Encontro o cardeal Gianfranco Ravasi nos primeiros dias do ano ainda carregado pelas sensações do funeral de Bento XVI, na praça de São Pedro, naquele 5 de janeiro envolto na neblina, e justamente são a neblina e a imagem que nos acompanham ao longo de nossa conversa que parte do legado do pontificado de Joseph Ratzinger com referência particular ao Pátio dos Gentios, lugar de diálogo com os não crentes. Pergunto ao cardeal quais são as dificuldades hoje para esse diálogo, visto que o confronto entre crentes e não crentes parece ser superado por uma apatia generalizada sobre o fenômeno religioso.
A entrevista é de Andrea Monda, publicada por L'Osservatore Romano, 21-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mais do que “contra Deus” o mundo parece ter aprendido a viver “sem Deus”. Qual pátio para os "indiferentes"?
Esse é o ponto crucial, a questão fundamental que voltei a colocar recentemente sobre o Pátio dos Gentios (já que o cardeal Tolentino me pediu para continuar colaborando com ele): o problema fundamental hoje é justamente este da indiferença. É difícil encontrar interlocutores, tanto no campo do crente autêntico e formado que tem uma visão, quanto do outro lado do ateu que nega de modo coerente e conscientemente, como Nietzsche ou Marx.
A atmosfera é de uma espécie de névoa (e aqui surgem muitos outros problemas, inclusive de natureza moral) de forma que é difícil procurar e encontrar; é como estar diante de um muro de borracha, e é difícil com temas como Deus ou valores, transcendência... fazer uma provocação que desperte uma reação. Falei sobre isso há algum tempo com Charles Taylor, o filósofo canadense e grande estudioso da secularização.
O problema agora é tentar fazer algumas perguntas porque, creio eu, a principal via é a da provocação através da pergunta. Um dos próximos Pátios que faremos será em Milão e tratará do tema do silêncio, que à primeira vista talvez parece um tema fraco, relegado à dimensão mística e contemplativa, mas tem se mostrado um tema capaz de estimular o interesse e os questionamentos autênticos. Acho importante sempre ter a “instrumentação” certa, que ainda é a evangélica, porque os textos do Evangelho são os que permitem mais provocação, um acesso incisivo ao outro, como uma espécie de “rostro”.
Por outro lado, continuo convencido de que, como dizia Pascal, "o homem supera infinitamente o homem", por isso a pergunta sempre mora no coração do homem. Vem-me à memória a imagem de um poema de Brecht:
“Estou sentado à beira da estrada, o condutor muda a roda, Não me agrada o lugar de onde venho, Não me agrada o lugar para onde vou. Por que olho a troca da roda com impaciência?”, e depois lembro da pergunta de Pavese: “Não nos prometeram nada, então por que esperamos?”.
É aqui que devemos voltar, à pergunta, é aqui que devemos trabalhar, também em nível da evangelização. A própria catequese experimenta há anos uma forte queda de tensão, e então talvez seja necessário focar alguns elementos que ainda permanecem fundamentais: o sentido radical de ser e de existir.
Voltemos a falar daquela "névoa" que envolve o mundo atravessado pela indiferença, e a discussão inevitavelmente passa para as questões éticas.
Em primeiro lugar, é necessário referir-se a um problema prévio, ligado ao tema da natureza. Não existe mais um conceito compartilhado de natureza humana. Uma vez era claro: agere sequitur esse, a ontologia precede a deontologia, sabemos como somos, então agimos de acordo. O próprio Kant que desloca a ênfase para o Eu, para o subjetivo, fala tanto da "lei moral dentro de mim" quanto do "céu estrelado acima de mim", ou seja, existem duas objetividades, a interna e a externa a mim. Tudo isso não existe mais hoje, por isso proponho voltar a uma definição do ser humano a partir do conceito de "relação".
Como diz o filósofo francês J. L. Nancy: do Ego sum devemos passar para o Ego cum.
Portanto, a relação, que também é um dos componentes fundamentais do ser humano no mundo digital. A comunicação entre humanos na Rede é uma questão muito problemática, muito rica por um lado, dramática por outro.
Acho urgente reconsiderar todo o problema da relação nesse novo contexto, reiterando mais uma vez o elemento capital do amor e da relação, porque, bem ou mal, homens e mulheres ainda se apaixonam.
