Por que obrigar o clero a denunciar os abusos não vai resolver a crise. Artigo de Thomas Reese

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16 Janeiro 2019

“O sigilo da confissão é abrangente. Um padre não pode divulgar quem estava ou não no confessionário, o que foi dito ou o que não foi dito. Assim, se um padre fosse levado ao tribunal, ele não poderia testemunhar que o acusado havia mencionado o abuso na confissão; ele sequer poderia negar que ouviu a confissão do acusado. Basicamente, ele não pode dizer nada. Ele não tem utilidade para a promotoria ou para a defesa.”

O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 15-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O desejo de proteger as crianças dos abusos, tanto sexuais quanto físicos, levou muitos Estados a designarem certas classes de pessoas como denunciantes obrigatórios, até mesmo ameaçando-as com a pena de prisão, caso não denunciassem os abusos.

Essas leis variam de Estado para Estado em termos de quem são listados como denunciantes obrigatórios e o que eles devem denunciar. Os denunciantes obrigatórios já incluíram professores, enfermeiros, médicos, funcionários da assistência infantil e policiais. Até mesmo psicólogos e psiquiatras, que normalmente devem respeitar a confidencialidade daquilo que lhes é dito pelos seus pacientes, às vezes entraram no pacote.

Por causa do fracasso dos bispos católicos no passado em denunciar os padres abusivos às autoridades, os Estados agora também incluem o clero católico como denunciantes obrigatórios.

A maioria dos bispos não se opõe a obrigar os clérigos católicos a denunciarem, exceto quando se trata daquilo que um padre ouve no sacramento da confissão. Durante séculos, a lei da Igreja proibiu os padres de romperem o sigilo da confissão para revelar o que ouviram no confessionário. Romper o sigilo é considerado um pecado grave, que não pode ser perdoado por um padre ou bispo comum, mas está reservado a um tribunal vaticano conhecido como Penitenciária Apostólica.

Essa confidencialidade da confissão foi respeitada pelas nações ocidentais durante séculos, considerando-a em pé de igualdade com o sigilo da relação entre advogado e cliente. Observe-se que nenhum Estado está propondo que os advogados sejam denunciantes obrigatórios daquilo que ficaram sabendo sobre os abusos sexuais de seus clientes.

A confidencialidade da confissão é central no filme de Alfred Hitchcock, "I Confess" de 1953, em que um padre é acusado de assassinato e não pode usar as informações que recebeu na confissão para se defender. Mais recentemente, o filme irlandês "Calvário", de 2014, apresenta um penitente que conta ao padre que ele vai matá-lo. O central em ambos os filmes é o ensinamento católico de que um padre deve morrer ao invés de revelar o que ouve na confissão.

Se os Estados não isentarem a confissão de acordo com as regras de denúncia obrigatória, os padres terão que ir para a prisão, em vez de divulgar o que ouviram na confissão.

Enquadrar a confissão em regras de denúncia obrigatória teria pouco efeito, mesmo se os padres denunciassem. Poucos confessariam tal pecado se pensassem que suas confidências não estão seguras. Muitos pedófilos, de qualquer maneira, são tão delirantes que acham que o que estão fazendo não é errado e, portanto, não o confessam.

Por fim, não é frequente que um padre possa identificar quem está se confessando com ele. Um penitente poderia encontrar um padre que não o conhece e confessar em um confessionário onde há uma tela opaca entre ele e o padre, o que garantiria o anonimato.

Muitos não católicos pensam na confissão como um bilhete para sair da prisão: faça aquilo que quiser; confesse-o; e faça isso de novo. Isso projeta visões de chefes do narcotráfico se confessando regularmente, enquanto continuam gerindo seus negócios criminosos.

De fato, para o perdão, a confissão católica exige “firme propósito de emenda”, um sincero esforço para não pecar novamente. Para o abusador sexual, isso não significa nada de perdão se ele não parar. Se for um comportamento compulsivo, ele deve fazer tudo para parar, mesmo que isso signifique se entregar às autoridades.

O mais difícil é o caso de uma vítima que conta a um confessor sobre o abuso. A vítima obviamente não é uma pecadora, mas o sigilo da confissão ainda cobre tudo o que é dito. Aqui o padre deve encorajar a criança a contar ao pai ou mãe, professor, conselheiro, policial ou até mesmo a repetir a história ao padre fora da confissão. Isso garante que algo seja feito para proteger a criança.

O sigilo da confissão é abrangente. Um padre não pode divulgar quem estava ou não no confessionário, o que foi dito ou o que não foi dito. Assim, se um padre fosse levado ao tribunal, ele não poderia testemunhar que o acusado havia mencionado o abuso na confissão; ele sequer poderia negar que ouviu a confissão do acusado. Basicamente, ele não pode dizer nada. Ele não tem utilidade para a promotoria ou para a defesa.

(Para a complicada questão de saber se um penitente pode liberar seu confessor do sigilo, leia “Selo da confissão no tribunal” [disponível aqui, em inglês].)

Isentar o que um padre ouve em confissão não precisa se estender ao que um padre fica sabendo em uma sessão de aconselhamento ou enquanto faz orientação espiritual. Aqui, um padre poderia se enquadrar nas mesmas regras que enquadram psicólogos e psiquiatras.

Como padre, fui aconselhado a dizer aos aconselhados: “Quero que você saiba que a maior parte do que você diz para mim é estritamente confidencial. Eu só romperia essa confidencialidade quando ou se você pudesse machucar a si mesmo ou a outros, ou me contasse sobre o abuso de um menor ou de um vulnerável. Ok?”.

Como as leis variam de Estado para Estado, precisamos ter uma conversa nacional sobre as leis de divulgação com a contribuição das vítimas, de juristas e de pessoas envolvidas.

Por exemplo, os rumores estão incluídos ou apenas as acusações confiáveis?

E, embora todos concordem que o abuso de uma criança deve ser denunciado, o que fazer se a informação vier de um sobrevivente adulto que não quer que o crime seja denunciado?

Alguns sobreviventes não estão prontos para denunciar quando procuram pela primeira vez uma ajuda profissional para o seu trauma. Depois de algum aconselhamento, eles podem estar prontos para denunciar. Eles ficariam com medo de buscar ajuda por causa das regras de denúncia obrigatória?

Por exemplo, um adulto sobrevivente pode procurar terapia, mas não quer que seus pais, cônjuge ou filhos saibam que foi abusado. Se seus pais convidassem o padre à sua casa, eles ficariam arrasados ao saber que o padre havia abusado do seu filho. O sobrevivente pode não querer infligir essa dor a seus pais.

Seria trágico se ele fosse desencorajado de buscar ajuda porque o padre, psicólogo ou psiquiatra deveria denunciar. Aqui, poderia fazer a diferença se o crime tivesse prescrito ou se o padre estivesse morto, na prisão ou fora do ministério.

Os padres, assim como psicólogos e psiquiatras, deveriam ser enquadrados em regras de denúncia obrigatória com uma isenção para a confissão, mas é preciso haver uma discussão séria sobre exatamente o que deve ser enquadrado. Nessas discussões, as vítimas deveriam ter um papel proeminente.

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