A violência do país não será resolvida com o aprisionamento de adolescentes e jovens

  • Sexta, 7 de Dezembro de 2018

A PEC 33/2012 está na mira do presidente eleito, Jair Bolsonaro. A proposta aponta alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Entre elas, a proposição da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O Observatório da realidade e das políticas públicas do Vale do Rio dos Sinos - ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, entende necessária a análise das realidades implicadas a esta medida, em vista de justificar posicionamentos. A partir dessa realidade, sistematizou dados do panorama do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul, programas que buscam a integração, reintegração e ressocialização de vários jovens e adolescentes em conflito com a lei. Além disso, entrevistamos a representante da Unisinos no Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Profa. Dra. Rosangela Barbiani para entender quais os impactos que tal medida pode causar na realidade destes jovens.

O número de adolescentes e jovens no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo em 2016 era de 26.450, segundo os dados do Ministério dos Direitos Humanos. A população atendida pelo sistema no Rio Grande do Sul representava 5% do total nacional, ou seja, 1.348 jovens e adolescentes, ficando na quinta colocação entre as demais unidades federativas. São Paulo, o primeiro colocado, possuía 9.572 jovens e adolescentes em atendimento, representando 36% do total. De todos acolhimentos feitos no país, 47% eram relacionados a roubo, 22% ao tráfico, 10% a homicídio e 3% relativos a crimes de furto. Para o estado gaúcho, dos 1.348 jovens atendidos, 50,2% estavam relacionados aos crimes de roubo, 7% ao tráfico, 17% a homicídios, 10% relativos a tentativas de homicídio e apenas 1% acolhidos por crimes de furto. 

A população de jovens e adolescentes da região Sul que participaram do programa em 2016 representava 10% do total nacional, e os jovens acolhidos no estado do Rio Grande do Sul, sozinho, representavam 53% da região Sul, conforme se observa nos infográficos abaixo.

InfográficoTotal de adolescentes e jovens no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo por UF (2016)

InfográficoTotal de adolescentes e jovens no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo na Região Sul (2016)

InfográficoNúmero de jovens e adolescentes por atos infracionais no Brasil e RS (2016)

Em entrevista ao Observasinos, Profa. Dra Rosangela Barbiani do Programa de Pós Graduação de Enfermagem e Curso de Serviço Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos se posicionou em relação às possíveis implicações da diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos, mencionando que “as instâncias responsáveis pela construção, deliberação e controle das políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente em todos os níveis, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda  e o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Rio Grande do Sul - Cedica-RS, vêm, há anos, publicamente manifestando sua posição contrária a qualquer iniciativa legislativa que vise a redução da idade penal ou ampliação do tempo de cumprimento da medida socioeducativa de internação, tendo em vista os impactos deletérios que tais mudanças podem acarretar para todo o tecido social.

Entre os principais impactos, destaca-se a exposição do adolescente à convivência com adultos no sistema penitenciário, aumentando sobremaneira sua vulnerabilidade a todo tipo de cooptação e violência dentro e fora do sistema. Ademais, considerando que a raiz da violência está na crescente ocupação dos territórios vulneráveis pelo crime organizado, se reduzida a idade penal, o risco de adolescentes e jovens pobres serem aliciados e recrutados cada vez mais cedo é iminente. 

Portanto, diante da fragilidade da proteção familiar, comunitária e da falta de políticas públicas que garantam direitos sociais básicos de adolescentes e jovens, reduzir a idade penal é tornar ainda mais desprotegidos aqueles que deveriam ser prioridade absoluta de cuidado da sociedade e do Estado”.

Para os dados até 04 de setembro deste ano, o Rio Grande do Sul contabilizou 1.307 jovens acolhidos, isto é, 41 a menos que no ano de 2016, sendo 25,7% com idade entre 12-16 anos, 32,7% com 17 anos e 41,7% entre 18-20 anos. Em relação à escolaridade, destacam-se 23% dos jovens e adolescentes com o 7º ano do ensino fundamental, 20% com o 6º ano, 14% com o 8º ano, 13% com o 1º ano do ensino médio e 10% com o 5º ano do ensino fundamental.

InfográficoFaixa etária da população de jovens atendidos pelas unidades socioeducativas do RS (2018)

InfográficoEscolaridade dos jovens e adolescentes acolhidos pelas unidades socioeducativas do RS (2018)

No ano de 2016, o estado sul-rio-grandense registrava 23 das 477 unidades de atendimento socioeducativo espalhadas pelo Brasil, representando 4,8% do total nacional. Dessas 23 unidades, 21 eram exclusivamente masculinas e apenas 2 exclusivamente femininas. 

Em confronto com os dados expostos, a professora frisa a importância do sistema socioeducativo e acrescenta que “no Brasil, o atendimento dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas é regulado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - Sinase (Lei 12.594/2012), ainda em fase de consolidação. Tem como eixo central o processo socioeducativo e de inserção social do adolescente, no seu contexto familiar e comunitário, visando o fortalecimento dos vínculos familiares, em geral já rompidos, a inserção comunitária e a ressignificação de valores. O sistema de responsabilização especial aplicado aos adolescentes é diferente em razão de sua condição peculiar de desenvolvimento físico e psíquico e de sua maior vulnerabilidade. Este tratamento diferenciado aos adolescentes segue diretrizes internacionais e nacional (por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) cuja doutrina da proteção integral os reconhece como sujeitos de direitos inerentes à pessoa humana. Assim sendo, as medidas de responsabilização pelos atos infracionais têm caráter pedagógico e representam o compromisso da sociedade e do estado em oportunizar o desenvolvimento integral do adolescente, a educação para a vida em sociedade e a superação das circunstâncias que o levaram a cometer o ato infracional”.

InfográficoNúmero de unidades de atendimento socioeducativo no Brasil (2016)

A Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul - Fase acolhe hoje em suas unidades da capital cerca de 581 jovens em conflito com a lei, apesar de sua capacidade ser de apenas 436 jovens e adolescentes. A unidade de acolhimento POA I recebe destaque pelo maior número de jovens que a sua capacidade – são 79 a mais; logo, as instalações que foram planejadas para atender 62 jovens, hoje possuem 141. A unidade de Novo Hamburgo também atende mais jovens que sua capacidade, 79; isto é, são 169 acolhidos, sendo que os prédios são projetados para 90 jovens e adolescentes.

Em relação às informações sobre o programa socioeducativo da Fase, a professora complementa que “os dados da Pesquisa de Indicadores de Saúde de Adolescentes no RS-PISA, ligada ao PPG Enfermagem Unisinos, indicam que há mais de uma década São Leopoldo é o município com a maior proporção de adolescentes e jovens em regime de privação e restrição de liberdade na Fase. Em 2016, seus índices superaram até mesmo o município de Porto Alegre. Enquanto a capital do Estado alcançou a taxa de 25,76 internados por 100.000 habitantes, em São Leopoldo esse índice foi de 39,70”.

InfográficoUnidades de atendimento socioeducativo de Porto Alegre (2018)

InfográficoNúmero de Internos na unidade de atendimento socioeducativo de Novo Hamburgo (2018)

Por fim, a Profa. Dra. Rosangela enfatiza que “o encarceramento de adolescentes e jovens não solucionará a violência do país, cujas raízes encontram-se na histórica desigualdade social que aniquila com as possibilidades de vida digna e ascensão social da maioria da população brasileira, sobretudo a jovem. Portanto, soluções simplistas como a redução da idade penal representam uma dupla e grave violação dos direitos humanos e apenas reforçam a criminalização da pobreza. Esforços deveriam ser dirigidos à qualificação do sistema socioeducativo, tanto no sentido de prover condições dignas ao trabalho da socioeducação e a seus trabalhadores, quanto na organização logística e funcional das unidades socioeducativas, quanto às condições dignas de atendimento aos socioeducandos, conforme as diretrizes do Sinase”.