Uma Itália antissistema, antieuro e anti-imigração

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07 Março 2018

A Itália não conseguirá formar um governo rapidamente. E isto era mais ou menos previsível, dado os resultados das eleições do domingo, quando nenhum partido conseguiu a maioria. Contudo, o que não se esperava eram os importantes saltos dados por alguns partidos, para trás e para frente, segundo demonstram os dados oficiais destas eleições.

A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página|12, 06-03-2018. A tradução é do Cepat.

Com efeito, o partido mais votado foi o Movimento Cinco Estrelas (M5S), fundado pelo comediante Beppe Grillo e hoje liderado por um jovem de 31 anos, Luigi Di Maio. O M5S passou dos 26%, das eleições de 2013, para os 33%, ontem. Ou seja, teve um crescimento de 7 pontos. “Hoje, inicia-se a terceira República – disse Di Maio aos jornalistas, como candidato a primeiro-ministro – e será uma república dos cidadãos italianos. O resultado destas eleições foi pós-ideológico, indo além dos esquemas de direita e de esquerda e que se refere aos temas sem resolução que a nação possui”.

Por outro lado, a coalizão mais votada foi a de centro-direita (Força Itália de Silvio Berlusconi, a Liga e Irmãos da Itália), que passou dos 31%, em 2013, aos 37%, ontem, ganhando seis pontos. No entanto, desta vez, quem leva a coroa dentro da centro-direita não é o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, mas, sim, a racista, anti-imigrantes e antieuropeísta Liga (ex-Liga Norte) que de apenas 4%, em 2013, passou a quase 18%, ganhando 14 pontos. O líder da Liga, Matteo Salvini, que durante toda a campanha eleitoral afirmou que seria o próximo primeiro-ministro, disse, ontem, em coletiva de imprensa, que sua coalização é “o quadro que necessita de menos números para ter a maioria no Parlamento” e que ele e seus aliados trabalharão “para conseguir essa maioria parlamentar”. Também, como costuma fazer, lançou-se contra a Europa: “O euro foi e continua sendo uma escolha equivocada”, disse. E se referindo aos dirigentes do Partido Democrático (PD), concluiu: “O voto puniu a arrogância de Renzi e seus amigos”.

O secretário do PD, Matteo Renzi, um personagem muito criticado dentro do PD e no início a causa de importantes divisões no partido, nestes anos, formalizou sua renúncia como secretário geral. Alguns atribuem ao seu proceder que o partido tenha passado dos 27%, nas eleições de 2013, para 19%, agora, perdendo 8 pontos. “Para nós, foi uma derrota clara e nítida”, disse Renzi ao apresentar publicamente sua renúncia em uma coletiva de imprensa. “Cometemos erros, mas, ao mesmo tempo, estou orgulhoso de todo o trabalho que fizemos nestes anos. Pedi à direção que se convoque uma assembleia e, em seguida, um congresso para eleger o novo secretário”.

A aliança de centro-esquerda (PD, Mais Europa e outros) conseguiu 23% dos votos, ao passo que o partido Livres e Iguais (formado pelos ex-PD) conquistou apenas 3%.

No total das mesas eleitorais do exterior, segundo os dados oficiais, o PD manteve sua porcentagem de 2013, ou seja, cerca de 27% dos votos, seguido pela centro-direita, com 22%, e pelo M5S, com 18%. Contudo, na Argentina, em particular, ficaram com os primeiros lugares dois movimentos que se dizem liberais e centristas: o MAIE (Movimento Associativo de Italianos no Exterior), fundado na Argentina, em 2007, que conseguiu em torno de 35% dos votos; e a USEI (União Sul-Americana de Italianos Emigrantes), cuja base está na Argentina e no Brasil, que obteve em torno de 28%. Estas duas formações locais foram seguidas pelo PD, com 12%, aliança centro-direita Berlusconi-Salvini e Meloni (a mesma aliança de centro-direita da Itália), com 8%, e Livres e Iguais, com 5%. O M5S ficou em sétimo nesta classificação, na Argentina, com apenas 4% dos votos.

“Acredito que não se deve olhar o futuro das alianças políticas na Itália só em chave interna, mas também em relação à Europa”, explicou o cientista político Gianni Bonvicini em entrevista concedida ao jornal argentino Página|12, atual conselheiro científico do Instituto de Assuntos Internacionais da Itália, do qual foi presidente e diretor durante vários anos. “De modo particular, quando são analisados os resultados obtidos pelo M5S, Liga e Irmãos da Itália, chega-se a quase 55%. São três partidos que se consideram antissistema, antieuropeístas e anti-imigrantes e que são a favor do fechamento da Itália em relação à Europa e ao mundo”.

“O PD e as outras formações menores, e em parte Força Itália, possuem posições distintas neste sentido, razão pela qual é muito difícil que seja possível uma coalizão entre M5S e PD. É mais fácil pensar em uma divisão na centro-direita, particularmente entre Liga e Irmãos da Itália, que faça algum acordo com o M5S. É preciso se perguntar sobre quais podem ser as consequências de uma aliança deste tipo para Itália e Europa. Nossos colegas europeus e os mercados financeiros internacionais estão particularmente preocupados diante da eventualidade de um acordo deste tipo”.

Eis a entrevista.

Em sua opinião de especialista, por qual razão o PD perdeu tantos votos?

Acredito, sobretudo, porque perdeu o referendo sobre a reforma constitucional e também porque Renzi não compreendeu suficientemente os erros que havia cometido e, principalmente, a questão de sua presença, muito criticada dentro do PD. A isso se acrescenta a cisão da esquerda do PD, que não ajudou a consolidar a imagem do partido. O terceiro elemento é que muito provavelmente o PD perdeu o contato com o país real, coisa que, ao contrário, o M5S e até a Liga conseguiram construir. Fizeram isto a partir de temas muito nacionalistas: contra a imigração, contra a Europa, ou seja, uma política estilo Trump.

Mas, Força Itália também perdeu bastante...

Sim, por dois motivos: o primeiro porque propõe o mesmo líder, depois de 20 anos na cena política. É um risco forte. O segundo porque Força Itália tem posições mais moderadas que Salvini e a Liga.

A radicalização à direita que alguns países europeus, como Áustria e Polônia, estão sofrendo pode ter influenciado no avanço da Liga?

O que acontece na Itália é uma demonstração do que está acontecendo na Europa. Na Áustria, o crescimento de um partido xenófobo, de extrema-direita, com atitudes anti-imigração e autoritárias, o risco de que França fosse parar nas mãos da Frente Nacional, o crescimento na Alemanha dos setores conservadores, permite entender que o tema da globalização e da imigração causa medo em muita gente.

A Itália pode seguir o caminho da Áustria?

Isto é um pouco mais difícil, pois na Itália a democracia é mais sólida. Não acredito que este seja um perigo imediato para a Itália.

Caso não se consiga um acordo para formar o governo, o que acontecerá? Voltarão a debater uma lei eleitoral, como ocorreu nestes últimos anos, com os resultados que vimos ontem?

Não acredito que os parlamentares recém-eleitos queiram se suicidar para realizar novas eleições, após conseguirem com muita fadiga um posto no Parlamento. Principalmente, não irão querer as forças que perderam, porque uma nova lei eleitoral seria muito dificultosa. Para mudá-la precisaria haver um governo com uma grande maioria parlamentar, coisa que, no momento, não parece possível. O mais provável é que teremos um longo período sem governo, de grande incerteza.

Por que os políticos italianos não pensam em fazer uma lei eleitoral mais simples, por exemplo, com dois turnos como acontece em muitos países, que permitiria ter um governo mais rapidamente?

O verdadeiro problema é que diante do crescimento de novos movimentos políticos como M5S ou a Liga, cada um procura tirar vantagens para seu próprio partido. Simplificar muito o sistema eleitoral poderia não ser vantajoso. Este é um país que teve sempre uma ideia complexa da política e nisto somos uma anomalia na Europa. Os dois turnos seriam muito simples para nós. Não somos ingleses...

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