Relação que também significa "carne", o cristianismo é carnal, mas relação também significa "risco", porque, a Rede demonstra isso, onde há relação também pode haver ódio, violência, basta pensar no fenômeno dos haters que povoam a web.
Você foi um dos primeiros a entrar na divulgação popular da Palavra pela televisão; o que lembra dessa experiência?
Foi uma longa experiência, de 29 anos, dentro de uma TV comercial. Um conhecido crítico de televisão observou que a importância daquela transmissão residia no fato de que tendencialmente não era "televisiva", ou seja, era provocativa por ser composta principalmente por palavras; as imagens eram simples, contextuais e justamente essa provocação era o segredo do seu sucesso. Era como se tivesse despertado uma nostalgia da palavra numa época em que a imagem começava a triunfar. Mas é também o fato de a palavra que eu apresentava ser a palavra bíblica, palavra que demonstra a verdade do significado etimológico de “palavra”, que deriva de “parábola” e, portanto, como tal supõe a capacidade de criar a imagem. Desse ponto de vista pode-se dizer que Jesus já fazia televisão com as parábolas porque fazia “ver” as suas histórias. As parábolas de Jesus são como uma espécie de "filme" com muitas voltas e reviravoltas, pensemos no Bom Samaritano... A Bíblia tendencialmente é uma linguagem simbólica e como tal narrativa.
Hoje a TV deu lugar à Internet e às redes sociais, e também nesse caso você esteve entre os primeiros e é muito ativo no Twitter. Mas não existe o risco de uma simplificação excessiva também para a Palavra de Deus?
O risco existe. As redes sociais certamente vivem da palavra, mas em certo sentido a traíram. Teve Octavio Paz, prêmio Nobel mexicano, que disse que um povo começa a se corromper quando sua gramática se corrompe; a corrupção da palavra é o sinal da crise. É preciso reconhecer que esse caminho, comparado ao principal do discurso articulado, é sem dúvida uma perda, mas por outro lado também tem sempre um valor positivo, que reside na essencialidade: se você consegue dizer com clareza e com poucas palavras, mas incisivas e decisivas, deixa um “rastro” maior na memória de quem escuta.
Minha experiência no Twitter confirma isso. Nos últimos tempos, mudei um pouco o estilo com que me movo no Twitter, tornando-o mais questionador. Antes eu postava principalmente declarações ou comunicações, agora faço perguntas: por exemplo, recentemente contei qual é o meu "lugar da alma" quando ando por Roma aos domingos e indiquei alguns lugares, por exemplo o Êxtase de Santa Teresa de Bernini. E acrescentei a pergunta: "Qual é o seu lugar da alma?", e chegaram 1500 respostas.
Aqui está, a questão abre para a relação. Marshall McLuhan acreditava que a comunicação moderna fosse uma extensão do corpo humano (basta pensar no telefone ou na televisão). Agora tudo mudou, o ambiente em que nos movemos, as relações e a linguagem já não são mais aquelas que eram antes, temos um grande desafio: estamos imersos num oceano, pode-se dizer novamente num nevoeiro, o nevoeiro das conversas, no que devemos tentar navegar sem nos perdermos, sem perder o humano nem a palavra, a gramática humana. Devemos estar cientes de que vivemos nesse ambiente, que estamos continuamente envolvidos por essa atmosfera que não se pode deixar de respirar e nem mesmo modificar, exceto com um trabalho paciente dentro dela, fazendo brilhar a semente fecunda da verdadeira palavra.
Então vamos deixar as conversas e voltar às palavras, como surgiu a sua vocação e, portanto, a sua dedicação à Palavra de Deus?
Há uma experiência justamente na raiz da minha vocação, um pequeno acontecimento que eu definiria como primordial, porque inclusive remontamos a quando eu tinha quatro anos e meio, e é uma experiência cujas imagens tenho nítidas em minha memória, são aquelas “imagens irrevogáveis” de que falava Mário Luzi, irrevogáveis pela sua beleza. Eu estava com uma pessoa muito próxima, meu avô materno, Giovanni, e estávamos no vilarejo de minha mãe, Santa Maria Hoè (na província de Lecco), onde passávamos o verão durante a guerra. Lembro que íamos sempre juntos, ao fim da tarde, até uma colina onde se dedicava ao cultivo da vinha e ficávamos juntos. Ele ocasionalmente falava. Bem, tenho em mente aquele entardecer, o pôr-do-sol, a colina... à nossa frente um vale e no vale eis a passagem do fio luminoso de um trem. Então o apito do trem quebrou o silêncio.
Ficamos ali juntos observando a cena, as luzes do trem no crepúsculo e ouvindo aquele som. Aquela experiência que havia criado uma espécie de perturbação em mim me impressionara. Eu a elaborei nos anos seguintes e só mais tarde entendi o que era: consciência do limite. Sentida pela primeira vez naquele entardecer, foi também uma sensação triste, imbuída justamente da sensação do limite.
Uma experiência dilacerante e melancólica como o som do trem na noite, aquela do limite das coisas. A partir daí provavelmente começou em mim uma busca permanente por um ponto firme, por algo estável, a ideia da certeza, portanto a descoberta da verdade que nasceu em mim um pouco assim, daquela experiência tão simples na realidade.
...talvez para você quando criança, naquele momento do pôr do sol, o ponto firme fosse seu avô...
E aqui entra a pessoa, ou seja, a presença. Isso é também a base do cristianismo, que é presença. E é interessante, eu acho, porque a presença de Cristo ressuscitado é uma presença ausente, é uma ausência presente, porque se fosse uma presença presente seria óbvia... De fato, meu avô não me disse nada naquele "momento", e todas aquelas sensações eram coisa minha, mas ele estava lá e eu me lembro dele naquele momento.
Que efeitos teve aquele momento revelador?
Esse impulso na busca da verdade, nascido aos quatro anos de idade, me faz pensar que foi justamente por isso que depois gostei tanto de literatura grega (na verdade, pensei em ensinar grego). Um dos textos que costumo citar sobre o tema da verdade é o Fedro de Platão, quando fala da famosa carruagem que corre na planície da verdade: aquela planície, aquele mundo inteiro por descobrir... para mim logo se tornou o mundo dos livros. Lembro que já no ensino médio eu consegui ler alguns clássicos da literatura porque havia uma editora, não sei mais qual era, quem publicava as obras, por exemplo Crime e castigo, eliminando todas as partes de reflexão que eram as mais importantes e mantendo apenas a história.
Já assim ler era para mim o caminho para seguir aquela vontade de poder encontrar aquele ponto firme. Por isso acredito que aquele momento foi decisivo, não só para a minha vocação, mas foi decisivo também para a fé e a cultura, ou seja, buscar sempre, ficar curioso, ver outros horizontes, outras leituras. O tema da verdade tornou-se central desde aquele evento da infância.
A tradição clássica, penso em Platão, apresenta a verdade como algo que te precede e te supera. Então, qual é a principal tarefa para a cultura grega? É a busca da verdade. Na Apologia, Sócrates afirma que "uma vida sem busca não vale a pena ser vivida". E a busca é justamente a dimensão que está se perdendo em nossos dias. Imagine um jovem fazendo uma pesquisa hoje: ele clica em uma palavra temática em um "motor de busca" e encontra 20.000 possibilidades. Ou seja, o máximo de oferta de respostas é mais importante do que a pergunta. E no final se opta pelo que é mais simples e imediato.
Sua busca depois se desenvolveu também através de sua vasta publicação de ensaios bíblicos. Entre os muitos livros dedicados à Palavra, qual é o seu "livro da alma"? Do qual mais gosta?
Aqueles com os quais estou mais em sintonia, diria em simbiose, são os livros da literatura sapiencial. O ponto de partida são os Salmos, pois sua presença na Bíblia é curiosa, como observou Bonhoeffer, que se perguntava por que havia na Palavra de Deus um livro de orações que são palavras humanas. E a resposta que ele dá e que nós também damos é que a Bíblia não é uma coleção de teoremas teológicos caídos do alto, mas é um diálogo, uma história: Deus que se revela e entra em diálogo. E Bonhoeffer acrescentou que os Salmos são as palavras "inspiradas" que Deus espera ouvir de nós. E de fato aquele livro, no fundo, é o retrato da pessoa humana. Um livro que possui diversos gêneros literários, mas essencialmente dois são fundamentais: a súplica e o hino. O homem feliz que canta e o homem desesperado que chora e se dirige para o Outro. Os Salmos, portanto, como ponto de partida.
