Reforma tributária como alternativa à reforma da Previdência. Entrevista especial com Eduardo Fagnani

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Por: Patricia Fachin | 22 Abril 2019

A reforma tributária pode ser uma alternativa à reforma da Previdência. Essa proposta é defendida pelo economista Eduardo Fagnani que, juntamente com outros pesquisadores, fez uma série de cálculos que demonstram como mudanças no atual sistema tributário podem aumentar mais a receita do governo federal do que a proposta da reforma previdenciária. Fagnani aposta num sistema mais regressivo, que taxa renda, patrimônio e transações financeiras e diminui a tributação de impostos sobre bens e serviços. “Os resultados das simulações mostram que tecnicamente é possível ampliar a tributação sobre a renda, o patrimônio e transações financeiras em 357 bilhões de reais — passaria dos atuais 463 bilhões para 830 bilhões de reais” e também “é possível reduzir a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de salário em 310 bilhões”, diz.

Segundo ele, “se alterássemos a tributação sobre a renda, por exemplo, sairíamos da situação atual em que a tributação sobre a renda representa apenas 5,9% do PIB para uma situação em que representaria 10,3% do PIB, sendo que a base da OCDE é 11,5% do PIB. No caso da tributação sobre o consumo, sairíamos de uma situação em que hoje representa 17% do PIB e iríamos para uma situação em que representaria cerca de 13% do PIB, sendo que na OCDE é 10,9% do PIB”.

Para alcançar esses valores, Fagnani sugere a criação de uma nova tabela progressiva do imposto de renda. Nessa proposta, explica, “quem ganha mais de quatro até 15 salários mínimos seria desonerado dos atuais 27,5% para uma tabela progressiva de 7,5% para quem ganha de 5 a 7 salários mínimos, de 15% para quem ganha de 8 a 10 e de 22,5% para quem ganha de 10 a 15 salários mínimos. Ou seja, isenta-se quem ganha até quatro salários, 38% dos declarantes, e se desoneram os outros 48% dos declarantes. Com essa conta, aproximadamente 88% dos declarantes seriam beneficiados. A proposta mantém a alíquota atual de 27,5% para quem ganha entre 15 e 40 salários mínimos. Portanto, outros 10% não seriam afetados, e aumentaria a alíquota de IRPF para quem ganha mais de 40 até 60 salários, passando a alíquota para 35% e, para quem ganha mais de 60 salários, essa alíquota passaria para 40% — são taxas inferiores à média dos países OCDE”.

Essas propostas são apresentadas detalhadamente em dois estudos elaborados por mais de 40 pesquisadores, intitulados "A reforma tributária necessária: diagnóstico e premissas" e "A reforma tributária necessária - justiça fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira".

Na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line, o economista ressalta que países mais desenvolvidos, onde o índice de desigualdade é menor, “combinaram Estado de bem-estar social e reforma tributária progressiva”. Lamentavelmente, comenta, “fico extremamente frustrado porque temos apresentado a nossa proposta, inclusive para bancadas parlamentares do campo progressista, e elas dizem ‘que bacana, que bom’, mas não vejo nenhum parlamentar se engajar nesse processo e dizer que vai encampar essa proposta ou parte dela”.

E acrescenta: “A esquerda, infelizmente, fica discutindo coisas que estão no radar como, por exemplo, o imposto sobre grandes fortunas, mas o imposto sobre grandes fortunas, segundo nosso cálculo, pode render no máximo 40 bilhões, enquanto a taxação sobre a renda e o patrimônio pode render 360 bilhões”.

Eduardo Fagnani (Foto: Agência Senado)

Eduardo Fagnani é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, mestre em Ciência Política e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Atualmente leciona no Instituto de Economia da Unicamp, coordena a rede Plataforma Política Social e é pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho - Cesit. Fagnani é um dos autores de A reforma tributária necessária. Diagnóstico e premissas.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que consiste a sua proposta de uma reforma tributária solidária? Quais são os principais elementos da reforma que o senhor, juntamente com outros pesquisadores, defende?

