", não por ser novo, mas precisamente porque sinalizava para ela que a Igreja não parece ter mudado.
"Toda a minha vida na Igreja foi marcada por saber de abusos sexuais e encobrimentos", disse Selak, observando que o padre que a batizou foi acusado 38 vezes de abuso sexual e acabou cometendo suicídio.
"É por isso que a geração mais jovem está tendo uma resposta diferente: não porque é uma informação nova, mas porque é a única história da Igreja que conhecemos", disse Selak.
Selak, de 35 anos, que agora vai batizar seu primeiro filho, percebe que os católicos mais jovens que permanecem na Igreja estão vendo este momento como um "chamado à ação".
"As pessoas mais jovens estão perguntando o que podemos fazer para garantir que isso não seja a verdadeira Igreja", completou Selak.
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Mesmo após escândalos, jovens católicos continuam lutando pela reforma da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU