Não se pode fazer guerra sem pensar na paz

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02 Mai 2022

 

Nunca como este ano, o dia da libertação da Itália e da vitória da resistência contra o nazifascismo, 25 de abril, foi atravessado por sentimentos tão contrastantes, para além de qualquer retórica comemorativa. Os ecos surdos da guerra que devasta o Leste Europeu escureceram o céu de 25 de abril e pesaram nas cerimônias e nas manifestações que aconteceram por toda a Itália. Foi uma grande oportunidade coletiva não só para relembrar, mas também para questionar essa memória, torná-la atual, lê-la à luz dos dramas que angustiam nosso tempo para buscar respostas. A leitura mais banal é aquela que propõe uma equiparação entre a Resistência italiana ao nazifascismo e a resistência das forças armadas ucranianas à agressão da Rússia.

 

O artigo é de Domenico Gallo, escritor italiano, publicado por Il Fatto Quotidiano, 30-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

A lição que se tira desta leitura é que é necessário apoiar a resistência da Ucrânia, refornecendo-a de armas cada vez mais sofisticadas, para permitir-lhe repelir a invasão e derrotar o agressor, fazer triunfar a justiça, mesmo ao custo de uma guerra prolongada e de sofrimento indescritível para a população civil. Mesmo ao custo de provocar a Terceira Guerra Mundial: em suma, fiat iustitia et pereat mundus! No entanto, sem diminuir a legitimidade e o valor da resistência militar dos ucranianos contra as forças armadas inimigas que invadiram seu país trazendo destruição e morte, a equiparação é absurda porque a resistência italiana e europeia ao nazifascismo não foi apenas um fato militar, mas se tratou de uma oposição armada ao horror de um mundo hitleriano, que foi contraposto o anúncio de um mundo novo.

 

Thomas Mann, na introdução às cartas dos condenados à morte da resistência europeia, destaca que o significado desse sacrifício não é simplesmente a resistência, mas principalmente o anúncio de uma nova sociedade humana, ou seja, de um novo tempo e de uma nova história em que a humanidade estivesse libertada, para sempre, da ameaça de guerras, violências, discriminação, desprezo pelos direitos universais do homem e dos povos.

 

Essencialmente, há dois objetivos explícitos da Resistência, construir a paz, através do repúdio dos nacionalismos e da lógica do poder e salvaguardar a dignidade da pessoa humana. “A Resistência - observa Umberto Baldocchi (Pacifismo, luta pela paz e ética da resistência) - não é simplesmente a luta para destruir um inimigo. Ela nasce não do ódio fanático, não do nacionalismo desenfreado, não de um desejo de vingança, nem da necessidade de autodefesa, mas simplesmente de um senso de dever moral, de um profundo amor pela justiça”. No pano de fundo da Resistência havia a construção de uma nova ordem mundial baseada na paz, na colaboração e na igualdade dos povos.

 

Que mundo novo vemos por trás da legítima e obrigatória resistência militar da Ucrânia à agressão da Rússia? Talvez a exigência manifesta de Biden de transformar os russos em párias na comunidade internacional?  Que paz nos espera depois que a guerra tiver manifestado todo seu enorme potencial de destruição?

 

É precisamente durante a guerra que é mais forte a exigência de pensar a paz, de traçar um projeto que permita superar as causas que provocaram a guerra e restabelecer a convivência pacífica entre as nações. Assim como fizeram aqueles visionários que em 1941 elaboraram o Manifesto de Ventotene.

 

Como nos lembrou Pasqualina Napoletano (CRS: Pensar a paz sob as bombas): "aquele grupo de visionários conseguiu conceber um projeto capaz de ir além do ódio, com o objetivo de reconciliar povos e nações, responsáveis ​​por duas guerras mundiais. Um projeto corajoso, que não devia se fundar na humilhação e na vingança, mas na integração econômica e política: os Estados Unidos da Europa”.

 

Que projeto para a reconciliação e convivência pacífica, ou pelo menos para a segurança coletiva articulamos na Europa? Que projeto temos para secar o ódio fomentado pelos nacionalismos, armados uns contra os outros? Se são obscurecidas as causas que levaram à eclosão do conflito, incluindo o fato de que por mais de 20 anos os EUA praticaram uma nova guerra fria para humilhar e isolar a Rússia, como se pode remediar os erros cometidos ao estabelecer um novo critério e convivência pacífica?

 

Se queremos construir um horizonte de convivência pacífica na Europa, a solução não é alimentar o conflito para derrotar e punir a Rússia sacrificando os ucranianos em uma guerra por procuração.

 

O verdadeiro dilema não é enviar ou não enviar armas, mas como queremos sair desta guerra e com que perspectivas, tendo em conta que cada dia a mais de guerra cria depósitos de ódio entre os dois povos envolvidos que será cada vez mais difícil de drenar.

 

“Nos momentos mais dramáticos - observa Pasqualina Napoletano - não podemos ficar presos em um eterno presente, pensando que as situações sejam imutáveis. Nesse espírito, uma proposta para a Rússia poderia começar com uma nova Conferência de Paz e Segurança do tipo Helsinki-2, lembrada por muitos, ela também poderia obter um efeito muito mais incisivo no mundo russo do que a continuação da guerra e, inclusive, colocar em crise o sistema de poder 'putiniano' que se nutre e fortalece com a guerra”.

 

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