Eduardo Fagnani – Começamos, eu e 44 especialistas, a trabalhar nesta iniciativa em 2017 e trabalhamos durante um ano e meio. Essa é uma iniciativa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - Anfip e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital - Fenafisco, e deste trabalho resultaram dois livros. O primeiro estudo chama-se a “A Reforma Tributária Necessária: Diagnóstico e Premissas”. Esse é o mais amplo diagnóstico sobre a tributação brasileira disponível. Nele analisamos praticamente todos os tributos, fizemos um diagnóstico deles, apontamos os problemas, explicamos como funcionam nos países desenvolvidos e no Brasil — em geral o Brasil está na contramão do que se passa no mundo desenvolvido. Depois, fizemos outro estudo no qual apresentamos propostas, intitulado “A Reforma Tributária Necessária – Justiça fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira”.

Diagnóstico

No momento em que realizamos esses estudos, a nossa ideia era fazer um contraponto à reforma tributária que tramitava no Congresso, do Luiz Carlos Hauly [ex-deputado federal pelo PSDB] - pelo que entendi, essa proposta vai voltar à cena. Tanto a proposta do Luiz Carlos Hauly quanto a proposta do Bernard Appy tratam de uma ideia de simplificação do sistema tributário. Aliás, a reforma tributária nos últimos 30 anos virou sinônimo de simplificação, como se somente simplificar o sistema resolvesse os problemas. É preciso simplificar e nós incorporamos isso na nossa proposta; entretanto, a ideia da simplificação está ligada a maior eficiência da economia. Nós rebatemos esse argumento e estamos utilizando estudos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - Cepal e do Fundo Monetário Internacional - FMI, segundo os quais o principal empecilho para a eficiência da economia é a desigualdade social. Portanto, não é possível simplificar o sistema e não enfrentar a questão da desigualdade social.

Enfrentamento da desigualdade social

A carga tributária brasileira, quando comparada aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, mostra que o Brasil é um dos campeões mundiais em taxação do consumo, ou seja, 50% da nossa carga tributária incide sobre a taxação do consumo, e uma parcela muito pequena incide sobre a taxação da renda e do patrimônio — essa é a questão central. Então, para formular a nossa proposta, definimos oito premissas.

A reforma tributária tem que estar a serviço do desenvolvimento, e este depende da redução da desigualdade, por um lado, porque se tivermos uma desigualdade menor, a população em geral terá mais renda e vai consumir mais. Então esse é um fator importante para o crescimento da economia, que é um dos requisitos para o desenvolvimento. Por outro lado, precisamos de investimento. Tanto o poder aquisitivo maior das pessoas quanto o investimento refletem na distribuição da renda, e uma forma de fazer a distribuição da renda é taxar os ricos e poupar os pobres.

Países que são relativamente mais desenvolvidos e menos desiguais, a despeito das especificidades históricas de cada um, combinaram Estado de bem-estar social e reforma tributária progressiva. É possível ver, em qualquer um desses países, que eles têm o Welfare state e uma taxação progressiva. Essa é uma combinação virtuosa porque a ideia de Estado de bem-estar social baseada na seguridade social é um pacto em que a sociedade decide que as pessoas têm que ter direito ao mínimo, inclusive aquelas pessoas que não têm capacidade de contribuição. É um pouco do que os países europeus fizeram no pós-guerra: implantaram a taxação progressiva, oneraram os mais ricos e realizaram a transferência da renda por via tributária — é essa transferência que financia as escolas, a educação universal, a saúde universal etc.

As propostas de simplificação do sistema tributário trabalham com a ideia de ter um imposto “chamariz”, de valor adicionado, que visa ser uma tributação só, como tem sido proposto com relação ao Imposto sobre o Valor Agregado – IVA. O problema é que essa tributação vai substituir diversas outras — o que é correto. O IVA substituirá o Imposto sobre Circulação de Mercadorias - ICMS, o Imposto Sobre Serviços - ISS, entre os quais a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins e a contribuição sobre o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS-Pasep, que financiam a seguridade social e são constitucionalmente atrelados a ela. Quando se cria um imposto que substitui essas contribuições, acaba-se com essas vinculações.

IHU On-Line — Esse tipo de simplificação dificulta o financiamento do Estado de bem-estar social?

Eduardo Fagnani — Sim, porque se propõe substituir essas contribuições, como Cofins e Seguro PIS/Pasep, que são constitucionalmente vinculadas à seguridade, por um IVA, que não tem vinculação nenhuma. Então, a variável de ajuste dessa proposta de simplificação é o estado social. Mas por que defendemos o estado social? Porque estudos do próprio Fundo Monetário Internacional - FMI mostram que quando as pessoas recebem o salário, nos países desenvolvidos e na América Latina, o Índice de Gini é muito semelhante — esse tipo de pesquisa é conhecido como estudo sobre a incidência da política fiscal na distribuição da renda. Mas o que acontece quando os impostos passam a incidir sobre esses salários? A desigualdade cai alguns pontos. E o que acontece com essas rendas depois da ação de política social? Acontece a transferência monetária da seguridade social, isto é, se as pessoas têm acesso à saúde e à educação públicas e não têm que pagar plano de saúde ou plano de educação privados, passam a ter um acréscimo à renda e aí a desigualdade cai enormemente, quase 18 pontos. Quando começamos a analisar a renda da pessoa, quando ela recebe o salário, o Índice de Gini fica em torno de 0,50 nos países mais desenvolvidos, mas depois da ação da tributação progressiva e do gasto social esse índice cai para a média de 23%, e a maior parte dessa queda da desigualdade passa pelo gasto social.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL fez um estudo em 2015, que mostra a mesma coisa no caso da  : a queda da desigualdade por conta da tributação é tecnicamente nula e tem alguma redução de desigualdade por conta do gasto social. O Brasil é o país que mais reduz a desigualdade social por conta do gasto social: o Índice de Gini cai 16 pontos percentuais. Então, numa reforma tributária não se pode usar o gasto social como variável de ajuste; tem que fazer uma proposta de reforma tributária que também contemple o financiamento do estado social.

Uma das nossas premissas é que a reforma tributária tem que ampliar a progressividade, ou seja, tem que taxar renda e patrimônio: não só o Imposto de Renda da Pessoa Física - IRPF, mas também o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e também o patrimônio. Isso inclui taxar mais o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, fazer um diagnóstico do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU e ver o que é possível aumentar, aplicar o imposto de heranças. Enfim, analisamos toda a questão patrimonial, o quanto arrecadamos hoje, quanto é possível arrecadar, como isso é feito no resto do mundo e como é feito no Brasil.

Outra premissa é aumentar a taxação sobre a renda e patrimônio que, no Brasil, é uma vergonha. Para termos uma ideia, a alíquota máxima do Imposto de Renda no Brasil é de 27%. A média da OCDE fica em torno de 40% e em alguns países ultrapassa os 50%. No Brasil, por conta de uma série de mecanismos, como, por exemplo, a não taxação de lucros e dividendos, uma pessoa que ganha 320 mil reais por mês tem 70% da sua renda isenta de tributação — o que os economistas chamam de alíquota efetiva, isto é, o que de fato se paga. Portanto, a alíquota efetiva do Imposto de Renda para quem ganha 320 mil por mês fica em torno de 6%, isto é, paga 6% de imposto, que é uma alíquota semelhante a quem ganha em tono de 10 salários mínimos. Então, o Imposto de Renda no Brasil é uma vergonha, e é uma vergonha o quanto se arrecada sobre patrimônio etc.

Outra diretriz importante é a redução da tributação sobre o consumo. O Brasil é um dos países que mais tributa sobre o consumo e isso impacta os mais pobres, porque o rico recebe seu dinheiro e aplica no mercado financeiro, enquanto o pobre recebe o dinheiro e vai consumir, vai comprar alimento, fralda, remédio. Assim, a tributação sobre o consumo incide proporcionalmente muito mais na camada pobre do que nas camadas mais ricas.

Além dessas medidas, outras são importantes, como a tributação ambiental, o fortalecimento da Federação, medidas de tributação sobre o comércio exterior e um reforço da administração tributária para combater a sonegação. O estudo também tem um capítulo inteiro dedicado à questão dos paraísos fiscais, isto é, propostas para combater a evasão por conta de diversos mecanismos que as empresas criam para não pagar imposto no Brasil e pagá-los em outros países em que são menos taxadas; vemos isso no caso da Vale, por exemplo. A partir desse diagnóstico amplo, partimos para as propostas.

IHU On-Line — Como a proposta trata a simplificação dos impostos?

Eduardo Fagnani — A nossa proposta incorpora a simplificação; é preciso simplificar. Incorporamos essa proposta de criação do IVA, mas de uma forma diferente da que está sendo dita. Também recomendamos a extinção da Cofins, do PIS/Pasep, que incidem sobre o consumo. Entretanto, recomendamos a criação de novas fontes de financiamento do gasto social para cobrir o “buraco” que seria deixado por esses impostos, mas que são fontes mais progressivas, que não incidem sobre o consumo e sim sobre a renda e o patrimônio.

IHU On-Line — Depois desse diagnóstico que o senhor apresentou, quais são as principais propostas de reforma tributária?

Eduardo Fagnani — Com base nas premissas que defendemos, fizemos algumas perguntas: É tecnicamente possível que o Brasil tenha um sistema tributário mais próximo da média dos países da OCDE? É possível uma reforma tributária próxima da média da OCDE que, ao mesmo tempo, preserve o Estado de bem-estar social? É possível tudo isso sem mexer na carga tributária — para que não haja críticas? O resultado desse trabalho mostra que sim, é possível. Nós fizemos uma simulação: aumentamos a taxação sobre renda e patrimônio e, ao mesmo tempo, reduzimos a tributação sobre o consumo e a folha salarial. Esse é um desenho possível, mas não é o único. Ao mesmo tempo, estimamos — este é um fato inédito — o impacto de cada medida: se aumentarmos o IPRF, qual será o impacto, se vamos criar o imposto sobre grandes fortunas, qual será o impacto etc.

IHU On-Line —  Pode dar alguns exemplos?

Eduardo Fagnani —  Os resultados das simulações mostram que tecnicamente é possível ampliar a tributação sobre a renda, o patrimônio e transações financeiras em 357 bilhões de reais —passaria dos atuais 463 bilhões para 830 bilhões de reais. Se quisermos manter a carga tributária igual, é possível reduzir a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de salário em 310 bilhões.

Portanto, estamos aumentando a progressividade ao aumentar em 357 bilhões a tributação sobre a renda, o patrimônio e transações financeiras, e ao reduzir a tributação sobre o consumo em 310 bilhões. Com isso, a tributação brasileira se aproximaria da média da OCDE. Se alterássemos a tributação sobre a renda, por exemplo, sairíamos da situação atual em que a tributação sobre a renda representa apenas 5,9% do PIB para uma situação em que representaria 10,3% do PIB, sendo que a base da OCDE é 11,5% do PIB. No caso da tributação sobre o consumo, sairíamos de uma situação em que hoje representa 17% do PIB e iríamos para uma situação em que representaria cerca de 13% do PIB, sendo que na OCDE é 10,9% do PIB. É possível fazer uma tributação mais progressiva e, ao mesmo tempo, aproximando-se da média da tributação da OCDE.

Na pesquisa, mostramos como fazer esse incremento para a tributação da renda, do patrimônio, de bens e serviços, salários etc. Mostramos uma a uma as contas de como chegar a esses valores. Por exemplo, na questão do patrimônio — fizemos um cálculo ultraconservador porque não podemos aumentar a carga tributária — estimamos que é possível ampliar em cerca de 73 bilhões de reais anuais a tributação, que passaria de 86 bilhões para 159 bilhões. Além disso, há os impostos sobre fortunas, sobre a propriedade territorial rural, sobre herança, sobre a propriedade de veículos automotores, o imposto predial e territorial urbano, o imposto sobre produto industrializado etc.

Somente sobre o imposto de renda pessoa física e jurídica é possível, tecnicamente, ampliar a arrecadação dos atuais 352 bilhões para 606 bilhões, o que representa um acréscimo de 254 bilhões. O que quero destacar é que desses 254 bilhões a mais, cerca de 160 bilhões podem ser obtidos pela adoção de algumas medidas, como o fim da isenção dos lucros e dividendos e outras medidas combinadas com uma nova tabela progressiva do imposto de renda pessoa física.

Essa nova tabela progressiva do imposto de renda isentaria quem ganha até quatro salários mínimos, cerca de 38% dos declarantes. Quem ganha mais de quatro até 15 salários mínimos seria desonerado dos atuais 27,5% para uma tabela progressiva de 7,5% para quem ganha de 5 a 7 salários mínimos, de 15% para quem ganha de 8 a 10 e de 22,5% para quem ganha de 10 a 15 salários mínimos. Ou seja, isenta-se quem ganha até quatro salários, 38% dos declarantes, e se desoneram os outros 48% dos declarantes. Com essa conta, aproximadamente 88% dos declarantes seriam beneficiados. A proposta mantém a alíquota atual de 27,5% para quem ganha entre 15 e 40 salários mínimos. Portanto, outros 10% não seriam afetados, e aumentaria a alíquota de IRPF para quem ganha mais de 40 até 60 salários, passando a alíquota para 35% e, para quem ganha mais de 60 salários, essa alíquota passaria para 40% — são taxas inferiores à média dos países OCDE.

Com essa nova tabela, seriam afetados apenas 750 mil contribuintes, o equivalente a 2,7% do total de declarantes, e isso renderia 160 bilhões por ano. O montante é uma vez e meia a economia que a proposta da reforma da Previdência quer fazer por ano – 100 bilhões -, sendo que 90% da economia recai sobre a população que tem o INSS urbano, rural, benefício de prestação continuada - BPC e o abono salarial, e que ganham, em média, 1.350 reais.

IHU On-Line — Como a sua proposta de reforma garantiria o crescimento econômico e o desenvolvimento do país?

Eduardo Fagnani — Dada a crise em que o Brasil está afundado, é muito difícil — isso é admitido por vários economistas — sair dessa crise sem aumentar um pouco a carga tributária. Portugal, por exemplo, saiu da crise, mas aumentou em 2% a carga tributária — mas nós não propomos aumentar a carga tributária para nosso estudo não ser criticado. Para crescer é preciso demanda agregada. Primeiro, tem que ter demanda por produtos. Para que as pessoas demandem novos produtos, comecem a comprar e consumir, tem que ter renda; sem renda não tem consumo.

IHU On-Line — Então o aumento da renda garantiria a movimentação da economia?

Eduardo Fagnani — Claro. Se fizermos uma reforma tributária que reduz significativamente a tributação sobre o consumo, sobrará mais recursos para o consumo. Uma reforma desse tipo colocará mais renda na mão da população de baixa renda, que estava sendo desviada para pagar imposto. Com isso, a reforma é um mecanismo — não é o único — para ampliar a renda das pessoas, pois se elas têm mais renda, irão comprar e assim cria-se aquele famoso “círculo virtuoso”: se tem mais demanda, o setor privado vai investir mais, portanto, vai contratar mais pessoas, o que aumenta a massa salarial, o consumo, o investimento etc.

A segunda forma de fazer o país crescer é através de investimentos privados e públicos. Se o Estado propõe construir um milhão de casas com recursos da Caixa Econômica, como já se fez no passado, isso vai alavancar o investimento privado porque serão construídas um milhão de casas, vai reativar a indústria da construção civil, que terá que contratar mais pessoas e investir mais, gerando esse ciclo.

Uma reforma tributária contribui tanto para a distribuição da renda, que vai impactar no consumo, quanto na disponibilidade maior de recursos, que podem ser aplicados em investimentos públicos que alavancam os investimentos privados. O investimento privado, em função da demanda, também vai trazer mais emprego no setor privado, mais renda etc.

IHU On-Line — Essa proposta de reforma tributária garantiria o equilíbrio fiscal?

Eduardo Fagnani — O PIB brasileiro caiu 7% em dois anos e agora está num nível muito precário. O ajuste fiscal tem sido feito somente em cima do corte das despesas, mas é possível fazer ajuste fiscal também melhorando as receitas. No entanto, para melhorar a receita tem que fazer a economia crescer, e para a economia crescer, o Estado precisa incentivar o investimento, que no Brasil já foi de cerca de 25%.

Hoje em dia muitos defendem que para sair da crise e fazer o país crescer é preciso aumentar a carga tributária, pois assim haveria recursos para os investimentos. Num primeiro momento, é possível ter um aumento do déficit ou da carga tributária. Aparentemente o governo pode gastar mais, comprometendo as contas fiscais; no entanto se a economia cresce, num segundo momento, o Estado arrecada muito mais — essas são as chamadas políticas anticíclicas, que Keynes desenvolveu e são conhecidas. Essas políticas funcionaram como saída para a crise de 1930 e para a reconstrução da Europa no pós-guerra. Historicamente temos evidências de que isso é o correto a ser feito.

IHU On-Line — Quanto se arrecada hoje e quanto o Brasil precisaria arrecadar para dar conta do gasto social da população brasileira?

Eduardo Fagnani — A arrecadação tributária atual é de cerca de dois trilhões se somarmos os três níveis de governo. Desse montante, aproximadamente um trilhão e 400 bilhões de reais são arrecadados pelo governo federal e o restante é arrecadado pelos estados e municípios. Quero chamar a atenção para um dado em relação a uma variável: é preciso fazer um reforço da administração tributária para combater a sonegação. A sonegação no Brasil é estimada em 500 bilhões de reais por ano, e ela não é considerada um crime no país desde 1995. Aliás, ela é premiada por diversos refinanciamentos. Nos últimos 20 anos foram criados mais de uma dezena de programas de refinanciamento. Isto é, a pessoa não paga, espera o refinanciamento, refinancia a dívida com o abatimento de juros e multas, paga por mais dois ou três anos e deixa de pagar.

Combate a isenções fiscais

Outro problema que precisamos combater é a questão das isenções fiscais: somente o governo federal concede todo o ano cerca de 400 bilhões em isenções fiscais, o que representa em torno de 20% da receita da União. Ou seja, todo o ano o governo federal abre mão de 20% das suas receitas para conceder isenções fiscais para setores econômicos e camadas de mais alta renda. Esse valor de 400 bilhões diz respeito apenas às isenções do governo federal, mas estados e municípios também são campeões nesse processo, embora sejam uma caixa preta, pois não há transparência desses dados. Se somarmos os 500 bilhões de sonegação mais os 400 bilhões de isenções do governo federal, isto equivale a 13% do PIB, enquanto a seguridade social, que acompanha a saúde, a previdência social, a previdência rural, a assistência social e o seguro desemprego, consome 11,3% do PIB.

Estou tentando responder à questão sobre o gasto social e qual alternativa temos. Então, o governo deixa de arrecadar 13% do PIB tanto pela sonegação quanto pela isenção e quer destruir a seguridade social, que é vista como o “maior problema” do país, mas ela custa 11% do PIB. Esses 13% do PIB poderiam ser utilizados: se reduzíssemos esse valor pela metade, para uns 6%, seria possível financiar a Previdência até o século XXII. De outro lado, o Brasil é um dos campeões mundiais na tributação sobre o consumo, a qual é equivalente a cerca de 17% do PIB. Com a nossa proposta, é possível baixar esse percentual para 13% do PIB, enquanto na OCDE é 10,9%. Se reduzirmos a sonegação das dimensões de 13% para 6% do PIB, são sete pontos a mais, e com isso uma parte da receita poderia ser utilizada para financiar a seguridade social e, outra parte, para substituir a tributação sobre o consumo. Com isso, chegamos a 12,9% e ainda poderíamos reduzir para 10%. Se deixarmos de abrir mão dessas receitas, seria possível reduzir ainda mais a tributação sobre o consumo, deixando nosso sistema mais próximo do da OCDE, menos regressivo e, ao mesmo tempo, é possível utilizar parte desses recursos para financiar a seguridade social e a previdência.

IHU On-Line — Como essa proposta está sendo discutida entre os especialistas e parlamentares? Há possibilidade de essa proposta ser discutida com o governo?

Eduardo Fagnani — Estamos participando dos debates. A Anfip e a Fenafisco têm promovido uma série de reuniões e encontros com comandos do governo e parlamentares. Fico extremamente frustrado porque temos apresentado a nossa proposta, inclusive para bancadas parlamentares do campo progressista, e elas dizem “que bacana, que bom”, mas não vejo nenhum parlamentar se engajar nesse processo e dizer que vai encampar essa proposta ou parte dela. A esquerda, infelizmente, fica discutindo coisas que estão no radar como, por exemplo, o imposto sobre grandes fortunas, mas o imposto sobre grandes fortunas, segundo nosso cálculo, pode render no máximo 40 bilhões, enquanto a taxação sobre a renda e o patrimônio pode render 360 bilhões.

Estamos fazendo um esforço de apresentar esse trabalho para as bancadas do campo mais progressista, para dizer que o trabalho existe e ver se elas têm interesse de encampar esse processo. Hoje em dia o debate todo está em torno da reforma da Previdência, o que é compreensível, mas não vejo um engajamento das forças mais à esquerda no sentido de se apropriar desse material todo, porque, em última instância, fizemos isso para subsidiar a ação parlamentar do campo popular, mas, infelizmente, não vejo nenhuma ação concreta nesse sentido.

De toda forma, o governo, pelo que estou lendo nos jornais, parece que vai retomar aquela ideia da simplificação de impostos que estava sendo discutida no final do governo Temer, e a crítica a essa proposta foi o que motivou a realização destes dois livros nos quais expomos a nossa proposta. Esses estudos que fizemos representam um dos principais contrapontos a essa reforma que, provavelmente, vai voltar para a agenda; nosso estudo é o principal contraponto.

Insisto: simplificar é importante, mas não resolve o essencial; o essencial é a regressividade do sistema tributário brasileiro, que está na contramão do mundo capitalista minimamente desenvolvido. Por outro lado, a simplificação desconstitucionaliza as fontes de financiamento da seguridade social e da educação — essa é a proposta que está sendo discutida e que será apresentada. O nosso estudo apresenta um contraponto.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Eduardo Fagnani — Escrevi um artigo publicado na Carta Capital, intitulado “Além da Previdência: Reforma Tributária para o Brasil não ‘quebrar’”. Tenho dito que a reforma da Previdência não é uma reforma da Previdência; ela é um cavalo de Troia. O objetivo real dessa dita reforma é acabar com o pacto social de 1988 e ela vai acabar com a seguridade social, que é um dos cernes do modelo de sociedade pactuado em 1988.

Como o governo não tem argumento nem diagnóstico para justificar uma reforma como essa, ele parte para o terrorismo. Terror demográfico, econômico e financeiro, com mitos como “o Brasil tem déficit, não tem idade mínima, as aposentadorias são generosas. Um dos terrorismos é o de que o Brasil não vai sair dessa crise sem a reforma da Previdência, e que sem ela o Brasil quebra. Recentemente, um empresário declarou: “É previdência ou morte”.

Só uma das medidas que estamos propondo, que é uma nova tabela progressiva do imposto de renda, combinada com outras opções, pode gerar 160 bilhões de reais por ano, beneficiando 97% dos contribuintes e taxando mais 2,7% dos contribuintes. A reforma tributária é uma forma de mostrar que existem alternativas à reforma da Previdência. Portanto, deveria ter uma atenção maior por parte do campo popular para se enfrentar o atual debate sobre a reforma da Previdência.

 

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