25 Abril 2017
Chris Lowney é autor de “Everyone Leads: How to Revitalize the Catholic Church” (Rowman & Littlefield, 2017, sem tradução ao português), obra extremamente honesta sobre a atual crise de membresia, gestão e identidade católica, porém é simples e direto sobre o que precisamos dar em resposta: uma Igreja mais empreendedora, mais responsável em todos nos níveis.
Chris preside o conselho do Catholic Health Initiatives, um dos maiores sistemas de seguro-saúde dos EUA. Foi seminarista jesuíta, servindo como diretor administrativo da J.P. Morgan & Co. em Nova York, Tókio, Singapura e Londres até deixar a ordem religiosa em 2001. É autor, entre outros, de Liderança Heróica: As Melhores Práticas de Uma Companhia Que Há Mais de 450 Anos Vem Mudando o Mundo (Edições de Janeiro: 2015); Un mundo desaparecido (El Ateneo/Argentina: 2007); e Papa Francisco: Lecciones de Liderazgo (Ediciones Granica: 2014).
A entrevista é de Thomas Baker, publicada pela Commonweal, 19-04-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a entrevista.
Uma das coisas que você diz no livro é que a transformação nas instituições começa com um sentimento de crise, e no contexto de nossa Igreja pode ser a crise na frequência às missas, a identidade católica entre os jovens, o fechamento de paróquias ou as vocações. A lista poderia continuar. Acha que existe um sentimento de crise?
Não, não acho, não de um modo institucional amplo. Acho que a Igreja trata de evitar esse sentimento de crise por vários motivos. Em primeiro lugar, no antigo mundo bancário, havia uma única fonte da verdade, um conjunto de números com quais todos concordávamos que iríamos entender como as coisas estão. Não temos isso na Igreja. Temos um número, o número de batizados, que cresce inexoravelmente a cada ano, mas debaixo da superfície existe este nível enorme de desafios, problemas e dados que, realmente, não enxergamos.
Eu também me pergunto: se a Igreja vem sendo bombardeada com as várias crises de abuso sexual, talvez as pessoas em cargos de autoridade consideram a função delas como sendo a de fomentar a moral e só. Não digo isso num sentido pejorativo, mas talvez seja isso o que essas pessoas percebem, que é melhor para elas fazerem as pessoas se sentir encorajadas e enfatizar o lado positivo, ao invés de apontar as crises.
Existe um paralelo com o tipo de negação que acontece nas culturas corporativas, ou seria esta situação um hábito especificamente católico?
Absolutamente sim, pode acontecer em qualquer organização, e não quero dar a entender que seja algo negativo, como poderá soar, mas vemos acontecer em muitas culturas corporativas. As pessoas ouvem a história de que as coisas vão voltar a dar certo, que elas irão conseguir dar a volta por cima, que todos estão fazendo a coisa certa, e então essa história dura até que a empresa se torna literalmente insustentável.
Peguemos o exemplo da Sears [rede de lojas nos EUA], onde algo vinha “deslizando” havia alguns anos e, então, certo dia, acordamos e nos vemos numa crise profunda, porque vínhamos contando uns aos outros e ao público uma história que é um tanto plausível, porém não exatamente incorporava todos os fatos difíceis embora inegáveis. Na Igreja, podemos sustentar esse tipo de padrão por ainda mais tempo. No mundo corporativo, a cada três meses recebemos um relatório e temos de falar sobre ele, enquanto a Igreja pode deixar de lado as tendências negativas acontecerem por décadas e décadas.
A cultura do empreendedorismo que você quer incentivar na Igreja requer uma certa tolerância ao risco e, portanto, ao fracasso. Como acha que poderá vir a ocorrer uma tolerância maior por este tipo de pensamento na Igreja?
Isso tudo começa reconhecendo-se que temos alguns desafios bastante profundos, e que não possuímos respostas fáceis, coisas que sabemos irão resolver os problemas. Se as pessoas abraçarem estes dois fatos, então os próximos passos são um pouco mais fáceis de acontecer. Mas, mesmo assim, creio que as respostas mais provavelmente virão debaixo, da base da Igreja, e não do alto. As pessoas no alto da hierarquia veem, inevitavelmente, mais preocupações, motivos para não fazer as coisas, desincentivos.
A esperança que tenho, no entanto, é que elas ajudem a criar alguns pequenos bolsões de empreendedorismo que podem, em última instância, influenciar o restante da organização. E quando digo “empreendedorismo”, não fala de iniciar o próximo Facebook. Falou de coisas que uma pessoa, três pessoas, uma paróquia, poderiam assumir e tentar.
Há alguns exemplos de empreendedorismo que gostaria de ver?
