16 Abril 2019
"A Igreja em saída deve ir ao encontro dos excluídos e buscar restituir-lhes a dignidade de filhos de Deus, que em virtude de um sistema de exclusão acabam sendo incorporados a uma nova e triste categoria, a dos “sobrantes”. Esta categoria simplesmente é composta por aqueles que acabam escapando pelo ralo da atual sociedade, nega-se assim a sua primazia de ser humano", escreve Fábio Pereira Feitosa, historiador especialista em Comunicação.
O ano era 2013 e o mundo assistia atônito à renúncia papal de Bento XVI, primeiro Papa a renunciar após Gregório XII em 1415. O contexto pós renúncia papal foi caracterizado pela instauração de um clima de suspense, de incertezas e pela formulação das mais variadas hipóteses sobre os rumos da Igreja Católica.
Diante da inédita renúncia, a primeira medida a ser tomada foi a convocação dos cardeais, para assim dar início ao Conclave, responsável pela escolha de um novo Papa. As atenções do mundo se voltaram para a Capela Cistina, na qual os cardeais estavam reunidos, buscando encontrar o novo sucessor de Pedro.
A praça de São Pedro estava completamente lotada na noite do dia 13 de março de 2013, quando às 19:06 do horário local, a multidão ouviu os sinos e viu a fumaça branca, que juntos anunciavam ao mundo a escolha de um novo Papa. A Cátedra de Pedro já não estava mais vaga, um novo Pontífice estava prestes assumi-la.
Diante das badaladas e da fumaça, o centro das atenções deslocou-se da Capela Cistina para a sacada da Basílica de São Pedro, na qual o Cardeal protodiácono Jean Louis Tauran com a tradicional e tão esperada expressão “Habemus Papa” iria anunciar o nome do novo Bispo de Roma. Mas, ninguém imaginava o que estava por vir, o novo Papa era o cardeal argentino Jorge Mário Bergoglio, agora Papa Francisco.
Francisco assumiu o seu pontificado já entrando para a História, considerando ser ele o primeiro Papa de origem latino-americana e o primeiro a substituir um Papa ainda vivo. Todavia, estas não foram as únicas novidades trazidas por ele, considerando que a escolha de seu nome constituiu-se em uma inovação no léxico papal. Diante desta última novidade, uma pergunta veio à mente dos que acompanhavam o emocionante anúncio e apresentação do novo Pontífice: “O que a escolha deste nome representaria de forma efetiva para os rumos da Igreja naquele momento tão conturbado?”. Seria o retorno efetivo a uma Igreja pobre para os pobres? Significaria uma Igreja mais engajada nas questões ambientais? Poderia ser ainda um retorno ao aggiornamento iniciado por João XXIII ou quem sabe representaria todas estas questões e tantas outras que poderiam ser resumidas em uma frase dita a um outro Francisco: “Francisco, reconstrói a minha Igreja!”.
Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco evidenciou que este teria entre suas características principais: a simplicidade, a sobriedade, o diálogo com o mundo, o cuidado com os mais pobres. Em suma, Francisco indicava que sob a sua gestão a Igreja retornaria às suas origens evangélicas e assim trilharia uma nova fase na evangelização, cuja consequência principal seria uma Igreja em saída, tal como ficou claro na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium.
A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, foi o primeiro documento desta natureza escrito pelo Papa Francisco. Este documento surgiu como resposta ao pedido dos Padres Sinodais reunidos na XIII Assembleia Ordinária, realizada em Roma, cujo tema foi: “A nova evangelização para a transmissão da fé”.
A primeira exortação papal teve como base doutrinal a Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio Ecumênico Vaticano II e apresenta diretrizes práticas que objetivam orientar e incentivar pastoralmente uma nova etapa na ação evangelizadora, bem como orientar os novos rumos da Igreja.
