22 Novembro 2022
“Falava com frases curtas, como dar a César o que é de César. O homem de hoje não lê uma homília inteira, mesmo se for do Papa."
O cardeal Gianfranco Ravasi, desde sempre ativo no Twitter, decidiu intensificar sua presença na rede social justamente no momento em que a chegada de Elon Musk faz muitos usuários largarem o aplicativo. “Decidi mudar minha abordagem agora que me aposentei como prefeito do dicastério para a cultura. Eu apresento perguntas, quero interagir. Quando escrevi sobre o X Factor houve muitas reações, mesmo negativas, mas é um estímulo para que todos mostrem sua opinião sobre os sujeitos culturais”.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Repubblica, 19-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O senhor tem seus haters?
Alguns, mas diminuíram. Quando um cantor ucraniano ganhou o Eurovision eu coloquei uma frase dele, até inofensiva, e chegaram os insultos dos defensores de Putin! Agora acontece menos, veem que os outros argumentam, ou que sou realmente eu.
Mas agora que Musk comprou o Twitter, o senhor não está pensando em sair?
(Risos). Refleti um pouco, mas dentro do horizonte cultural atual se você começar a introduzir elementos de censura, em três quartos dos casos não deveria estar presente. Meu modelo é Cristo, que estava sistematicamente em má companhia! Claro, se chegar a níveis extremos, se deve condenar a situação e sair.
Musk foi recentemente recebido pelo Papa:
Ele o presenteou com uma miniatura da espaçonave SpaceX, e o Papa a deu para mim: devo tê-la lá em cima.
Trump foi bloqueado, mas o Twitter continuou popular.
Sim, não me acerto muito com outros meios, Facebook, Instagram, mas este é, no final das contas, o mais clássico. Tem duas características fundamentais da comunicação religiosa, a essencialidade e a necessidade de selecionar os temas.
O Evangelho pode ser proclamado no Twitter?
Pode-se dizer que Cristo usava o Twitter. Os estudiosos da exegese falam de um estilo típico, o logion, uma palavra grega que significa pequena frase: "Dar a César o que é de César, dar a Deus o que é de Deus". O tuite, se bem feito, é o esforço para criar o logion moderno. O homem de hoje não lê uma homília inteira, mesmo se for do Papa, nada feito.
O senhor usa frequentemente citações cultas: uma memória prodigiosa…
Costumo lembrar-me de uma frase, não toda, mas sei onde a encontrar. Camus, por exemplo: lembro quando e onde ele a disse, lembro também da página do livro, vou procurá-la e a encontro.
Dizem que o senhor memoriza números de telefone com base nos salmos.
(Risos). Um número que aprendi recentemente combinava uma série de salmos que eu gosto! Mas a memória tem que ser exercitada, é como um idioma, senão você a perde. O árabe, por exemplo, ainda leio um pouco, mas não falo mais, não leio o Alcorão todos os dias.
Uma vez, porém, pegaram o senhor em falha: no Twitter colocou uma citação não autêntica de São Francisco, a mesma usada posteriormente por Giorgia Meloni…
Sim! Há um fenômeno geral do qual também me declaro culpado, a citação da citação. Vou dar um exemplo, que entrou até na carta de João Paulo II aos artistas: a frase “há séculos os pintores mergulham o pincel na paleta de cores que eram as Sagradas Escrituras”, Chagall nunca disse isso, mas a substância sim.
Entre seus tuites mais conhecidos, a coleção de CDs que o Papa lhe deu de presente da época de Sanremo.
Acabou de me enviar mais alguns, aqueles que recebe, passa para mim. A música popular, Sanremo, são fenômenos que precisam ser conhecidos. Certa vez, caminhando à beira do rio Arno com Mario Luzi à noite, as janelas foram se iluminando e os reflexos azuis das tvs podiam ser percebidos, Luzi comentou: ‘Não dá para entender se estão ali na frente com as mãos levantadas em sinal de rendição ou de adoração’.
O que você recomendaria a Elon Musk?
As competências valem muito mais do que um salário. Isso eu diria a ele, para respeitar a competência de uma forma um pouco mais inteligente. Cortar pelos números, pela bolsa também é obtusidade, não só falta de ética.
Sobre o que o senhor gostaria de tuitar a seguir?
Gostaria de propor temas altos. Em breve pela editora il Saggiatore vai ser publicada uma das minhas “Breve História da Alma” [em tradução livre], e um livro para Il Mulino sobre o número três, a trindade. Eis aqui, a alma, a trindade, a verdade: mas é preciso se ‘puxar’, porque em 280 caracteres não é fácil…
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“Eu nas redes sociais para anunciar o Evangelho, Jesus também tuitava”. Entrevista com o Cardeal Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU