Com mais de 1.500 assinaturas, Padres da Caminhada relançam mensagem de apoio à Carta ao Povo de Deus dos bispos

Foto: Bruno Kelli | Amazônia Real

04 Agosto 2020

A festa de São João Maria Vianney, padroeiro dos padres, tem sido ocasião para os Padres da Caminhada relançarem a Carta de Apoio aos bispos que assinaram a Carta ao Povo de Deus, que deve ser discutida amanhã, 5 de agosto, na reunião do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do BrasilCNBB.

 

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

 

O relançamento da carta, que somou quase 500 assinaturas a mais desde que foi lançada no dia 30 de julho, está acompanhada de uma reflexão sobre a identidade presbiteral, tendo como referência o Magistério do Vaticano II, das conferências do episcopado latino-americano e dos três últimos Papas, João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Os Padres da Caminhada fazem uma reflexão tendo como base aqueles documentos que enfatizam uma Igreja Povo de Deus, a fraternidade presbiteral, a necessidade de estar atentos aos sinais dos tempos, com uma vida fundamentada na Palavra e na Eucaristia.

 

Junto com isso, não esquecem a importância da caminhada e da reflexão da Igreja latino-americana, especialmente no que faz referência à opção preferencial pelos pobres, uma ideia reforçada pelos três últimos Papas, destacando a importância da Evangelii Gaudium nessa proposta de uma Igreja pobre para os pobres. Sabendo que não são maioria, os Padres da Caminhada pretendem “ser um sinal no meio da Igreja e da sociedade”, reafirmando seu apoio aos bispos que assinaram a Carta ao Povo de Deus, em um país que se parece a um avião sem piloto.

 

Padres da Caminhada

 

Relançamento da Carta de apoio aos bispos que assinaram a Carta ao Povo de Deus.

 

Neste dia do padroeiro dos padres, São João Maria Vianney – o Cura de Ars – nós, padres da caminhada reassumimos o nosso compromisso de seguidores daquele que, na cruz, deu sua vida pelo povo, testemunhando ser o verdadeiro sacerdote, altar e cordeiro.

 

Esta data nos leva a refletir sobre a nossa identidade, não apenas individual, mas sobretudo como corpo presbiteral, pois como afirmou São João Paulo II: “O ministério ordenado tem uma radical forma comunitária e pode apenas ser assumido como obra coletiva” (PDV, 17). Nesta perspectiva, nos lembramos hoje que somos presbíteros na perspectiva do Concílio Vaticano II.

 

Padres da Lumen Gentium que tão bem definiu a Igreja como Povo de Deus, onde não há, pois, em Cristo e na Igreja, nenhuma desigualdade em vista de raça ou nação, condição social ou sexo; e reina, entre todos, verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo (LG 32).

 

Diretamente aos padres, a Lumen Gentium afirma: “Em virtude da comum ordenação sacra e missão, todos os presbíteros estão unidos entre si por íntima fraternidade, que espontânea e livremente se manifesta no mútuo auxílio, tanto espiritual como material, tanto pastoral como pessoal, em reuniões e comunhão de vida, trabalho e caridade (LG 28).

 

Somos presbíteros também na ótica da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, quando fazemos nossas as alegrias e esperanças, tristezas e angústias do povo, sobretudo dos pobres e dos que sofrem (GS 1).

 

Também da Gaudium et Spes assumimos o dever de sermos vigilantes perscrutadores dos sinais dos tempos, para podermos conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática (GS 4).

 

Essa constituição também nos alertou para que nunca separássemos e vida cotidiana, dizendo de maneira tão forte que ao negligenciar os nossos deveres em relação ao mundo, estaríamos negligenciando os nossos deveres com o próximo e próprio Deus e colocando em perigo a nossa salvação eterna (cf. GS 43).

 

Somos presbíteros também segundo a Palavra de Deus como afirma a Constituição Dogmática Dei Verbum, que nos diz que “a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor, já que, principalmente na Sagrada Liturgia, sem cessar toma da mesa tanto da Palavra de Deus quanto do corpo do Cristo o pão da vida, e o distribui aos fiéis” (DV 21).

 

Portanto, somos igualmente homens dos dois pães: do corpo de Cristo como também da Palavra de Deus. Sabedores de que “a liturgia é o cume para o qual tende a ação, da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força” (SC 10), temos consciência de que é daí que recebemos nossa inspiração para a totalidade de nossa vida. Homens das duas mesas: a da Palavra e da Eucaristia, sem separação alguma dentre elas.

 

Somos presbíteros em profunda comunhão com a caminhada de nossos bispos latino-americanos e caribenhos que constantemente reafirmam a eclesiologia do Concílio Vaticano II, por meio de suas Conferências Continentais.

 

De Medellín recebemos a inspiração por uma vida vivida em comunhão, fomentando comunidades que tenham uma dimensão tal que permita o trato pessoal fraterno entre seus membros. Essas comunidades, chamadas por Medellín de comunidades cristãs de base, são “o primeiro e fundamental núcleo eclesial”. E também são “célula inicial de estruturação eclesial e foco de evangelização e atualmente fator primordial de promoção humana e desenvolvimento” (Medellín 15, 10).

 

Com Puebla reforçamos a nossa clara e profética opção preferencial e solidária pelos pobres (Puebla 1134), palavras essas reforçadas por Santo Domingo, que em suas linhas pastorais, nos lembra de que os pobres são empobrecidos por um sistema de corte neoliberal que predomina em nosso Continente.

 

Santo Domingo constata que “o crescente empobrecimento a que estão submetidos milhões de irmãos nossos, que chega a intoleráveis extremos de miséria, é o mais devastador e humilhante flagelo que vive a América Latina e Caribe” (SD 179). Frente a isso, a IV Conferência dos Bispos diz vivamente que é preciso: “Assumir com decisão renovada a evangélica opção preferencial pelos pobres, seguindo o exemplo e as palavras do Senhor Jesus, com plena confiança em Deus, austeridade de vida e partilha de bens” (SD 180).

 

Essa opção foi ainda reforçada pelas palavras de São João Paulo II: “É certo que ninguém pode ser excluído do nosso amor, uma vez que, pela sua encarnação, ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem; mas, segundo as palavras inequívocas do Evangelho [...], há na pessoa dos pobres uma especial presença de Cristo, obrigando a Igreja a uma opção preferencial por eles (NMI 49). E o Papa Bento XVI também afirmou, em seu discurso de abertura à Conferência de Aparecida: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (Papa Bento XVI).

 

Hoje, vemos reafirmada toda essa caminhada de presbíteros do Concílio Vaticano II e das Conferências dos bispos latino-americanos e caribenhos no pontificado do Papa Francisco. Este Papa que veio do fim do mundo e começa seu ministério como sucessor de Pedro, dizendo: “Quero uma Igreja pobre para os pobres”.

 

Na mais genuína eclesiologia conciliar, o Papa Francisco afirma: “A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados” (EG 102). Assim entendemos o nosso ministério presbiteral: uma minoria a serviço de uma maioria de leigos e leigas, sobretudo de pobres, como afirma Francisco: “Deriva da nossa fé em Cristo, que se fez pobre e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade” (EG 186). Ele ainda nos alerta: “A própria beleza do Evangelho nem sempre a conseguimos manifestar adequadamente, mas há um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora” (EG 195).

 

Somos Padres da Caminhada com essa identidade bem definida. Sabemos que no meio do clero do nosso país não somos a maioria, mas queremos ser um sinal no meio da Igreja e da sociedade, como aqueles que, mesmo reconhecendo suas fragilidades, insistem em ser, do seu jeito, seguidores do Mestre Jesus. Temos consciência de que um discípulo não é maior do que o mestre, nem o servo está acima do seu Senhor (Mt 10,24), por isso, queremos reafirmar nossa disposição de também, a exemplo do Cristo, darmos a nossa vida, para que os pobres tenham vida digna, ainda que pobres.

 

Hoje, relançamos a carta de apoio à Carta ao Povo de Deus, publicada pelos Bispos do Brasil, onde manifestam sua indignação pela situação do nosso país, que mais se parece a um avião sem piloto, sofrendo inúmeras turbulências, jogando seu povo pela janela sem paraquedas, que já ultrapassam o número de 94 mil.

 

Solidários com a carta dos bispos, somos mais que mil e quinhentos padres, pois depois da primeira edição, continuamos recebendo adesões de mais irmãos. Continuamos na caminhada, seguindo as pegadas do Mestre de Nazaré.

 

04 de agosto de 2020

 

Eis a lista das assinaturas

 

A íntegra da lista com as assinaturas da carta pode ser acessada aqui.

 

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