Desigualdade de renda no Brasil: os 10% mais ricos e a metade mais pobre. Entrevista especial com Marcelo Medeiros

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01 Outubro 2014

“As pessoas acham que o 1% mais rico é formado por milionários, mas isso não é verdade. Os ricos são pessoas que você vê passar na rua todos os dias”, diz o sociólogo.

Foto: jornalggn.com.br

A pesquisa “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: Estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares”, que compara os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD com os do Imposto de Renda, demonstra que a desigualdade é 11% maior do que se costumava estimar apenas com base nos dados da PNAD. Por conta desse resultado, será necessário “reavaliar parte do que sabíamos sobre desigualdade no Brasil. Isso não significa que tudo que temos até agora deve ser descartado, e, sim, que algo do que sabemos deve ser repensado. Mas aquilo que achávamos que eram causas importantes da desigualdade talvez venha perder parte de sua importância”, pontua Marcelo Medeiros, um dos autores da pesquisa, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

De acordo com o professor da Universidade de Brasília – UnB, os dados do Imposto de Renda possibilitam detectar um estrato específico da população brasileira: os mais ricos. Apesar de ainda não ser possível apontar quem são as pessoas mais ricas do país, Medeiros assinala que “pesquisas anteriores estavam baseadas em dados que, sabemos agora com mais segurança, estavam subestimando as rendas dos ricos. O que sabíamos até o momento é que a riqueza não é simplesmente o inverso da pobreza. Aquilo que faz uma pessoa deixar de ser pobre não é o mesmo que faz uma pessoa ser rica, o que aliás é meio óbvio. Mas ainda temos muito que avançar para saber o que faz as pessoas estarem no topo da pirâmide social”.

Num país como o Brasil, em que a renda ainda é bastante concentrada, “o que é muito importante é saber o quanto do nosso crescimento está sendo apropriado por cada grupo da população. Nossos resultados indicam que, quando discutimos o crescimento da economia, falamos de algo que irá ser apropriado, majoritariamente, pelos mais ricos”, enfatiza. Medeiros destaca ainda que o “1% mais rico da população começa ganhando o que hoje seria equivalente a pouco mais de 230 mil reais por ano. O 0,1%, cerca de 140 mil pessoas, a partir de 1 milhão de reais por ano. Estes valores ainda são estimativas iniciais. O topo, em particular, pode estar subestimado”. E acrescenta: “Se alguém ganha mais de 38 mil reais por ano, já pertence aos 10% mais ricos. Pode não parecer muito, mas é bem mais do que ganha a grande maioria da população brasileira. A metade mais pobre da população do Brasil não ganha mais do que 10 mil reais por ano”.

Marcelo Medeiros é graduado em Economia pela Universidade de Brasília – UnB, mestre e doutor em Sociologia pela mesma instituição. Atualmente é pesquisador do Ipea e professor na UnB. Além disso, leciona anualmente na UNSAM - Buenos Aires. Foi pesquisador no International Poverty Centre - UNDP, pesquisador-visitante no CSC - Cambridge University, no Institute for Human Development - Delhi, no Indira Ghandi Institute - Mumbai, na Sophia University - Tóquio, no CNRS-Cermes3 - Paris e na University of California - Berkeley, além de especialista em avaliação de políticas do TCU.

Confira a entrevista.

Foto: igepp.com.br

IHU On-Line - O senhor diz que a desigualdade brasileira é mais alta do que se imaginava. Qual era a estimativa acerca da desigualdade antes de realizar o estudo “A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: Estimativa com dados do Imposto de Renda e pesquisas domiciliares” e qual foi o resultado verificado após a pesquisa?

Marcelo Medeiros - Com o uso de dados do Imposto de Renda observamos que a desigualdade é cerca de 11% maior do que costumávamos estimar com as PNAD.

IHU On-Line - Quais são os aspectos determinantes da desigualdade social no Brasil?

Marcelo Medeiros - Por causa de nossos resultados, agora teremos que reavaliar parte do que sabíamos sobre desigualdade no Brasil. Isso não significa que tudo que temos até agora deve ser descartado, e, sim, que algo do que sabemos deve ser repensado. Eu realmente não tenho a resposta. Mas aquilo que achávamos que eram causas importantes da desigualdade talvez venha perder parte de sua importância.

IHU On-Line - Quais são as principais divergências no que se refere aos dados do Imposto de Renda e às pesquisas domiciliares em relação às desigualdades? Por que o coeficiente de Gini da desigualdade de renda entre os adultos medida com o Imposto de Renda é 11% maior do que aquela que medíamos nas PNAD?

Marcelo Medeiros - A PNAD é uma pesquisa de excelente qualidade. Os Censos também. Em todo o mundo, pesquisas como a PNAD e os Censos têm dificuldade em captar adequadamente a renda das pessoas mais ricas. Dados do Imposto de Renda captam essas rendas de modo mais preciso. Essa é a principal razão das diferenças. Mas a PNAD e os Censos continuarão sendo nossa principal fonte de informação social por muito tempo, inclusive levantando dados que o Imposto de Renda não levanta muito bem. O IBGE é uma instituição altamente profissional e seus resultados são de ótima qualidade. Nós podemos contar com a PNAD e os Censos como boa fonte de informação social no país.

IHU On-Line - Quem são os mais ricos do Brasil e quais são os fatores que determinam a riqueza?

Marcelo Medeiros - Infelizmente ainda não conseguimos dizer. Nossas pesquisas anteriores estavam baseadas em dados que, sabemos agora com mais segurança, estavam subestimando as rendas dos ricos. O que sabíamos até o momento é que a riqueza não é simplesmente o inverso da pobreza. Aquilo que faz uma pessoa deixar de ser pobre não é o mesmo que faz uma pessoa ser rica, o que aliás é meio óbvio. Mas ainda temos muito que avançar para saber o que faz as pessoas estarem no topo da pirâmide social.

“O Estado contribui para uma parte relevante da desigualdade no país”

IHU On-Line - O senhor chama atenção para a desigualdade a partir de um estrato da população: os mais ricos. É possível estimar quais são as razões que contribuem para que um grupo de 1% mais rico da população se aproprie de 28% de todo o crescimento, como ocorreu entre 2006 e 2012?

Marcelo Medeiros - Isso acontece quando a renda é muito concentrada. O que é muito importante é saber o quanto do nosso crescimento está sendo apropriado por cada grupo da população. Nossos resultados indicam que, quando discutimos o crescimento da economia, falamos de algo que irá ser apropriado, majoritariamente, pelos mais ricos.

IHU On-Line - O senhor também informa que se alguém ganha mais de 38 mil reais por ano, já pertence ao grupo dos 10% mais ricos. A partir desse dado, é possível estimar qual é a diferença da renda entre os mais ricos e os mais pobres, e entre os mais ricos e a média da população?

Marcelo Medeiros - Em 2012 o 1% mais rico da população começa ganhando o que hoje seria equivalente a pouco mais de 230 mil reais por ano. O 0,1%, cerca de 140 mil pessoas, a partir de 1 milhão de reais por ano. Estes valores ainda são estimativas iniciais. O topo, em particular, pode estar subestimado. As pessoas acham que o 1% mais rico é formado por milionários, mas isso não é verdade. Os ricos são pessoas que você vê passar na rua todos os dias.

Se alguém ganha mais de 38 mil reais por ano, já pertence aos 10% mais ricos. Pode não parecer muito, mas é bem mais do que ganha a grande maioria da população brasileira. A metade mais pobre da população do Brasil não ganha mais do que 10 mil reais por ano.

IHU On-Line - Em que medida os fluxos de renda de e para o Estado afetam a distribuição de renda no Brasil?

Marcelo Medeiros - As rendas que vêm do Estado chegam a vários grupos da população. Os mais ricos recebem mais recursos que os mais pobres. O Estado contribui para uma parte relevante da desigualdade no país. Mas é importante entender que isso não é necessariamente ruim. Se o Estado melhora o sistema de saúde e contrata mais enfermeiras e médicas, ele passa a pagar salários para pessoas que estão na metade de cima da distribuição de renda. Isso contribui para a desigualdade, mas nem por isso melhorar a saúde contratando mais enfermeiras e médicas é uma má notícia. Olhar só para a desigualdade de renda é pouco, temos que prestar atenção nas causas da desigualdade e também no conjunto de outras coisas que fazem as pessoas viverem bem.

IHU On-Line - Como avalia as políticas públicas que propõem a redução das desigualdades através da distribuição de renda?

Marcelo Medeiros - Elas são muito importantes. Tanto as políticas que pretendem tornar nossos impostos mais justos quanto as políticas que focam nas causas da desigualdade no longo prazo.

“A desigualdade não é um problema que vai ser resolvido com um conjunto restrito de políticas”

IHU On-Line - Que medidas ainda são necessárias para diminuir as desigualdades?

Marcelo Medeiros - Não existe uma solução simples para um problema dessa magnitude. Buscar uma fórmula mágica para resolver o problema da desigualdade é o mesmo que buscar uma maneira simples de fazer a economia de um país crescer rapidamente e sustentar esse crescimento: provavelmente não dará resultado.

A desigualdade não é um problema que vai ser resolvido com um conjunto restrito de políticas. Sequer é um problema simples de ser enfrentado. Ela é uma meta de longo prazo e sua solução passa por enfrentar grandes conflitos de interesse. Combater a desigualdade é mais difícil e politicamente delicado do que acabar com a fome ou a pobreza.

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Desigualdade de renda no Brasil: os 10% mais ricos e a metade mais pobre. Entrevista especial com Marcelo Medeiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU