Taxação sobre patrimônio e renda. Alternativas ao ajuste fiscal. Entrevista especial com Róber Iturriet Avila

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12 Junho 2015

“A população tem razão de reclamar do serviço público, mas contribuímos pouco, na verdade, para que tenhamos melhores serviços públicos”, avalia o economista.

Foto: elmostrador.cl
O ajuste fiscal e o aumento de alguns tributos, a exemplo da conta de energia, embora seja “controverso”, é consequência das medidas adotadas pelo governo nos últimos três anos. Para entender o que acontece na economia brasileira hoje, é preciso “fazer uma análise olhando um pouco mais atrás”, pontua Róber Avila em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

O economista lembra que “a partir de 2012, 2013 e 2014, a economia passou a crescer um pouco menos, e o governo, no intuito de incentivar a economia, fez uma série de desonerações sobre automóveis, eletrodomésticos, sobre a folha de pagamento, a aquisição de máquinas, energia elétrica e combustíveis, estimando ou esperando que a economia crescesse na sequência”. Contudo, frisa, a insistência da equipe econômica em repetir a mesma política adotada à época do governo Lula, “dessa vez não deu certo”.

Ao que tudo indica, o “ensaio desenvolvimentista” proposto pelos governos Lula e Dilma “ficou para trás, e a bonança passou”. Contudo, os efeitos do baixo crescimento econômico poderiam ser enfrentados de outro modo, caso o Estado brasileiro optasse por tributar a renda, o patrimônio e as grandes fortunas. A proposta é sugerida pelo economista porque “no Brasil a tributação sobre heranças é bastante baixa quando comparada a outros países. Em outros países, na Europa ou mesmo nos Estados Unidos, as alíquotas são muito superiores, 30%, 40%, depende do país. Por exemplo, no Reino Unido o imposto é de 40%, na França é de 32%, nos Estados Unidos é de 29%, na Alemanha, 28,5% e no Brasil é em torno de 4%, dependendo do estado”, informa.

Na entrevista a seguir, Avila explica ainda que o aumento do tributo sobre patrimônio tem menor impacto sobre a atividade econômica e “é mais injusto em termos sociais”. Do mesmo modo afirma que seria viável tributar dividendos, “porque o Brasil é um dos únicos países no mundo que não tributa os dividendos. Os acionistas recebem remunerações das empresas, como a participação dos lucros, e essa remuneração é isenta do Imposto de Renda no Brasil. Em outros países essa remuneração é taxada: na Dinamarca, 42%, na França, 38%, na Alemanha, 26%, na Bélgica, 25% e no Brasil é 0%”.

A tributação sobre grandes fortunas, de outro lado, “é um pouco mais complexa”, porque deveria ser um imposto anual sobre o patrimônio, “que é de difícil estimação; além disso, entra aquela questão de ‘o que é grande fortuna?’”.

Róber Iturriet Avila é doutor, mestre e bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente leciona na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e é pesquisador da Fundação de Economia e Estatística - FEE. Também é colunista do portal Brasil Debate.

Confira a entrevista.

Foto: brasildebate.com.br
IHU On-Line - Como e por quais razões chegou-se ao momento de ter de fazer um ajuste fiscal de 70 bilhões, como o anunciado pelo governo? O que aconteceu com a economia brasileira?

Róber Iturriet Avila – É necessário fazer uma análise olhando um pouco mais atrás para entender o que acontecia anteriormente. Em um cenário de mais longo prazo, o Brasil vinha crescendo até 2011, e o governo podia, eventualmente, aumentar despesas e fazer desonerações, porque isso não trazia grande impacto já que, com a economia crescendo, a arrecadação de impostos aumentava mais do que proporcionalmente. A partir de 2012, 2013 e 2014, a economia passou a crescer um pouco menos, e o governo, no intuito de incentivar a economia, fez uma série de desonerações sobre automóveis, eletrodomésticos, sobre a folha de pagamento, a aquisição de máquinas, energia elétrica e combustíveis, estimando ou esperando que a economia crescesse na sequência.

Contudo, apesar das desonerações, a economia não cresceu. Na verdade, o governo passou a arrecadar menos e isso ocasionou um déficit fiscal mais elevado, sobretudo no ano passado, o que acarretou a necessidade do ajuste. Claro, nesse meio tempo houve a eleição e trocou o Ministro da Fazenda, mudando um pouco a posição da gestão macroeconômica, com redução de gastos e aumento de alguns impostos para reequilibrar as contas, dadas as desonerações que vieram no passado e sem o retorno esperado do crescimento econômico. Essa é a situação atual.

IHU On-Line - A política econômica de desonerações foi a única alternativa do governo naquele momento?

Róber Iturriet Avila – Fazendo uma análise ex post — como chamamos —, vendo o que ocorreu, quais foram as consequências, julgo que essa não foi a melhor medida a ser adotada. Houve uma série de desonerações e algumas não tiveram impacto nenhum. Inclusive, houve desoneração sobre a cesta básica também, no intuito de reduzir preços dos alimentos e, de fato, isso não aconteceu. No ano passado o Estado brasileiro desonerou em torno de 90 bilhões, para que as empresas investissem mais, gerassem mais emprego, mas essa medida não foi acertada.

IHU On-Line – O que poderia ter sido feito?

Róber Iturriet Avila – O Estado poderia ter usado esse recurso do qual abriu mão para fazer, eventualmente, obras de infraestrutura que são necessárias para o país e que têm um impacto sobre o emprego e o crescimento, geralmente mais consistente. Agora, claro, é muito mais cômodo fazer essa análise depois de isso já ter ocorrido.

À época havia uma expectativa de que essa medida desse certo, já que em 2008 ocorreu algo semelhante: diante de um contexto de crise internacional em 2008, o ex-presidente Lula fez uma série de desonerações e a economia respondeu rapidamente, porque as vendas aumentaram, a indústria respondeu e a arrecadação acabou sendo incrementada. Repetiram o tipo de política e dessa vez não deu certo.

"No Rio Grande do Sul há uma proposta de aumentar de 4% para 6% o imposto sobre a herança"

 

 

IHU On-Line - O que é necessário para assegurar e retomar o reequilíbrio fiscal?

Róber Iturriet Avila – O ajuste fiscal é bastante controverso na teoria econômica porque a ideia do governo é não aumentar a relação dívida/PIB. À medida que o PIB cresce menos e a dívida tem um crescimento vegetativo — ou seja, mesmo que o governo tenha equilíbrio fiscal, a dívida irá aumentar porque já tem um endividamento que vem de períodos anteriores —, a relação dívida/PIB tende a aumentar, então a opção do ajuste é bastante controversa.

No sentido oposto, se o PIB eventualmente cresce com medidas fiscais expansionistas — que é quando o governo gasta mais, e o gasto, como faz parte do PIB, estimula a economia —, a relação dívida/PIB pode eventualmente cair, mesmo com o endividamento, ou seja, o PIB teria que crescer mais que o incremento da dívida, porque o gasto do governo é uma variável pró-cíclica. Quando o governo gasta menos, sendo o PIB composto também por gastos governamentais, a relação dívida/PIB tende a aumentar e a própria arrecadação governamental cai.

Dessa forma, não é consensual essa posição, muito embora, todos reconheçamos que o ano passado foi bastante negativo na área fiscal. O governo poderia fazer outras medidas que não impactassem tanto no consumo, sobretudo. Quando o governo aumenta impostos sobre o consumo, tende a refrear mais a atividade econômica, ao passo que poderia aumentar outros tipos de tributos que impactam menos na atividade econômica, abarcando pessoas que consomem uma proporção menor da renda.

IHU On-Line - O que seria a alternativa ao ajuste?

Róber Iturriet Avila – Nesse momento, o governo aumentou, sobretudo, o Programa de Integração Social - PIS, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, reativou e aumentou a Contribuição de Intervenção no Domínio EconômicoCide — imposto sobre os combustíveis —, que estava zerada, e também aumentou a energia elétrica por fatores diversos, dentre eles, o climático. Só que, se observarmos, até por uma questão de justiça social e tributária, no Brasil, boa parte dos impostos — na verdade 51% dos impostos — incidem sobre o consumo de bens, ou seja, nos preços dos bens que compramos.

Contudo, existem outros tipos de tributação, como os sobre o patrimônio e a renda. Quando fazemos a comparação internacional do Brasil com relação à participação desses tributos, observamos, sobretudo com relação aos países desenvolvidos, que o Brasil tributa muito menos o patrimônio e a renda do que os nossos congêneres, ao passo que a tributação sobre o consumo é bastante elevada, e é justamente essa que o governo está aumentando. Como exceção, nesse mês, o governo aumentou os impostos sobre a renda e o lucro dos bancos, com o aumento da Contribuição Social do Lucro Líquido – CSLL de 15% para 20%.

Tributação do imposto sobre patrimônio

Do contrário, poderia ter ocorrido um aumento de impostos sobre o patrimônio, que na verdade até se aventou. Inclusive vem se falando de tributar mais heranças, porque no Brasil a tributação sobre heranças é bastante baixa quando comparada a outros países. No Rio Grande do Sul há uma proposta de aumentar de 4% para 6% o imposto sobre a herança, mas no Brasil a média do imposto é em torno de 4%. Em outros países, na Europa ou mesmo nos Estados Unidos, as alíquotas são muito superiores, 30%, 40%, depende do país. Por exemplo, no Reino Unido o imposto é de 40%, na França é de 32%, nos Estados Unidos é de 29%, na Alemanha, 28,5% e no Brasil é em torno de 4%, dependendo do estado.

Então, tem espaço para aumentar tributo sobre patrimônio e esse tributo impacta menos sobre a atividade econômica e é mais injusto em termos sociais, até porque o Brasil tem uma elevada concentração de riqueza. Assim, seria possível adotar esse tipo de medida ou também tributar dividendos, porque o Brasil é um dos únicos países no mundo que não tributa os dividendos. Os acionistas recebem remunerações das empresas, como a participação dos lucros, e essa remuneração é isenta do Imposto de Renda. Em outros países essa remuneração é taxada: na Dinamarca, 42%, na França, 38%, na Alemanha, 26%, na Bélgica, 25% e no Brasil é 0%.

Existe a possibilidade de aumentar esse imposto. Os empresários, ao contrário do que dizem, pagam menos impostos do que, por exemplo, um trabalhador com renda um pouco mais alta, que é acima de 4 mil reais e que paga na faixa de 27,5%. Um empresário paga menos e a alíquota sobre dividendos é zero. Portanto, poderia ter sido feito esse tipo de medida, que teria um impacto social relevante e também um impacto fiscal bom sem afetar tanto a atividade econômica.

Mesmo a maior progressão do imposto de renda de pessoa física, também no comparativo internacional, o Brasil é um dos países que tem as alíquotas de imposto de renda mais baixas, que giram em torno de 27,5%, por exemplo. Mesmo nos Estados Unidos, que é um país liberal, a máxima é 39%. Os países com tributação mais progressiva, por exemplo, na Suécia, que é um caso extremo, a alíquota é de 57,2%. Então, isso tem um impacto social importante.

 

 

 

 

 

 

"O Brasil é um país relativamente pobre, e é por isso que temos tantas dificuldades no setor público como também na vida privada"

IHU On-Line – Que critérios deveriam ser adotados para tributar as heranças? Qual deve ser o valor de uma herança e de uma fortuna para serem taxadas?

Róber Iturriet Avila - Sobre heranças, existe uma tributação que é estipulada pelos estados. Nesse caso, esse imposto já existe, bastaria reajustar ou, então, conforme se cogitou, federalizar esse imposto, que é arrecadado pelos estados, também com uma participação para os municípios. Para efetivar isso, basta passar pelo Congresso ou pelas Assembleias Legislativas estaduais, que é o que vai acontecer no Rio Grande do Sul: o governador Sartori passou agora um projeto propondo para a Assembleia o aumento desse tributo. Uma alternativa é constituir um imposto federal, que é um imposto que se paga quando houver transmissão de bens, de herança ou de doações — às vezes acontece de ter doação de mãe ou de pai para filho. Nesse caso, o tributo gira em torno de 4% no Brasil e no estado é de 3%.

Imposto sobre fortunas

O imposto sobre grandes fortunas é um pouco mais complexo porque já existe na Constituição, só que nunca foi regulamentado. É um pouco mais complicado porque seria um imposto anual, ou seja, seria feito um pagamento sobre o patrimônio, que é de difícil estimação; além disso, entra aquela questão de “o que é grande fortuna?”. Quem definiria isso seria o Congresso. Existem alguns projetos de imposto sobre grandes fortunas: o próprio Fernando Henrique tem um projeto, a Luciana Genro também tem um projeto de lei que nunca foi votado, um estipulando 50 milhões, outro, 2 milhões.

Enfim, é algo bastante subjetivo o que seria uma grande fortuna. Isso teria de ser definido politicamente, mas se pegarmos as declarações de imposto de renda no Brasil, apenas 0,2% da população tem um patrimônio superior a 1,5 milhão declarado. Então, se fizesse a taxação sobre 2 milhões, já abarcaria um público relativamente restrito, muito embora haja subestimação do patrimônio nos dados da receita, não tenho dúvidas disso. Mas, de toda forma, são os dados de que dispomos; então, em torno de 0,2%, 0,1% da população pagaria esse imposto.

IHU On-Line - Como o senhor analisa o quanto o Estado arrecada e quanto gasta? O Brasil arrecada o suficiente para o que necessita gastar?

Róber Iturriet Avila – Essa é uma questão bastante relevante. É claro, vou analisar aqui as três esferas de governo, que é mais fácil: estados, municípios e União. A própria Constituição brasileira institui uma série de direitos legais, de direitos de educação, de saúde, de previdência e de seguridade social, que não percebemos no dia a dia, mas que nos beneficiamos constantemente. Isso, evidentemente, custa caro. Quando vemos, de fato, o que o governo arrecada e onde ele gasta, observamos que, embora seja necessária e importante a reclamação da população, no fundo há uma grande desinformação de como e quanto o governo capta, e existe uma impressão generalizada de que é excessivo.

Arrecadação X Gasto

A carga tributária no Brasil hoje é de 36% do PIB, ou seja, de tudo aquilo que produzimos, 36% fica com as três esferas governamentais. Desses 36%, 4% são para a saúde, em torno de 6,6% para a educação (nas três esferas), e aí já foi 10,6%. Gastamos também, dependendo do ano — isso oscila um pouco mais —, em torno de 15% com Previdência, porque quando pegamos esses 36%, estamos levando em consideração também INSS, IPE no Rio Grande do Sul, e outros, que é a contribuição para aposentadoria, que entra de um lado e sai do outro com as aposentadorias e pensões. Então somando isso, já temos 25,6% só em saúde, educação e previdência, que são os três principais.

Depois, e esse é o problema, como temos um endividamento, que não é baixo, e também uma taxa de juros muito alta, gastamos em torno de 5,5% da arrecadação ou de toda tributação em juros da dívida pública; é mais do que gastamos em saúde, portanto trata-se de um valor que não é nenhum pouco desconsiderável. Somando esses quatro elementos, já foi 31,1% da carga tributária e aí o resto é mais dissolvido: para Defesa, o Judiciário, o Legislativo, para a transferência de renda e a assistência social, soma-se apenas 1%. Fechamos um cálculo de 32% e o resto é diluído por diversos tipos de gastos que o governo tem: subsídios para a produção de alimentos, distribuição de energia, saneamento básico, para crédito imobiliário que é subsidiado.

Evidentemente, com certeza, as esferas governamentais sempre podem enxugar ou gerir de forma mais austera os recursos públicos. Há casos de desvios, mas olhando os dados cruamente, como falei, gastamos basicamente em educação, saúde e previdência; é para aí que vai boa parte dos recursos. Só que quando observamos que o Brasil é um país em que a renda per capita é em torno de 2.200,00 reais e 36% disso é em torno de 800,00 reais, que é quanto de fato cada cidadão contribui em média para o Estado, então, quer dizer, não é tanto assim. Qual o plano de saúde, educação privada, previdência privada, somando tudo, que vai custar R$ 820,00, sem considerar calçamento, energia, luz de postes? Não dá, é pouco recurso. Na verdade o Brasil é um país relativamente pobre, e é por isso que temos tantas dificuldades no setor público como também na vida privada.

Brasil: um país de renda média

É bastante justo quando fazem um comparativo com países ricos, porque o país rico que tem uma carga tributária semelhante, mas, por ser rico, o nível de renda per capita é maior. Evidentemente que com a arrecadação do governo de outros países, com uma renda per capita maior, a mesma alíquota gera um recurso monetário muito superior e por isso os serviços públicos nesses países são melhores; é uma questão de proporção. O Brasil é um país de renda média, não é pobre, miserável, mas está longe de ser rico, e por isso os serviços de educação e saúde também são de nível médio, condizente com nosso estágio de desenvolvimento. Então, não me assombro tanto assim. Há uma desinformação da população quando reclamam. É óbvio que a população tem razão de reclamar do serviço público, mas contribuímos pouco, na verdade, para que o Estado ofereça e garanta melhores serviços, porque nós temos uma renda média baixa, então não poderia ser diferente.

"Temos um problema crônico de desenvolvimento econômico e social e isso rebate em todas as facetas da sociedade, inclusive no Estado"

IHU On-Line - O problema pode ser resumido aos baixos salários?

Róber Iturriet Avila – Sim. Mas é um nível do nosso estágio de desenvolvimento que é proporcional também, mas simplificando seria isso. Colocando de uma forma mais ampla, é porque nosso estágio de desenvolvimento ainda não é elevado. Vemos nas grandes cidades, principalmente Rio de Janeiro, São Paulo, em cidades nordestinas, que há muitos miseráveis, enfim, temos um problema crônico de desenvolvimento econômico e social e isso rebate em todas as facetas da sociedade, inclusive no Estado.

Na verdade o Brasil tem em torno de 10% da população que realmente tem um nível de vida muito bom, muito alto, inclusive o 1% mais rico tem uma vida comparável com qualquer país europeu, mas os demais têm um nível de vida bem inferior. Nós temos um problema social de desigualdade e desenvolvimento que ainda não está solucionado, muito longe disso.

IHU On-Line - Qual a saída para solucionar a questão do desenvolvimento no país? Nos governos Lula e Dilma se tentou fazer o que ficou conhecido como neodesenvolvimentismo, mas parece que agora esse modelo chegou ao fim, ou ao menos dá sinais de desgaste. O que é necessário? Mais Estado, menos Estado? O que seria uma via para garantir o desenvolvimento do Brasil sanando inclusive os problemas sociais?

Róber Iturriet Avila – Essa também é uma discussão bastante complexa e controvertida e não consensual. Existem diversas estratégias de desenvolvimento que foram acumuladas tanto pelo processo histórico como pela própria Ciência Econômica e Ciências Sociais de uma forma geral, mas podemos resumir em dois blocos de estratégia, que são os que você mencionou: o desenvolvimentismo e um processo de redução do Estado, que é o liberalismo. Não há consenso de qual é o melhor rumo.

A bonança passou

Nos governos Dilma e Lula houve um ensaio desenvolvimentista, não que tenha sido de fato ou efetivamente desenvolvimentista. O que seria esse desenvolvimentismo? É uma ação do Estado via estatais, política industrial, fiscal ou até mesmo monetária ou cambial para tentar incentivar a economia, por meio de uma série de medidas: o próprio financiamento via BNDES, a política do pré-sal de tentar chamar as plataformas para serem construídas no Brasil através do financiamento estatal, e outras medidas como incentivos para o setor automobilístico. Então, houve esse ensaio desenvolvimentista, um período de sucesso bastante inquestionável, que foi um período de crescimento econômico, distribuição da riqueza, crescimento da renda, redução do desemprego, aumento das reservas internacionais. Mas esse período com certeza ficou para trás, e a bonança passou. Podemos dizer que até 2011 ela durou, mas em 2012 e 2013 havia uma perspectiva de que retomasse e, em 2014, ficou claro que havia passado.

A estratégia que será tomada é uma definição política ideológica. Eu estou mais alinhado com o desenvolvimentismo. A outra estratégia seria reduzir a ação do Estado, deixar o livre comércio e o mercado funcionarem esperando que se tenha uma resposta. Não acredito nessa estratégia porque historicamente os países desenvolvidos não chegaram ao desenvolvimento dessa maneira, e os países que são liberais hoje, como a Inglaterra e os Estados Unidos, não se desenvolveram através do liberalismo, eles fizeram políticas de intervenção do Estado com proteção às empresas, incentivo creditício e fiscal para que houvesse o desenvolvimento das empresas e, por consequência, de emprego, renda e tudo que vier na sequência.

Indefinição

A Dilma venceu as eleições do ano passado com essa proposta mais intervencionista do Estado, mas o ensaio desenvolvimentista está ficando para trás por uma série de questões, como a Lava Jato, que desestruturou a política da Petrobras e das empresas correlatas, assim como a ofensiva dos liberais na política, que querem desmanchar essa estratégia de desenvolvimento, inclusive questionando os créditos que o BNDES está concedendo. Estamos num momento de indefinição da estratégia que será tomada pelo governo daqui para frente. Não sabemos o que irá acontecer, quais serão as estratégias adotadas, mas parece que se caminha para um modelo liberal.

IHU On-Line – O que faz com que o desenvolvimento nos países ricos seja diferente do desenvolvimento brasileiro, considerando que esses países também adotaram políticas de Estado, como o senhor mencionou?

Róber Iturriet Avila – Essa é uma questão extremamente complexa e não é apenas um fator ou outro que a explica, mas há uma série de questões. Tentando simplificar a resposta, o que faz o desenvolvimento é a produção capitalista e o empreendimento capitalista dentro dos marcos institucionais do capitalismo, que é nosso modo de produção. O que traz desenvolvimento são os empresários produzindo, trazendo investimentos novos, tecnologias de investimento em Ciência; é isso que traz o progresso.

Esses países desenvolvidos têm mais capital, mais empresas. Se pensarmos quais são as grandes multinacionais brasileiras, veremos que são pouquíssimas. Quais são as grandes multinacionais americanas? Diversas. Quais são as grandes multinacionais japonesas e alemãs? Existem muitas. São as empresas que fazem o processo de desenvolvimento andar. Claro que, historicamente, o Estado sempre esteve associado ao capital para que o desenvolvimento ocorresse, esse é o ponto que falei anteriormente.

Uma das questões é o próprio capital, pois nesses países ele é mais desenvolvido, tem mais riqueza, os empreendimentos são mais antigos e isso gerou um processo de desenvolvimento com crescimento também das universidades, da tecnologia, as empresas ficaram grandes, elas têm capacidade de competição internacional, então elas abarcam mercados cada vez maiores.

Se pensarmos no Brasil, é possível perceber uma história triste porque tivemos 388 anos de escravidão e, além disso, uma pequena fração da população de Portugal veio para cá não para produzir empresas, mas para captar o incipiente comercial através da mão de obra escrava. Também os índios foram praticamente exterminados, e isso fez a nossa cultura. E, quando o Brasil começou, de fato, a engrenar no desenvolvimento capitalista — em 1930 com o crescimento da indústria —, nós estávamos em um nível bastante atrasado com relação aos países desenvolvidos. Com relação aos Estados Unidos, por exemplo, aconteceu o contrário: os ingleses foram para lá para construir um país, enquanto os portugueses que vieram para cá, vieram explorar o país. A nossa própria história ajuda a explicar o nosso desenvolvimento e não há como fugir do passado, porque somos reflexo do passado.

Mas os grandes empresários brasileiros também são um pouco tímidos, boa parte dos bens que consumimos é de empresas estrangeiras. É por isso que somos relativamente mais pobres, porque as empresas que ficam com boa parte da riqueza, de forma geral, não são nacionais.

"Não há nada de positivo pela frente, os próximos anos devem ser mais difíceis do que os que passaram"

 

 

 

 

 

IHU On-Line - Que leitura faz da aprovação das MPs 665 e 664? Elas foram instituídas para reparar irregularidades na Previdência e no Seguro Desemprego ou como parte do ajuste fiscal?

Róber Iturriet Avila – Sem dúvida são polêmicas. Na mesma linha do que estava falando anteriormente, que a gestão do segundo governo Dilma está sendo bem diferente do primeiro. Esse tipo de medida não ocorreria no primeiro mandato de Dilma, que tinha um caráter um pouco distinto, e essa mudança vem justamente do Ministro da Fazenda, que tem uma posição mais liberal.

Essas MPs fazem parte do ajuste na margem social e política do Executivo, que são os trabalhadores, por isso tanta polêmica. Agora, olhando de forma um pouco fria, no Brasil há problemas na questão das pensões: as concessões de pensões no país são muito benevolentes, quase sem paralelo internacional, algo que poderia corrigir.

Acredito que nas pensões realmente é preciso mexer; agora, existem outras formas de fazer ajuste cobrando um pouco mais de quem pode contribuir mais e não de quem será penalizado nesse processo de restrição, que são os próprios trabalhadores. Poderia ter aumentado, como falei, os impostos sobre heranças, patrimônio e renda, que teria um resultado maior, inclusive, e um impacto social mais coerente com a própria eleição que foi definida.

IHU On-Line - Quais as expectativas para continuidade do desenvolvimento da economia brasileira?

Róber Iturriet Avila – Estamos em um cenário bastante negativo, porque a perspectiva de crescimento econômico neste ano é negativa, para o próximo ano talvez seja negativa também ou zero. As medidas do governo que estão vindo em um sentido de aprofundar esse processo com corte de gastos, como falei antes, geram um processo de recessão. O aumento da taxa de juros também freia a economia.

Existiam duas saídas. Uma delas seria a inserção da Petrobras e os investimentos em infraestrutura, mas a Operação Lava Jato está dinamitando completamente essas possibilidades, porque as próprias grandes empreiteiras no Brasil estão em xeque, algumas pedindo concordata. Enfim, estamos em uma situação muito delicada.

Outra saída seria intensificar as relações comerciais, mas o cenário internacional também está negativo, os preços dos produtos que exportamos estão caindo, as economias centrais, a exemplo dos Estados Unidos, ensaiaram uma retomada que também naufragou, a Europa está em uma situação dramática, a China, que era nosso principal parceiro, está desacelerando também com bastante intensidade. Além disso, nossos parceiros comerciais próximos, como Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, também estão desacelerando. Desse modo, não há nada de positivo pela frente, os próximos anos devem ser mais difíceis do que os que passaram, pelo menos teremos uns dois anos de dificuldades.

Por Patrícia Fachin

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