Por: Vitor Necchi | 25 Outubro 2017
A quarta Revolução Industrial tem chamado muito a atenção de diferentes segmentos. O ritmo dos acontecimentos compreendidos nesse processo é vertiginoso e provoca grande impacto, algo próximo ao que antes foi vivido em cem ou 200 anos. Nesse debate, um dos temas que mais gera projeções e preocupações se refere ao mundo do trabalho. Esses assuntos foram tratados pelo economista João Roncati na conferência A quarta Revolução Industrial e o futuro dos empregos, realizada na noite de segunda-feira (23/10) na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, dentro da programação do ciclo de estudos Revolução 4.0 – Inteligência artificial e internet das coisas – Impactos no modo de produzir e viver.
Para dar uma amostra do que viria pela frente, e de certa forma fazer com que o público presente submergisse no universo que estava descrevendo, Roncati apresentou o vídeo intitulado Productivity Future Vision, disponibilizado pela Microsoft no YouTube em março de 2015 e que já tem quase 2 milhões de visualizações. Durante 6 minutos e 28 segundos, ele mostra como as tecnologias emergentes podem transformar em um prazo de cinco a dez anos a maneira como as coisas serão feitas no futuro. A Microsoft mostra que a onipresença da computação, os novos serviços de colaboração e a análise de dados farão cada vez mais parte do cotidiano.
Após o término do vídeo, Roncati disse que todas as tecnologias apresentadas já existem, mas ainda não têm escala comercial, porém em breve estarão disponíveis. “A mudança é muito rápida”, alertou Roncati. E lançou duas questões: “O que isso significará para nós? E para o trabalho?”. Na sequência, começou a tratar conceitualmente da Revolução 4.0 e do seu contexto. “De tempos em tempos, o mundo passa por grandes transformações. Estes momentos da humanidade trazem profundas alterações das relações sociais, na composição da cultura e na dinâmica da economia”, explicou. “A indústria 4.0 transformará a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.”
A partir desta revolução, se estabelece um novo mundo onde desaparecem os limites dos mundos físico, biológico e digital. Cada vez mais, passam a se disseminar conceitos, tecnologias e processos como biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, nanotecnologias, neurotecnologias, impressão 3D, inteligência artificial, robôs e drones. Em alguns momentos de sua apresentação, Roncati trazia dados sobre a trajetória da humanidade, como pano de fundo para projetar o impacto da Revolução 4.0. O ser humano existe há 2 milhões de anos. A cultura humana tem 50 mil anos. “Passamos do medo do fogo à libertação dele como proteção, transformação e fonte de energia”, contou.
Para traçar uma linha do tempo do trabalho, ele rememorou que a revolução cognitiva ocorreu em torno de 70 mil a.C., a agrícola, em 10 mil a.C., e a científica, em 1.500 d.C. Em outra linha do tempo, desta vez evidenciando as revoluções tecnológicas, citou que o controle do fogo ocorreu em 300 mil a.C., para depois apresentar as três primeiras revoluções industriais: a invenção do motor a vapor (século 18), a utilização da energia elétrica (século 19) e a automação dos processos industriais (século 20).
Há outros fatos incluídos por Roncati nestas linhas do tempo, no que ele chamou de terceirização do trabalho humano. O ser humano conseguiu dar uma folga para suas pernas em 5 mil a.C., com a domesticação dos cavalos. No século 18, foi a vez de os braços descansarem, com a invenção da máquina a vapor. A partir do 19 e até hoje, mãos, memória e a capacidade de calcular têm suas funções assumidas por robôs, impressoras 3D, internet etc.
E nos próximos 20 anos? Com a Revolução 4.0, que está em curso, o que falta para a humanidade terceirizar são a inteligência e a criatividade. Neste cenário, Roncati ressalva que é necessário começar a discutir um código de condutas para os robôs. Algo que a literatura já esboçou. Ele lembrou do escritor russo Isaac Asimov, que em seu famoso livro de ficção científica Eu, robô, de 1950, definiu as leis da robótica:
1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a primeira Lei.
3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e segunda leis.
E por que trabalhamos? Para responder, apresentou a Pirâmide de Maslow, conceito elaborado pelo psicólogo norte-americano Abraham H. Maslow para determinar as condições necessárias para que cada ser humano atinja a sua satisfação pessoal e profissional: na base, as necessidades fisiológicas, passando pelas de segurança, sociais (amor/relacionamento), de status ou estima, até chegar ao topo, com a necessidade de realização pessoal.
Em cada categoria, na atualidade é necessária uma ação humana; em todas, há possibilidade de ação de robôs, com exceção das necessidades de status ou estima. Se o tempo verbal da pergunta for alterado para o futuro, "por que vamos trabalhar", a presença dos robôs cresce de maneira expressiva: as duas necessidades mais básicas (fisiológicas e de segurança) serão assumidas pelas máquinas; amor/relacionamento, parcialmente; status ou estima, seguem sendo totalmente supridas pelos humanos; e no topo da pirâmide, realização pessoal, os robôs voltam a ter participação em um cenário futuro.
Não é momento de ser otimista, nem pessimista, mas de analisar impactos, propõe Roncati. Neste sentido, ele citou projeções realizadas no Fórum Econômico Mundial, que anualmente reúne em Davos, na Suíça, líderes empresariais e políticos, intelectuais e jornalistas para debater temas de âmbito mundial. Conforme um documento apresentado no fórum, estima-se que 65% das crianças que na atualidade entram na escola primária acabarão trabalhando em tipos de trabalho completamente novos, que ainda não existem.
Roncati destacou que recentes discussões sobre o impacto da Revolução 4.0 no mundo do trabalho se dividem entre quem prevê oportunidades ilimitadas em novas categorias de emprego emergentes; quem acredita na melhora da produtividade dos trabalhadores, que serão dispensados de trabalho rotineiro; e quem projeta uma expressiva substituição de mão-de-obra e o deslocamento de empregos.
Algumas atividades profissionais têm uma perspectiva de emprego global praticamente estável nos próximos anos, entre elas negócios e operações financeiras, vendas, construção e extração. No entanto, advogados, médicos e funções de atendimento estão sendo fortemente impactadas.
Há projeções de que, entre 2015 e 2020, haverá um impacto líquido no emprego de mais de 5,1 milhões de postos de trabalho perdidos em consequência de alterações no mercado, com uma perda total de 7,1 milhões de empregos, sendo dois terços concentrados em escritórios e cargos administrativos. Por outro lado, haverá um ganho de 2 milhões de empregos em famílias de trabalho menores.
Uma pesquisa considerada alarmante, desenvolvida pela Universidade de Oxford, revelou que 47% dos empregos vão desaparecer nos próximos 25 anos. Neste cenário preocupante, Roncati citou dois tipos de trabalho que se destacam devido à frequência e à consistência com que foram mencionados em praticamente todas as indústrias e geografias: analistas de dados, pois as empresas esperam que ajudem a entender os dados gerados pelas rupturas tecnológicas, e representantes de vendas especializadas, pois todas as indústrias precisam se tornar hábeis em comercializar e explicar suas ofertas. Na contramão, empregos afetados serão os relacionados a atendimento ao cliente. Essas atividades ficarão “obsoletas devido à tecnologia mobile para monitorar a qualidade do serviço on-line como um meio de manter uma gestão eficaz do relacionamento com o cliente”.
Para tranquilizar ou atemorizar as pessoas interessadas em saber os efeitos da Revolução 4.0 em profissões específicas, Roncati citou o site Will robots take my job?, ferramenta desenvolvida por Dimitar Raykov e Mubashar Iqbal que calcula o quão suscetível é uma profissão para o atual mundo de automação e informatização. Basta digitar a profissão, apertar a tecla enter e torcer para que os dados apresentados sejam alvissareiros.
No meio de alarmismos, otimismos e especulações, Roncati prefere um debate sincero, “que projete o impacto, pois haverá impacto”. Para exemplificar uma importante discussão em curso, citou que alguns países europeus, particularmente Holanda, Finlândia e Dinamarca, estão discutindo e implementando programas de renda mínima, como uma alternativa ao desemprego em massa que ocorrerá. Esta postura é necessária. O professor Erik Brynjolfsson, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), desenvolveu um estudo sobre a maneira como governos e organizações estão lidando com os impactos atuais e futuros da robótica, da inteligência artificial e da indústria 4.0. A conclusão: “Estamos voando às cegas”.
Roncati alertou que deve haver uma reorganização de processos pautada pelos seguintes pontos: forma de planejamento do trabalho; uso massivo de métricas e dados analisados; inter-relacionamentos; organização da estrutura e dos processos a partir da cadeia de valor, e não da estrutura hierárquica; plataformas de trabalho abertas e compartilhadas; relações de contrato curtas, mas interdependentes. Na mesma linha, listou as competências que serão vitais: capacidade analítica e uso de bases de dados; interdisciplinaridade e trabalho em equipe; pensamento sistêmico; busca contínua pela eficiência; disposição de trabalho cooperativo e baseado em diversidade (de ideias e origens). “A transformação beneficiará somente quem for capaz de inovar e se adaptar”, sentenciou.
O que estimula a inovação é máxima eficiência, diferenciação e reconhecimento. E as condições básicas para inovação são: um problema ou uma restrição (de recursos, por exemplo); pensamento divergente; recursos e tempo dedicados; processos contínuos de cultivo e desenvolvimento de ideias.
João Roncati | Foto: Susana Rocca
João Roncati é diretor da People+Strategy Consultoria Empresarial, mestre em Planejamento Estratégico pela Universidade de São Paulo – USP e economista com Especialização em Finanças e Controladoria. Também cursou o MBA Executivo Internacional na USP.
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"Estamos voando às cegas”. Ritmo dos acontecimentos da Revolução 4.0 é vertiginoso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU