Sozinhos, temos miragens, vemos o que não existe, mas juntos se constroem os sonhos

Que a fragilidade, a sobriedade e a solidariedade, três aspectos do Natal, nos conduzam a sonhar juntos

Foto: Pixabay

Por: Patricia Fachin | 29 Dezembro 2020

Tão logo tomamos consciência da gravidade do problema sanitário que atingiu a humanidade em 2020, foi possível observar dois comportamentos antagônicos: de um lado, o pessimismo radical que viu nesta ocasião a possibilidade de reafirmar todas as suas teses sobre o trágico fim dos tempos, em que não há espaço para a liberdade humana e tampouco para a providência divinagraça divina e, de outro, o otimismo ingênuo, segundo o qual, depois desta crise, o mundo seria radicalmente diferente do que sempre foi.

Extremismos à parte, algumas palavras nos ajudam a redirecionar o olhar para o presente à luz do passado e em vista do futuro. Entre elas, as de Francesco Cosentino, padre italiano, teólogo e professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, são particularmente fecundas para o momento em que nos encontramos: "fragilidade, sobriedade e solidariedade". "Fragilidade, sobriedade e solidariedade são sinais evidentes do nascimento do Senhor e são caminhos que, apesar dela, a pandemia nos apresenta. Percorrê-los poderia ser uma forma de redescobrir o significado do Natal e refletir sobre o mundo e a sociedade que queremos construir no futuro próximo", menciona.

Em artigo publicado por Settimana News e reproduzido no sítio do IHU, Cosentino vê nesses vocábulos "três aspectos importantes do Natal que podemos recuperar e abraçar com mais consciência" para cultivar a esperança confiante no meio da noite escura e crítica que marcará as celebrações natalinas deste ano, mas para além dela, no ano que se inicia.

O primeiro aspecto, diz, consiste em aprender que "a fragilidade é o nosso destino". A pandemia, constata, "nos fez descobrir e nos sentir frágeis", assim como o menino que nasceu em Belém, "enquanto, no nosso delírio de onipotência ocidental, pensamos que tínhamos tudo sob controle".

O segundo aspecto "é a redescoberta do valor da sobriedade": ser moderado, não ser acometido pelos extremos e ater-se ao essencial. Assumir essa postura à qual o Natal nos convida todos os anos, pontua, significa "contemplar aquele Jesus que nasce em um ambiente essencial e simples: uma gruta, os pastores, um vilarejo perdido onde ele viveu por 30 anos. Um pouco de sobriedade, neste tempo de pandemia, pode nos fazer redescobrir o gosto pelo essencial, a beleza das coisas simples, o verme venenoso da ânsia de acumular, uma redescoberta das coisas que realmente importam na vida".

O terceiro aspecto "é o crescimento do senso de solidariedade", intrínseco ao Natal, porque Cristo é fundamentalmente amor, doação e misericórdia. "A simplicidade do Natal, que nos faz redescobrir a importância da fragilidade e o valor da sobriedade, nos indica que a vida adquire sentido e sabor quando nos abrimos ao amor. Não conseguimos sozinhos: é a grande lição da pandemia e, paradoxalmente, também a do Natal. Adoramos um Deus que é Deus-conosco, que estabelece relações, deseja se aproximar de nós, abre-se ao encontro", reitera.

Apesar de trazer um feixe de luz na noite escura, o Natal, lembra o teólogo, citando uma reflexão do cardeal italiano Carlo Maria Martini em 2008, foi ele próprio um acontecimento obscuro: “Uma viagem cansativa de Nazaré a Jerusalém para satisfazer a vaidade de um imperador, as pesadas rejeições recebidas por José que busca um lugar onde o menino possa nascer, o frio da noite, o desinteresse com que o mundo acolhe o filho de Deus que nasce. E, sobre tudo isso, paira uma pesada capa de cinzume, de incredulidade, de superficialidade e de ceticismo, evidenciada nas gravíssimas injustiças então presentes no mundo. Não se pode dizer que o contexto do primeiro Natal foi um contexto de luz e de serenidade, mas sim de escuridão, de dor e até de desespero”. Não obstante a rejeição e a descrença que caracteriza a Encarnação de Cristo ainda hoje, que pode ser vista em diferentes manifestações do mal ao longo da história da humanidade, "o Natal nos fala de um Deus solidário com os homens e mulheres, que nos pede que o acolhamos sobretudo no rosto dos outros", acrescenta.

 

 

Em artigo publicado no La Repubblica nesta semana de Natal e reproduzido no sítio do IHU, o psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor das universidades de Pavia e de Verona, pontua que o Natal deste ano será "diferente do costume". "Mas talvez também será um Natal mais próximo do sentido original dessa festa. De fato, a sua dessacralização se cumpriu de forma irrefreável nessas últimas décadas. Há muito tempo, já despojamos o Natal de todo significado simbólico, reduzindo-o a um ritual consumista sem alma. O nascimento de Jesus foi reduzido a uma fábula entre outras, boas para alegrar o espírito dos nossos filhos na idade ainda sem pensamento crítico da sua infância. A própria celebração religiosa foi transfigurada principalmente em uma ocasião mundana de reencontro coletivo. O trauma da Covid, porém, traz bruscamente à luz aquilo que gostaríamos de esquecer, ou seja, a trágica fronteira que une profundamente a vida e a morte. Estar cercado de mortos e da doença deveria nos impor um olhar diferente, uma atitude de solidariedade com os mais frágeis, com os atingidos no corpo e na sua economia vital com maior força pelo vírus. Deveria nos levar a distinguir o essencial do não essencial", avalia.

 

 

A fragilidade do menino na manjedoura, menciona, "revela a condição de abandono em que todos estamos desde as nossas origens. O destino do pequeno Jesus já está escrito e é o de morrer na cruz. No entanto, esse destino mortal não elimina a necessidade do cuidado da vida que vem ao mundo, mas, pelo contrário, a potencializa. É para tornar 'imensamente sagrada' a vida de cada um, como afirma o Papa Francisco na sua última encíclica, Fratelli tutti, que o Deus cristão se decide escandalosamente pela sua kenosis, pela sua encarnação, fazendo-se menino. A sua fragilidade manifesta que aquilo que torna humana a vida é a graça da atenção que a rodeia, o calor do contato, a presença do outro, o dom".

 

Palavras novas para anunciar a Boa Notícia

 

Em entrevista concedida à IHU On-Line nesta semana, Flavio Lazzarin, padre italiano Fidei donum, que atua junto à Comissão Pastoral da Terra - CPT há mais de trinta anos, acostumado a presenciar conflitos violentos que marcam a disputa por terras no interior do Maranhão e todas as mazelas que acometem "inúmeras famílias camponesas empobrecidas e oprimidas pelo latifúndio e pela oligarquia", é categórico ao refletir sobre o momento histórico em que nos encontramos: "Outra atitude espiritual que é necessário recuperar diante das terríveis conjunturas é a revisão da convicção de que o nosso tempo seria uma exceção da história humana. 'Ninguém se engana: a nossa história já começou desumana', cantavam profeticamente as Comunidades Eclesiais de Base - Cebs nos anos 1980". Evocando as palavras do pregador do texto sapiencial, “não há novidades debaixo do sol”, ele reitera que a pandemia "desmanchou as nossas ilusórias convicções de que, depois de duas guerras mundiais e algumas ditaduras civis-militares, teríamos aprendido a tratar sabiamente a vida, a economia, a política, a ordem, o progresso e a história".

Mas o Natal, declara, "é a possibilidade de abandonar o já dito" e "buscar palavras novas, não pelo gosto suicida de uma modernidade que não consegue conviver com coisas velhas e sempre se submete neuroticamente às modas efêmeras, janelas abertas diante do nada. Buscar palavras novas que possam traduzir em atitudes e gestos novos a Boa Notícia. Palavras que nascem e renascem no seio da Palavra: 'No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus'. Enfim, palavras e práticas fracas e impotentes, que não têm o poder de convencer, são hegemônicas, desarmadas, crucificadas. Crucificadas junto com as vítimas incontáveis deste nosso tempo. Que esperam Vida em plenitude. Ressurreição".

Alex Zanotelli, padre e missionário comboniano no Sudão e no Quênia, também vislumbra no acontecimento do Natal a possibilidade de o mundo "mudar de direção". Em artigo publicado pelo Avvenire e reproduzido na página eletrônica do IHU, ele acentua a percepção inconsciente e imperante antes da crise. "Pensávamos que éramos onipotentes (idolatria!) e bastou um vírus para nos colocar em crise". Ao invés de caminharmos em direção à construção de um modelo de desenvolvimento social baseado na fraternidade, Zanotelli constata que "construímos um sistema econômico-financeiro-militarizado que não permite mais que o planeta respire. E a natureza se rebela por meio desse 'diabrete' que ataca nossos pulmões e nos mata. Esse nosso Sistema não só não permite que o planeta respire, mas também não o permite aos empobrecidos". O ícone disso neste ano, recorda, "se tornou o afro-americano George Floyd que, sob o joelho do policial, morre gritando: 'I can’t breath' (não consigo respirar). E assim não respira o planeta, não respiram os 'descartados e nós também não respiramos mais".

 

 

Enquanto ainda "estamos gemendo" diante da segunda onda da pandemia e o mundo já volta os olhos para as vacinas contra a covid-19 para nos libertar do cansaço e permitir o retorno ao normal, Zanotelli argumenta que "o principal erro de nos concentrarmos exclusivamente em uma ainda incerta profilaxia vacinal em massa, é esquecer que as pandemias são dramas sócio-sanitários e econômico-financeiros que não podemos evitar sem reduzir as verdadeiras causas: desmatamento, bioinvasões, mudanças climáticas e desastres sociais (a partir das imensas favelas do hemisfério sul)". Somente na África, informa, "mais de 200 milhões de pessoas vivem em favelas assustadoras! Em poucas palavras, ou mudamos o sistema ou todos pereceremos. A natureza continuará! Mas 10% do mundo (nós também estamos nele) não quer mudar". Mesmo quando forem produzidas vacinas capazes de imunizar toda a população, "será impossível voltar à normalidade, ao mundo de antes, onde 10% consomem 90% dos bens produzidos no planeta. É uma situação insustentável. A pandemia que estamos vivendo é um dos frutos envenenados criados por um modelo de desenvolvimento econômico doente", diz em entrevista ao Domani, reproduzida no sítio do IHU.

Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, também insiste na necessidade de buscarmos novos caminhos e vê na pandemia a ocasião para mudarmos de direção, especialmente na área econômica. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo recentemente, e reproduzida no sítio do IHU, ele foi enfático: "Se continuarmos a perseguir o mesmo caminho do passado, seremos extintos. Isso pode acontecer em breve, dependendo de quais esforços fizermos". Yunus lamenta o esforço de governos e empresas para voltar à situação econômica pré-pandêmica, visando a retomada do crescimento econômico nos mesmos níveis anteriores à crise sanitária. "Estou insistindo que a nossa política deveria ser de não voltar para aquele mundo, porque ele estava levando ao fim da existência da humanidade através do aquecimento global, do processo de extrema concentração de riqueza e da invasão da inteligência artificial, que torna o homem redundante no mundo. Os cientistas têm nos alertado que o aquecimento global não nos permite muito mais tempo neste planeta. A contagem regressiva começou. Voltar ao mundo pré-pandêmico seria suicídio. Agora, que a economia parou, podemos reorientá-la em uma direção diferente, em direção a um mundo de três zeros: zero emissão de carbono, zero concentração de riqueza e zero desemprego. Sabemos como chegar lá. O que precisamos fazer é tomar uma decisão ousada e abandonar o caminho antigo”, sugere.

O livro "Vamos sonhar juntos" publicado recentemente pelo Papa Francisco, juntamente com o jornalista Austen Ivereigh, segundo Paulo Suess, teólogo, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário - Cimi e professor em várias Faculdades de Teologia no ciclo de Pós-Graduação em Missiologia, traz elementos para refletirmos e buscarmos novas posturas à frente da crise mundial. "As reflexões desse livro foram escritas durante a quarentena. Fundamentado nos seus escritos, Francisco revela-se um farejador inquieto em busca de um sentido embutido na tragédia do coronavírus", diz, ao comentar a obra em artigo publicado na página do IHU. Segundo ele, "o livro 'Vamos sonhar juntos' tem elementos de uma síntese e de um testamento em que o papa, em uma situação de crise mundial, avalia os sete anos de seu pontificado, marcados pelos três documentos programáticos sobre a evangelização (EG), a criação (LS) e a fraternidade universal da humanidade (FT). O papa adverte: O caminho de volta está fechado. Está fechada 'a falsa segurança das estruturas políticas e econômicas de antes da crise. Precisamos de economias que permitam a todos o acesso aos frutos da Criação, às necessidades básicas de vida: terra, teto e trabalho (cf. VSJ 139-144). Devemos reduzir a velocidade, tomar consciência e desenhar maneiras melhores de conviver neste mundo' (VSJ 12). Como vamos sair dessa crise e caminhar para um futuro melhor?"

Suess destaca ainda que a crise é, de acordo com a compreensão do Papa, um tempo de reflexão: de "ver", de "escolher" e de "agir". "'O tempo de ver' é um processo de conscientização, um 'tempo de ver melhor'. Não é que até hoje fomos cegos, mas a crise da pandemia da covid-19 e a crise ecológica nos permitem focar melhor a urgência de soluções necessárias e possíveis. (...) Para esse segundo tempo, escreve Francisco, precisamos um conjunto de critérios e um 'refúgio da tirania do urgente', um lugar de 'reflexão e silêncio'. Precisamos reaprender a rezar, ouvir o chamado do Espírito e 'cultivar o diálogo, em uma comunidade que nos apoie e nos convide a sonhar' (VSJ 59). (...) No final dessa terceira parte, denominada 'tempo de agir', o Papa faz uma das propostas mais ousadas para traçar um 'caminho para um futuro melhor'. Para o mundo pós-pandemia será vital 'reconhecer o valor do trabalho não remunerado'. Devemos 'explorar conceitos como o de renda básica universal, [...] um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos' (VSJ 143). 'A renda básica universal poderia redefinir as relações no mercado laboral garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. [...] Com o mesmo objetivo, é bem possível que seja também hora de considerar uma redução no horário de trabalho [...]. Trabalhar menos, para que mais gente tenha acesso ao mercado de trabalho, [...] é um [...] pensamento que precisamos explorar com certa urgência' (VSJ 143s)".

 

A crise afeta a todos

 

O discurso do Papa Francisco na audiência à Cúria Romana por ocasião da apresentação das Saudações de Natal, no dia 21-12-2020, não poderia ser mais oportuno: trouxe em seu núcleo a crise como "um fenômeno que afeta tudo e a todos", mas que, ao final, pode se tornar fecunda. A crise "presente por todo o lado e em cada período da história, envolve as ideologias, a política, a economia, a técnica, a ecologia, a religião. Trata-se duma etapa obrigatória da história pessoal e social. Manifesta-se como um facto extraordinário, que provoca sempre um sentimento de trepidação, angústia, desequilíbrio e incerteza nas opções a tomar. Como lembra a raiz etimológica do verbo krino, a crise é aquele crivo que limpa o grão de trigo depois da ceifa", esclarece.

No texto publicado pelo Vatican News e reproduzido no sítio do IHU, Francisco salienta as diferenças entre crise e conflito. Enquanto o último "cria sempre um contraste, uma competição, um antagonismo aparentemente sem solução", a primeira "geralmente tem um desfecho positivo". "A novidade introduzida pela crise querida pelo Espírito nunca é uma novidade em contraposição ao antigo, mas uma novidade que germina do antigo e o torna sempre fecundo. Jesus usa uma frase que expressa esta passagem de forma simples e clara: 'Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto' (Jo 12, 24). O ato de morrer da semente é ambivalente, porque assinala simultaneamente o fim dalguma coisa e o início doutra. Ao mesmo momento chamamos morte-apodrecer e nascimento-germinar, porque são a mesma coisa: diante dos nossos olhos, vemos um fim e, ao mesmo tempo, naquele fim manifesta-se um novo início". A imagem do conflito em contraposição à crise é ilustrativa para o momento histórico que vivemos, em que a democracia é dividida por antagonismos que gestaram e gestam os autoritarismos e populismos do nosso tempo, que não comungam da construção de um caminho que conduza ao bem comum.

Ao invés de assumirmos a postura de senhores, o Papa nos convida a sermos "apenas 'servos inúteis'" que, com a misericórdia de Cristo, podemos abandonar o conflito e nos colocarmos a caminho, porque o Natal de Jesus, acentua, "é um mistério que nos recorda que 'os homens, embora tenham de morrer, não nasceram para morrer, mas para começar'", para colocar-se a caminho. "O caminho sempre tem a ver com os verbos de movimento. A crise é movimento, faz parte do caminho. Ao contrário, o conflito é um caminho fictício, é um girovagar sem motivo nem finalidade, é permanecer no labirinto, é só desperdício de energias e ocasião de mal. E o primeiro mal a que nos leva o conflito e do qual devemos procurar fugir, é a murmuração, a maledicência, que nos fecha na mais triste, desagradável e sufocante autorreferencialidade e transforma toda a crise em conflito. Narra o Evangelho que os pastores acreditaram no anúncio do Anjo e puseram-se a caminho para ir ver Jesus (cf. Lc 2, 15-16). Ao contrário, Herodes fecha-se diante da narração dos Magos e transformou este seu fechamento em mentira e violência (cf. Mt 2, 1-16)".

Dos evangelhos da infância, onde se narra o nascimento de Jesus, recorda o Papa, "vem-nos uma grande lição, ou seja, a de uma nova cumplicidade e união que se cria entre quantos são os seus protagonistas: Maria, José, os pastores, os magos e todos aqueles que, duma forma ou doutra, ofereceram a sua fraternidade, a sua amizade, para poder ser acolhido na escuridão da história o Verbo que Se fez carne (cf. Jo 1, 14)".

 

 

Francisco também reitera a necessidade de olharmos para a realidade com esperança e à luz do Evangelho, porque "uma leitura da realidade sem esperança não se pode chamar realista. A esperança dá às nossas análises aquilo que muitas vezes o nosso olhar míope é incapaz de captar". E adverte: "Quem não olha a crise à luz do Evangelho limita-se a fazer a autópsia dum cadáver". Na avaliação dele, nos assustamos com a crise "não só porque nos esquecemos de a avaliar como o Evangelho nos convida a fazê-lo, mas também porque olvidamos que o Evangelho é o primeiro a colocar-nos em crise. Mas, se reencontrarmos a coragem e a humildade de dizer em voz alta que o tempo da crise é um tempo do Espírito, então, mesmo no meio da experiência da escuridão, da fraqueza, da fragilidade, das contradições, da confusão, já não nos sentiremos esmagados, mas conservaremos sempre a confiança íntima de que as coisas estão prestes a assumir uma forma nova, nascida exclusivamente da experiência duma graça escondida na escuridão. 'Porque no fogo se prova o ouro; e os eleitos de Deus, no cadinho da humilhação' (Sir 2, 5)". Particularmente neste ano, menciona o pontífice, a crise deixou de ser "um lugar-comum dos discursos" para "se tornar uma realidade partilhada por todos", pois não se trata de uma crise apenas sanitária, que acometeu aqueles que foram diretamente atingidos pelo vírus em si, mas trata-se de uma crise econômica, social, política, espiritual e, inclusive, eclesial.

Na Encíclica Fratelli tutti, dedicada ao tema da fraternidade e da amizade social, escrita no transcorrer da crise pandêmica, o Papa professa seus votos para a humanidade e nos encoraja na busca de soluções colaborativas, para sonharmos juntos o futuro: "Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. Entre todos: Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (...); precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! (...) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos".

Ao longo deste ano peculiar, dando continuidade à contribuição "na realização da missão da Unisinos como universidade jesuíta que busca com denodo tornar efetiva a missão da Companhia de Jesus da diaconia da fé, da promoção da justiça e do diálogo cultural e inter-religioso", o Instituto Humanitas Unisinos - IHU publicou em sua página eletrônica inúmeros artigos e entrevistas que contribuem para a busca de respostas aos grandes desafios da nossa época e nos animem na direção de sonhar juntos. Desejamos que a reflexão e a diversidade de pensamento possam continuar estimulando o debate público, nos conduzindo à construção de uma saída para esta árida crise epocal em que nos encontramos. Que o sentido da fragilidade, da sobriedade e da solidariedade possam despertar em nós um novo ânimo para nos colocarmos a serviço na construção de um caminho que se faz caminhando.

 

 

 

 

 

A seguir, reproduzimos as matérias que publicamos no Advento, uma série de entrevistas produzidas pela IHU On-Line ao longo deste ano e artigos que nos ajudam a compreender o tempo presente. 

 

Matérias especiais sobre o Advento:

 

Artigos e entrevistas:

 

Entrevistas publicadas pela IHU On-Line: