Quem insulta os pacifistas se cala sobre o perigo nuclear. Artigo de Tomaso Montanari

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21 Março 2022

 

A chamada “esquerda pacifista” que, junto com o Papa Francisco, pede um cessar-fogo imediato é acusada de colateralismo com Putin. É uma caça às bruxas violenta, embora inexplicável.

 

A opinião é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado em Il Fatto Quotidiano, 19-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Entre os muitos contágios de guerra desencadeados pela agressão de Putin contra a Ucrânia, há um totalmente italiano: o feroz vilipêndio contra quem tenta insinuar no discurso público algumas dúvidas sobre a conveniência de armar os ucranianos, prolongando assim a guerra, aumentando o número de mortes e aproximando, cada dia mais, a possibilidade de um holocausto nuclear.

No New York Times, por exemplo, esses assuntos são discutidos abertamente, sem qualquer hesitação: afinal, um relatório da Defense Intelligence Agency estadunidense constatou que “a combinação da resistência ucraniana e as sanções econômicas” induzirá a Rússia “provavelmente a confiar na sua dissuasão nuclear”.

A ruptura do tabu nuclear é um tema ou, melhor, “o” tema: como admitiu o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, “o conflito nuclear está hoje no reino do possível”.

Mas aqui na Itália, não: a chamada “esquerda pacifista” que, junto com o Papa Francisco, pede um cessar-fogo imediato é acusada de colateralismo com Putin. É uma caça às bruxas violenta, embora inexplicável: o Parlamento votou quase por unanimidade pelo envio de armas, e os jornais são quase todos intervencionistas.

Que perigo, então, podem representar aquelas poucas consciências, sem crachás, sem organizações e sem patrões, que não se resignam a se calar? Falo por mim mesmo: não hesitei em assumir o lado do agredido contra o agressor (no meu perfil do Twitter, estão fixadas há mais de duas semanas as palavras da escritora russa Ljudmila Petruševskaja, que eu traduzi e coloquei no site da minha universidade: “Por esta guerra, eu acuso o criminoso número um, Putin”), mas estou profundamente angustiado com aquela que me parece uma dança coletiva rumo ao abismo.

Realmente não podemos nos perguntar se o fim da humanidade é um dano colateral aceitável? Não é apropriado, legítimo, útil que esse medo também seja representado, já que talvez ele não seja tão raro entre as pessoas que não têm acesso à mídia?

Em vez disso, nos jornais de propriedade do establishment, é tudo um hino à guerra. Stefano Folli exalta o aumento dos gastos militares (finalmente “o conflito na Ucrânia parece ter quebrado as velhas resistências”), o rearmamento europeu é “a ruptura de um tabu não evidente..., que dá o sentido a uma reviravolta que ocorreu graças ao eixo Roma-Berlim”, é o título de nove colunas do jornal Il Foglio.

E, então, quem apanha são as bruxas pacifistas: Francesco Merlo insulta a CGIL e a Anpi [Associazione Nazionale Partigiani d’Italia] (e os refugiados junto) chamando-os de “campos de refugiados da ideologia”, e Stefano Cappellini (também no La Repubblica) me atribui “o primado” entre os amigos ocultos de Putin. No Twitter, ele é mais explícito: os contrários ao envio de armas são “narcisistas, ‘do contra’ e idiotas” – e nos perguntamos em qual das três categorias Cappellini coloca o Papa Francisco.

No meu caso, a culpa seria “a desesperada e grotesca tentativa de despedaçar qualquer semelhança entre a Resistência italiana e a ucraniana”. Assim, eu, precisamente eu teria “degradado uma das páginas mais heroicas da história nacional”.

Cappellini tem o cuidado de não dizer que foi a Associação Nacional dos Partigiani que denunciou, no seu jornal, a insustentabilidade histórica desse confronto. Também não cita os dois artigos em que Marco Revelli (ainda menos suspeitável do que eu em termos de pouco conhecimento e pouco amor pela Resistência) rejeita essa comparação, condenando “o uso propagandístico da história, posto em jogo em relação ao cancelamento das especificidades de contexto e à eticização simbólica de fatos históricos diferentes entre si, que remontam a um único efeito emocional simplificado”, lembrando as “condições que são todas abissalmente diferentes – ou, melhor, opostas – em relação às do conflito atual”.

O uso da história é o ponto. Uma declaração do Comitê Internacional de Ciências Históricas condenou “firmemente o abuso da história empregado pelo presidente Putin ao racionalizar a agressão da Rússia contra a Ucrânia. A história não é de propriedade dos Estados ou dos governantes, e nós deploramos o uso da história para promover imagens inimigas e mitos distorcidos”.

Pois bem, assim como o veneno do nacionalismo de Putin está contagiando (em sentido contrário) até mesmo as instituições culturais ocidentais, assim também os jornalistas à la Cappellini fazem a mesma operação de Putin, abusando especularmente da história em chave propagandística. E espancando quem tenta denunciar a miséria e a periculosidade dessa “história” posta a serviço da guerra.

No entanto, a discordância, o pensamento crítico, a distância da propaganda e o tabu da guerra atômica final deveriam ser o próprio coração daqueles famosos “valores ocidentais” que os jornais italianos dizem querer defender com essa atroz guerra por procuração. Ou não?

 

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