Não basta barrar a corrupção, é preciso taxar os ricos

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12 Outubro 2017

"Nosso desafio, no Brasil e em outros países desiguais como o nosso, é encontrar, em tempos de paz, meios políticos para distribuir o fardo de um Estado social de maneira que os privilegiados paguem mais. Mas, antes, teremos que convencer a opinião pública que combater a corrupção é necessário, mas não é suficiente para criar o país justo que queremos" escreve Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 10-10-2017.

Eis o artigo.

Parece que o Brasil formou a convicção de que nosso problema fundamental é a corrupção: que se prendermos os corruptos e fizermos valer o império da lei, o dinheiro público vai retornar para sua destinação original e teremos serviços públicos à altura do sacrifício que fazemos para pagar os impostos.

Infelizmente, essa tese não é verdadeira.

Somos um país de renda média, com uma civilizada missão social: a ambição constitucional de dar escolas, hospitais e aposentadoria para todos os brasileiros. É esse compromisso, estabelecido em 1988, que está sendo colocado agora em xeque em nossa crise que combina desconfiança da política, escândalos de corrupção e crise fiscal.

Com uma esquerda acuada pelas denúncias de corrupção e que apenas repete assustada o discurso vitimista de que os outros partidos também fizeram malfeitos mas não foram punidos, a direita pode liderar sozinha a indignação do país com a corrupção e dar-lhe orientação política.

Os grupos liberais e conservadores conseguiram assim persuadir a opinião pública que se fizermos uma gestão eficiente e contivermos a sangria da corrupção, o dinheiro aparecerá e será possível inclusive reduzir o tamanho do Estado. Corrupção e gestão estão sendo utilizadas, portanto, como um pretexto malicioso para enterrar o pacto de 1988 e reduzir os gastos sociais.

Todos os atores políticos informados sabem, porém, que embora conter a corrupção e melhorar a gestão sejam tarefas importantes e necessárias, os recursos gerados por elas jamais serão suficientes para dar escolas, hospitais e aposentadoria para todos.

Os países que oferecem saúde, educação e previdência de boa qualidade para seus cidadãos ou tem muito mais riqueza que o Brasil ou neles o Estado se apropria de uma parcela maior da riqueza social –geralmente, as duas coisas.

Por isso, se quisermos dar serviços públicos de qualidade para os brasileiros, precisaremos também fazer crescer a economia, resolver o problema dos juros da dívida pública e por fim aos privilégios previdenciários e tributários.

Há certo consenso sobre essas tarefas e, com todas as dificuldades, ações pontuais tem sido tomadas para enfrentá-las, com exceção da questão tributária, talvez a mais importante.

Hoje, os mais ricos pagam bem menos impostos que os mais pobres, o que os economistas chamam de tributação regressiva. Com isso, ao invés do sistema tributário diminuir, ele aumenta a nossa desigualdade que é uma das mais elevadas do mundo.

Nossos limitados e inacabados sistemas de saúde, educação e previdência ficam assim apoiados nas costas dos pobres, enquanto os ricos contribuem com muito pouco. Mudar isso é seguramente uma das tarefas mais urgentes do Brasil, mas nenhum dos governos que tivemos, de esquerda ou de direita, parece ter dado prioridade para ela.

Resolver o problema da regressividade dos impostos, no entanto, não é trivial.

Num instigante estudo comparativo sobre o surgimento e o desenvolvimento dos impostos progressivos, Kenneth Scheve e David Stasavage (Taxing the rich: a history of fiscal fairness in the United States and Europe. Princeton: Princeton University Press, 2016) demonstraram, apoiados na história de vinte países, que a introdução de impostos progressivos e a consequente diminuição da desigualdade na Europa e nos Estados Unidos não se deveu ao chamado "efeito democrático" (pelo qual maiorias pobres com direito a voto imporiam um sacrifício aos mais ricos), nem a uma reação política à desigualdade crescente, mas a circunstâncias muito específicas do esforço de guerra, sobretudo durante as duas guerras mundiais.

Num contexto que era de turbulência e ameaças, as esquerdas conseguiram fazer prevalecer o argumento de que assim como os trabalhadores estavam se sacrificando, colocando a vida em risco nos campos de batalha, os empresários também deveriam se sacrificar, contribuindo para o esforço de guerra com impostos muito mais elevados sobre a sua renda e o seu patrimônio.

É o que os autores chamam de "argumento compensatório", no qual o fardo de um imposto elevado é visto como compensação por um privilégio.

A guerra criou as condições para que impostos sobre a renda e sobre a propriedade fossem elevados para níveis muito altos –e ainda que os impostos tenham diminuído quando a guerra acabou, eles permaneceram num patamar muito superior ao que havia antes, mudando de maneira estrutural o padrão distributivo desses países.

Nosso desafio, no Brasil e em outros países desiguais como o nosso, é encontrar, em tempos de paz, meios políticos para distribuir o fardo de um Estado social de maneira que os privilegiados paguem mais. Mas, antes, teremos que convencer a opinião pública que combater a corrupção é necessário, mas não é suficiente para criar o país justo que queremos.

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