Penso em iniciativas em escala menor que podem ocorrer a qualquer um de nós, do tipo: “Ei, aqui vai um desafio: obviamente nós não temos todas as respostas; por que não tentamos isto?”
Então, para ser concreto: precisamos nos tornar uma Igreja mais acolhedora, uma Igreja que estenda a mão aos que se afastaram ou que não estão interessados. Aposto que se pusermos uma dúzia de paroquianos numa sala de reuniões, e dar-lhes um problema, dentro de poucas horas sairão com ótimas ideias. Nada chique. As novas iniciativas poderiam ser coisas como fazer com que cada paroquiano convide um amigo a ajudar no sopão comunitário uma vez por semana, ou para um passeio pelos prédios da Igreja. Ou ainda lançar uma campanha para convidar ex-paroquianos e pedir-lhes um feedback. Uso este tipo simples de ideias porque quero falar que qualquer um de nós pode apresentar boas ideias; apenas precisamos ser convidados.
Precisamos realmente de ideias que necessitariam de habilidades mais especializadas também. Por exemplo, como Igreja estamos bem atrasados nas mídias sociais e em apuros com respeito ao envolvimento dos jovens adultos. Suspeito que são estes próprios jovens quem tem a chave para resolver nossos desafios. E se convidássemos jovens católicos propensos à tecnologia a se juntarem para lançar ideias nas mídias sociais ou outros aplicativos que podem ajudar em nossa missão, especialmente com respeito aos demais jovens? Poderíamos identificar as melhores ideias, cidade por cidade, e talvez em seguida até mesmo propor uma competição “empreendedora” nacional onde as três principais ideias fossem identificadas e recebessem um financiamento inicial.
O que na cultura eclesial dificulta este pensamento empreendedor?
Uma coisa é que o trabalho, por exemplo, de bispo põe a pessoa num papel de guardiã das verdades, de mantenedor da instituição. Isso não cai bem ao lado da expectativa de que precisamos correr riscos nas nossas dioceses para que possamos fazer um trabalho melhor junto aos pobres, ou para atrair os jovens, quaisquer que sejam os objetivos. Em certo sentido, temos aqui papéis separados: saber o que é doutrinariamente verdadeiro ou falso está separado de ser mais criativo ou imaginativo em nossas paróquias. Não acho que é fácil para uma única pessoa mudar de uma forma de pensar para outra. E perfeitamente entendo o medo de que, se houver muita criatividade ou empreendedorismo, então as pessoas começarão a caminhar do lado de fora dos trilhos da guarda doutrinal. Mas isso não pode servir de desculpa a vida inteira. Eis um problema cultural que precisamos superar se quisermos que a Igreja cresça plenamente.
Em certo sentido, a Igreja é como qualquer outra grande corporação. Nos primórdios, seja nos primeiros anos da Igreja, seja nos primeiros anos da Microsoft, vemos todo tipo de criatividade, inovação, invenção, pessoas não tendo nada a perder, elas estão tentando descobrir o que funciona. Então, você acorda e tem um vasto empreendimento, e é bem difícil quando se tem todo o tipo de prédios, estruturas e hierarquias, etc., para dar conta destes impulsos criativos que lhe ajudaram a alcançar este mesmo sucesso em primeiro lugar.
Como Igreja, temos de descobrir uma saída. Nas grandes empresas, às vezes se diz: vamos aceitar o fato que é assim como as coisas são, então tentaremos criar algo um pouco diferente onde podemos fazer experimentos, porque aceitamos que ideias novas puras não surgirão nem sobreviverão a 15 camadas de hierarquia. Portanto vamos identificar alguns caras que têm esse gene, e dar-lhes uma salinha para gerir e tentar nutrir certas ideias. Se dermos um mínimo de permissão, isso vai acontecer.
Que passos concretos as dioceses e organizações católicas poderiam dar?
Uma pergunta que às vezes me faço é por que a Igreja não reserva fundos especificamente para semear novas ideias. Grande parte do nosso dinheiro tende a ir para prédios físicos literalmente, ou para paróquias, programas e escolas, e nada temos que seja explicitamente dedicado a novas aventuras de todos os tipos, coisas que ajudariam as paróquias na educação, na catequese. Por que não juntamos um dinheiro em um fundo nacional, disponível para financiar boas ideias? Poderíamos ver até mesmo competições, da mesma forma que faz o mundo corporativo. Solicitemos boas ideias, busquemos pessoas que realmente querem que a Igreja aposte nelas. Vamos dar a elas um financiamento inicial e ver o que acontece.
Eu diria também que muito do que a Igreja precisa não custa dinheiro. Nem sempre vai ter custos tornar uma paróquia ser mais acolhedora. Mas é preciso a disposição em mudar várias das nossas suposições.
Hoje, quando as pessoas pensam sobre a administração da Igreja, frequentemente pensam nos processos de consolidação paroquial, escolar, que acontecem em muitas dioceses. Como gerar ideias para o crescimento quando grande parte da energia vai para os processos de contração?
Algo que sei que torna o processo inteiro pior é quando os fechamentos parecem continuar em ondas, sem nunca ter um fim. A solução básica seria tirar do caminho as más notícias e dizer que, a partir de agora, nos voltaremos para o futuro. Por algum motivo, isso não parece ser uma opção muito disponível na Igreja.
Este processo prolongado de fechamento cria mais ainda a necessidade de iniciativas reais, a que as pessoas podem traçar relações e achar que, sim, elas podem ver um futuro positivo, que a Igreja vai virar a página, que depois destes fechamentos outras coisas serão feitas.
Faço parte do conselho de um sistema de seguro-saúde. E na vida corporativa temos um mantra: Você não pode se tornar canibal em nome da riqueza. Poderá precisar cortar gastos, seja fechando fábricas ou paróquias, mas só isso não resolve o problema, independentemente do que ele venha a ser. Pode ser essencial ter o controle dos gastos, mas presumivelmente existem motivos pelos quais precisou fechar aquelas coisas, e a menos que resolva o problema subjacente, e a menos que haja esperança, há de ter uma estratégia construtiva para fazer as coisas no futuro de uma forma diferente. Para mim é muito raro que uma redução nos custos resolva um problema em si só.
Algumas das novas igrejas evangélicas, mesmo quando se tornam grandes, tentam preservar algumas das melhores características de uma igreja pequena. Fico me perguntando se os católicos serão tão imaginativos. Se a realidade infeliz é que algumas das nossas paróquias irão fechar, e teremos paróquias e conjuntos de paróquias cada vez maiores, poderemos também viver um novo tipo de experiência paroquial que combine o melhor do grande e do pequeno? Ou vamos simplesmente fingir que a nova paróquia é a mesma que a antiga. Para mim, essa não será uma estratégia vencedora.
No livro, você aponta para a energia hierárquica que foi dada à Nova Evangelização como um projeto organizador para a Igreja. Houve congressos, livros e muitas ideias produzidas sobre como promovê-la. E, no entanto, muito pouco aconteceu. O que acha que falhou aqui?
Tive uma educação católica clássica, irlandesa, estudei em escolas católicas, depois em faculdade católica. Portanto, tenho a minha própria história demográfica católica, e em geral os meus amigos têm boa formação, alguns ainda frequentam a igreja, alguns não. Se eu mencionar a Nova Evangelização a eles, mesmo muitas das pessoas que vão regularmente à igreja não sabem do que se trata, ou se conhecem a expressão certamente desconhecem o que deveriam fazer. Mas, se eu disser, como vão os seus filhos, mais da metade das vezes eles não mais vão à igreja e os pais se sentem realmente desencorajados, veem um problema e querem saber o que poderia ser feito.
O conceito de uma Nova Evangelização pode significar nada para eles – mas “o meu filho”, isso significa muito. O que estou querendo dizer é que impulsos como estes seriam muito mais bem-sucedidos se fôssemos um pouco menos críticos. Da forma como foi lançada, a Nova Evangelização me pareceu demasiado fechada. Poderíamos ter, ao invés disso, apenas falado como seres humanos sobre como nos sentimos a respeito dos filhos, dos nossos vizinhos, do fato de que a viabilidade da nossa comunidade está em questão. Temos de aprender a falar sobre esses temas de um modo que me faça me preocupar com as pessoas que conheço, com a minha própria igreja, com a minha paróquia. Então, as próprias pessoas viriam com ideias de ação.
Você ainda está otimista quanto às oportunidades de a Igreja encontrar soluções criativas para alguns dos desafios que enfrenta?
Quanto mais tempo passo na Igreja, mais tenho certeza de que existem muitíssimas pessoas dedicadas, com muita boa vontade, pessoas talentosas que, em suas vidas profissionais, resolvem muitos problemas, que sabem lidar com desafios difíceis e descobrem uma saída para eles.
Para mim, o problema seria cem vezes pior se elas tivessem apagado de suas vidas a Igreja, se não quisessem conhecer, se não houvesse pessoas a quem recorrer. Mas acontece exatamente o oposto: existem tais pessoas. Temos de achar um modo em nossa vida organizacional de sair do caminho delas, limpar o lugar a ser percorrido para encontrar mais destas pessoas, e empoderá-las.
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Por que precisamos de uma Igreja empreendedora. Entrevista com Chris Lowney - Instituto Humanitas Unisinos - IHU