Anteriormente afirmamos que uma das características do Papa Francisco era o diálogo, pois bem, podemos afirmar que a sua primeira exortação se constitui em um grande diálogo, não apenas com os católicos, mas com todo o povo de Deus: “A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém; assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém: “Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo”. (Lc 2,10) . A Evangelii Gaudium encontra-se dividida em 5 capítulos e trata das seguintes questões: A reforma da Igreja em saída missionária; as tentações dos agentes pastorais; a Igreja vista como a totalidade do povo de Deus que evangeliza; a homilia e a sua preparação; a inclusão social dos pobres; a paz e o diálogo social e as motivações espirituais para o compromisso missionário. Todo o texto é permeado por um profundo diálogo com o povo de Deus, esta comunhão acaba sendo legitimada pela Constituição Dogmática do Concílio Ecumênico Vaticano II:
Por múltiplas razões a Igreja reconhece-se unida aos batizados que se honram do nome de cristãos, mas não professam integralmente a fé, ou não mantêm a unidade de comunhão sob o sucessor de Pedro. Há muitos que veneram a Sagrada Escritura como norma de fé e vida, manifestam sincero zelo religioso, creem de todo coração em Deus-Pai Onipotente e Cristo Filho de Deus e Salvador, são marcados pelo batismo que os une a Cristo e admitem mesmo outros sacramentos e recebem-nos nas suas Igrejas próprias ou nas suas comunidades eclesiais. (...) A isto se junta ainda a comunhão de orações e benefícios espirituais (...) Assim, o Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e ação, para que todos, do modo estabelecido por Cristo, unam-se pacificamente, num só rebanho, sob um único Pastor .
A Francisco de Assis foi pedido “Reconstrói a minha Igreja”, tal pedido também é feito à Francisco, o Bispo de Roma, o Papa da Alegria. A reconstrução da Igreja encampada outrora por Papas como João XXIII e Paulo VI e agora retomada por Francisco, nada mais é que um retorno às origens evangélicas desta instituição. Talvez essa seja a grande dificuldade para obter a adesão de alguns setores conservadores da Igreja que fazem ferrenha oposição ao projeto de uma Igreja em saída, bem como ao Papa Francisco.
O dinamismo da Igreja em saída, como relembra o Papa Francisco, é algo presente e que perpassa a história da salvação: Abraão aceitou o chamado para partir rumo a uma nova terra (cf. Gn 12,1-3). Moisés ouviu a chamada de Deus: “Vai, eu te envio” (Ex 3,10), e fez sair o povo para a terra prometida (cf. Ex 3,17). A Jeremias disse: “Irás aonde Eu te enviar” (Jr 1,7). Naquele ide de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja.
Ele adverte-nos:
Naquele “ide” de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova “saída” missionária. Cada cristão e casa comunidade há de discernir qual é o caminho que o senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam do Evangelho.
Neste sentido, nós enquanto cristãos construtores do Reino, devemos atualizar o “Ide” dito por Jesus aos seus discípulos e como tal irmos de fato ao encontro dos que hoje estão nas periferias físicas e existências do mundo para evangelizar e assim sermos fiéis ao Cristo.
A Igreja em saída implica em uma conversão pastoral, a partir da qual teremos agentes de pastorais, membros do clero, bem como a própria estrutura da Igreja aberta à docilidade do Espírito Santo e como tal, ela será cada vez mais dinâmica, criativa e atenta aos sinais dos tempos e aos clamores do povo, assim teremos uma Igreja servidora dos pobres.
O Papa Francisco, pode ser visto como um exemplo de abertura à docilidade do Espírito Santo, que lhe faz entender os sinais dos tempos e ouvir os clamores do povo. Ao analisar a atual cenário mundial, ele percebe a relação desproporcional entre o nível de desenvolvimento tecnológico, as novas formas de poder e o desenvolvimento humano. Partindo desta percepção ele afirma:
Hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”. Essa economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso engole o mais fraco. Em consequência dessa situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída.
O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável’, que aliás, chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.
A Igreja em saída deve ir ao encontro dos excluídos e buscar restituir-lhes a dignidade de filhos de Deus, que em virtude de um sistema de exclusão acabam sendo incorporados a uma nova e triste categoria, a dos “sobrantes”. Esta categoria simplesmente é composta por aqueles que acabam escapando pelo ralo da atual sociedade, nega-se assim a sua primazia de ser humano.
A Igreja em saída; a Igreja reconstruída e que tem Cristo como cabeça e Francisco como o seu líder busca restituir a dignidade dos seus filhos e nos convoca a sermos também agentes ativos neste processo e como tal sermos Igreja em saída.
Referências
Constituição Dogmática Lumen Gentim. Paulinas: São Paulo, 2012.
Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Edições Loyola: São Paulo, 2013.
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“Francisco, Reconstrói a minha Igreja” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU