O dia 27 de agosto marca a data de falecimento de dois arcebispos que fizeram história no Brasil e na Igreja Católica por suas atuações a favor dos pobres e oprimidos: dom Hélder Câmara e dom Luciano Mendes de Almeida. Esses religiosos, que agiram na época em que o país passava por uma ditadura militar, são lembrados pelo trabalho da caridade, da fé e da transformação social. Em 2020, celebra-se o 21º aniversário da morte de dom Hélder e o 14º aniversário da morte de dom Luciano, dois profetas que deixaram um legado importante na luta por um mundo mais justo e solidário.
A reportagem é de Amanda Bier, estudante do curso de Jornalismo da Unisinos e estagiária no Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Dom Hélder Câmara.
(Foto: Wikimedia Commons)
Dom Hélder Pessoa Câmara nasceu em Fortaleza, Ceará, no ano de 1909, e foi arcebispo de Olinda e Recife. Antes de exercer a função de arcebispo em Pernambuco, foi bispo auxiliar na Arquidiocese do Rio de Janeiro. Também foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, atuou como secretário-geral da CNBB, ajudou na criação do Conselho Episcopal Latino-Americano - Celam e recebeu quatro indicações ao Prêmio Nobel da Paz. Dom Hélder faleceu no dia 27 de agosto de 1999, em Recife, aos 90 anos.
Dom Luciano Mendes de Almeida.
(Foto: Diocese de Mariana)
Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, no ano de 1930, e foi arcebispo de Mariana. Antes de exercer a função de arcebispo em Minas Gerais, foi bispo auxiliar na Arquidiocese de São Paulo. Ingressou na Companhia de Jesus em 1947, sendo ordenado padre no ano de 1958. Também atuou como secretário-geral e presidente da CNBB. Dom Luciano faleceu no dia de 27 de agosto de 2006, em São Paulo, aos 75 anos.
Comprometidos com a justiça social e com a defesa dos direitos humanos, dom Hélder Câmara e dom Luciano Mendes de Almeida foram importantes lideranças políticas e religiosas da história do Brasil. Considerados pela Igreja como “servos de Deus”, ambos dedicaram suas vidas a serviço dos pobres, oprimidos e marginalizados.
Dom Hélder (à esquerda) e Dom Luciano (à direita). (Foto: Irmandade dos Mártires da Caminhada)
Dom Hélder começou sua trajetória de ajuda aos mais necessitados como bispo auxiliar no Rio de Janeiro em 1952. Na época, fundou o Banco da Providência e a Cruzada São Sebastião, com a finalidade de dar moradias e integrar as periferias cariocas na estrutura socioeconômica da cidade. No ano de 2013, Ivanir Rampon concedeu uma entrevista à IHU On-Line para falar da história, da mística e da espiritualidade do profeta. “A ação de dom Hélder nas favelas o colocou em uma estrada que nunca mais abandonou: a via do empenho para conseguir a justiça social no seu país, na América Latina e no Terceiro Mundo”, disse Rampon.
Em 1964, depois de 12 anos à frente da Arquidiocese do Rio de Janeiro, dom Hélder foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife, função que exerceu até 1985, exatamente no período em que o Brasil passava por uma ditadura militar. Também conhecido no cinema como o “Santo Rebelde”, dom Hélder atuou a favor dos mais pobres e também foi um notável defensor dos direitos humanos. Devido ao seu posicionamento, sofreu perseguição e censura, mas não deixou de enfrentar o governo autoritário brasileiro. Em 1970, proferiu o discurso “Quaisquer que sejam as consequências”, na frente de uma plateia de mais de 20 mil pessoas, em Paris, na França, denunciando as torturas e os crimes que ocorriam no Brasil.
Além da sua postura a favor dos direitos humanos na ditadura, dom Hélder também ajudou na construção da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín, na Colômbia, em 1968, e participou da Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, na cidade de Puebla, no México, em 1979. Em todas essas ocasiões, dom Hélder defendeu a sua principal bandeira: a “opção preferencial pelos pobres”, que posteriormente orientou boa parte do projeto da Igreja latino-americana.
Já a atuação do religioso jesuíta dom Luciano Mendes de Almeida se projetou em toda a América Latina e em muitos países na Europa, especialmente na Itália, onde trabalhou em uma prisão por cinco anos. Sua trajetória como bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, entre 1976 e 1988, foi marcada com a fundação da Pastoral do Menor, que visava ajudar crianças e adolescentes das periferias paulistas. Dom Luciano também foi presidente da CNBB de 1987 a 1995, no momento da transição democrática e da constituinte. Depois, de 1988 a 2006, trabalhou em ambientes rurais carentes de Mariana, em Minas Gerais.
Assim como dom Hélder, para defender a “opção preferencial pelos pobres”, dom Luciano foi secretário da Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, na cidade de Puebla, no México, em 1979, quando se discutiam a continuidade e os entraves às diretrizes constituídas desde Medellín.
Em uma entrevista concedida à IHU On-Line, no dia 8 de outubro de 2005, dom Luciano Mendes de Almeida disse que o contato com o sofrimento humano despertava nele uma grande vontade de trabalhar e ajudar. “Uma alegria maior, quase pontualizada, é a alegria de ver a recuperação de certas pessoas, seja da dependência química, da dependência de drogas, seja de um processo de conversão pessoal. Isso dá muita alegria para quem tem a missão de querer ajudar os outros a reencontrar a paz interior”, relatou dom Luciano, poucos meses antes da sua morte.
CNBB faz memória de dom Hélder Câmara e dom Luciano Mendes de Almeida. (Foto: CNBB)
Pelo reconhecimento de seus testemunhos, dom Hélder Câmara teve seu processo de beatificação aberto pelo Vaticano em 2015 e dom Luciano Mendes de Almeida em 2014. A fase diocesana do processo de ambos foi encerrada em 2018. Todos os documentos, como manuscritos, laudos, cartas e pareceres já foram remetidos à Congregação para a Causa dos Santos com o objetivo de comprovar as virtudes heroicas dos bispos.
Agora, é preciso aguardar o avanço do processo de beatificação na etapa romana. Se houver a comprovação de um milagre, dom Hélder e dom Luciano poderão ser proclamados beatos pela Igreja. Posteriormente, se houver a comprovação de outro milagre, serão canonizados, ou seja, se tornarão santos.
Neste mês de agosto, o Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortos pelo coronavírus, sendo o segundo país do mundo com maior número de vítimas. Esses números trágicos somam-se ao aprofundamento das desigualdades sociais, às violações dos direitos constitucionais para as populações do campo, indígenas, quilombolas e de proteção ao meio ambiente, além do desamparo do Estado para garantir políticas de proteção social aos mais vulneráveis. Todas essas questões demonstram ainda mais a importância de recordar o legado e a trajetória de dom Hélder Câmara e de dom Luciano Mendes de Almeida.
Recentemente, no dia 19 de agosto deste ano, em sua série de catequeses dedicadas à pandemia, o papa Francisco disse a seguinte frase que dá esperança para aqueles que estão em busca de uma sociedade mais justa: “Por um lado, é essencial encontrar uma cura para um pequeno mas terrível vírus que põe o mundo inteiro de joelhos. Por outro, temos de curar um grande vírus, o da injustiça social, desigualdade de oportunidades, marginalização e falta de proteção para os mais vulneráveis. Nesta dupla resposta de cura há uma escolha que, segundo o Evangelho, não pode faltar: é a ‘opção preferencial pelos pobres’”.