O segundo nó capital da minha pesquisa bíblica foi o problema do mal. E, portanto, o livro de Jó, que foi também o meu primeiro comentário científico, escrito em 1978.
Jó, o mal e a dor, foi também o tema da conversa que tivemos, poucas horas antes de ele se tornar Papa, com o Cardeal Bergoglio. Nos encontramos por acaso, nunca tínhamos tido contato direto antes, sozinhos na Sala Ducale, antes de entrar na Capela Sistina, para o último escrutínio. Começamos a conversar e ele disse-me: “Olha, já lhe conheço bem há muito tempo, aliás devo-lhe uns royalties, porque ministrei um curso sobre Jó, baseando-me no seu livro!”. E assim, falando desses temas, demoramos, tanto que fomos chamados de volta porque ainda estávamos do lado de fora da Capela Sistina falando sobre Jó.
Depois dos Salmos e de Jó, vem o Eclesiastes que, para mim, é o retrato do homem contemporâneo, do homem em crise. Ele acredita em Deus, mas é um Deus que "está no céu e você está na terra, portanto, poucas palavras" (capítulo 5). É a crise da sabedoria: o homem experimenta que todas as respostas otimistas não são suficientes. Portanto, busca o prazer, ele também diz para aproveitar a vida sete vezes. Mas a "vaidade", o vazio sempre permanece. É uma figura muito parecida com a enguia, ainda que tenha sido Jó que São Jerônimo comparou à enguia. E ele estava certo porque, quanto mais você "aperta", mais escapa da mão.
Estou convencido, de fato, de que o tema de Jó não é o problema do mal ou da dor, mas a questão de Deus que brota do próprio mistério do mal. E então há o quarto livro de alguma forma nos antípodas de Jó e Eclesiastes, não mais mal, mas o Amor: o Cântico dos Cânticos.
Dediquei o comentário mais caro para mim do ponto de vista científico a esse pequeno texto. Porque amo a poesia e a encontrei tanto em Jó quanto no Cântico. É um livreto de apenas 1.250 palavras em hebraico, para o qual escrevi um comentário de quase mil páginas. É o poema do amor que, contra a luz, já se revela evangélico ao superar o mandamento do amar ao próximo e atinge o ápice expresso por Cristo quando diz: "Não há maior amor do que dar a vida pelo outro". De fato, a mulher canta a doação recíproca total: “O meu amado é meu e eu sou dele” (2, 16).
Então, se tivesse que citar um texto do Novo Testamento, qual escolheria?
Para o Novo Testamento eu diria dois textos em particular: o Evangelho de Lucas e o Apocalipse. Para os primeiros, as razões seriam muitas, mas sobretudo porque entra em jogo um elemento para mim importante: a estética. Falar de Deus de forma bela.
Eu louvo e admiro o Evangelho de Marcos, mas as parábolas exclusivas de Lucas são as mais emocionantes. Também gostaria que essa dimensão estética entrasse mais na Igreja, porque muitas vezes temos o triunfo do mau gosto, infelizmente.
O segundo, o Apocalipse, é um texto um pouco mais problemático, especialmente no nível da opinião pública. Eu o prefiro afinal pelo mesmo motivo, a dimensão estética. Esse texto, com o seu extraordinário simbolismo, revela-se uma palinódia apenas para coro e orquestra. E é aqui entra a música, outra grande paixão minha. E, além disso, o amo por seu significado, porque não é um livro de desgraças. É verdade que durante 20 capítulos mostra todo o mal presente na história humana (mas o seu é realismo: foi escrito no período das perseguições), mas num fundo de esperança porque não é a representação do fim do mundo, mas de seu fim, como atestam os gloriosos capítulos finais da nova Jerusalém (cc. 21-22)
Estamos numa fase de mudanças radicais e sobretudo muito rápidas - inclusive antropológicas. Se o homem muda, como muda a cultura, o que é a cultura hoje?
Esse é o problema básico, a questão preliminar. Há tempo dois capítulos fundamentais da cultura estão em crise: a antropologia (natureza humana) e a linguagem.
A palavra “cultura” é recente, tendo nascido no século XVIII na Alemanha: kultur. De fato, em latim não existe, ao contrário, existe uma palavra muito mais significativa, humanitas, enquanto em grego é paideia que expressam dois conceitos muito mais amplos do que Kultur, que se referia ao "plano alto do cérebro", à aristocracia intelectual, à alta racionalidade. Em vez disso, estava envolvida toda a pessoa e sua formação, e é por isso que hoje o conceito de cultura é antropológico geral.
O depauperamento cultural a que assistimos, na TV, na rede, nas mídias sociais, mas também na escola, parece dizer-nos que a cultura já não é um instrumento de redenção, de valorização social, mas quase um desvalor. O que fazer inverter a tendência?
Acho que o problema deve ser enfrentado por todas as “agências”: pela Igreja, pela família, pela escola. Steve Jobs o dizia bem à sua maneira na famosa palestra de Harvard: a tecnologia por si só não basta, é necessária uma combinação entre tecnologia e humanismo. Jobs tinha em mente Leonardo da Vinci, o engenheiro renascentista que pintava e fazia cálculos hidráulicos extraordinários. E concluiu: "É essa união que faz brotar, florescer um canto do coração". Basicamente ele estava dizendo para os jovens: não serve só a cultura, a kultur, mas a humanitas. Talvez por isso as crianças na escola estejam cada vez mais apáticas, entediadas, com o olhar de quem vive uma experiência que para elas e para a sua vida não tem sentido. Pensemos, por exemplo, em Dante: tudo depende de "como" é ensinado. Se for ensinado apenas tecnicamente, filologicamente, inevitavelmente pode ser chato, mas quando se consegue fazer vibrar toda a sua vitalidade, como não se apaixonar por ele?
Uma evidência desse depauperamento é o recurso constante à polarização, que já é o código de nossos tempos. Antes era uma característica da torcida esportiva, agora é uma constante na política, na sociedade, e entrou com força também no debate eclesial. E os efeitos são devastadores. Como segurar isso?
Aqui sempre retorna a categoria da relação, que deve ser reconstruída. Nesse momento histórico a sociedade é atravessada por esse fenômeno de polarização e tudo vira um “duelo” que é sempre um atalho, o caminho mais fácil, e num duelo ganha quem tiver a espada mais longa, a arma mais forte. Ao contrário, caberia aos órgãos educativos, a cultura, tivessem a tarefa de criar as condições para o “dueto”. Na Música pode ocorrer entre um baixo e um soprano, que são as vozes opostas.
No entanto, para realizar o dueto, não é necessário que o soprano baixe uma oitava ou que o baixo cante em falsete; a identidade deve permanecer. A harmonia é certamente mais difícil. Pensemos no diálogo inter-religioso onde é necessário saber dialogar mantendo cada um a própria identidade. Não por acaso o Papa afirma que o objetivo não é o proselitismo, mas conseguir criar a harmonia em que as diferentes identidades se conjugam na diversidade. No entanto, tudo isso requer muito mais esforço. O duelo é muito mais fácil, mesmo no campo eclesiástico.
Ligado a esse fenômeno da polarização existe outro problema muito forte na sociedade atual: a solidão.
É o grande problema de hoje também ligado ao tema das relações, e ao excesso de falsas relações. Nisso a rede não ajuda: muitos contatos, mas poucas relações e, portanto, muita solidão. Se falo continuamente e apenas com a tela, fica-se no frio do isolamento. Disso também nasce o medo. A solidão é preciosa, porque é a "dieta da alma", mas pode revelar-se o "playground de Satanás", dizia Vladimir Nabokov.
E voltemos àquele acontecimento primordial com seu avô Giovanni: então você intuiu (entendeu depois) a necessidade de buscar um ponto firme, algo estável... em todos esses anos, ao longo da parábola de sua existência, você então o encontrou?
Sim, e talvez o que eu tenha descoberto, à medida que fui ficando mais consciente e um pouco mais inteligente com o passar dos anos, é que estabilidade não é fixidez, mas é inquietação agostiniana; Julien Green tinha razão: “Enquanto estiver inquieto, pode ficar tranquilo”. O máximo da fé não é quando se tem certezas aritméticas, mesmo racionais, mas sobretudo experienciais e existenciais. A fé, desse ponto de vista, assemelha-se a uma experiência como aquela do amor. A gramática da crença não é aquela da pura lógica formal ou da matemática. Não se sacrifica a vida por um teorema.