07 Agosto 2018
"De um ponto de vista scioeconômico, as democracias ocidentais se assentam sobre uma assimetria e uma discrepância galopantes, tanto em nível internacional quanto no interior de cada região ou país. O poder do mercado total e globalizado – antes, durante e depois de qualquer processo eleitoral – sufoca a margem de manobra primeiro dos candidatos, depois dos governos eleitos pelos mecanismos normais da democracia", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.
Em plena campanha eleitoral no Brasil, convém deter-se um pouco para um diagnóstico sobre o estado de saúde da democracia. Longe de mim a capacidade de fazê-lo. Mas não é proibido tecer algumas e tímidas considerações. A primeira delas vem da Itália, onde novas forças políticas assumiram o poder há pouco mais de dois meses. “Governo de mudança”, dizem os candidatos eleitos da Lega, por uma parte, e do Movimento cinco Estrelas (M5S), por outra.
Estranho notar o comportamento das duas forças (ou partidos?) em jogo. Do lado da Lega, liderada por Matteo Salvini, toda a campanha foi marcada por um discurso nacionalista e populista, centrado sobretudo na política antimigratória. Discurso fortemente sintonizado com Marine Le Pen (França), com o Primeiro Ministro Sebastian Kurz (Aústria) e o reeleito Primeiro Ministro Viktor Orbán (Hungria) – todos de direita, para não dizer de extrema direita. Prioridades: repatriação dos indocumentados, fechamento das fronteiras, diminuição do orçamento público para os serviços de acolhida. Uma cópia de Trump!
Quanto ao M5S, antes das eleições desfraldava com orgulho a bandeira da democracia direta. Chegou mesmo a realizar, entre seus quadros e simpatizantes, diversos experimentos pelas redes sociais da Internet. Depois, já na qualidade de governo, seu fundador e atual líder Giuseppe Grillo, numa entrevista em viagem pelos Estados Unidos, deixou escapar a declaração de que “a democracia é um regime superado”. Deve-se reconhecer que, de democracia direta a democracia como regime superado, existe uma boa distância! Que ocorreu realmente entre uma posição e outra?
De um ponto de vista socioeconômico, as democracias ocidentais se assentam sobre uma assimetria e uma discrepância galopantes, tanto em nível internacional quanto no interior de cada região ou país. O poder do mercado total e globalizado – antes, durante e depois de qualquer processo eleitoral – sufoca a margem de manobra primeiro dos candidatos, depois dos governos eleitos pelos mecanismos normais da democracia. Impressiona, por exemplo, o modo como na luta pelo ciberespaço, pelas telecomunicações e pelas redes sociais da Internet, alguns indivíduos tornam-se bilionários praticamente do dia para a noite. Renda e riqueza, de um lado, e exclusão social de outro, concentram-se progressivamente e em pólos opostos. Minoria no pico, maioria na base da pirâmide social.
Do ponto de vista político, se é verdade que as expectativas dos movimentos sociais, das organizações de base e dos ventos democráticos costumam inflar as velas de alguns candidatos populares, também é certo que tais expectativas, logo após a eleição, batem-se frontalmente com o humor sombrio do mercado. No frigir dos ovos, as forças da riqueza acumulada e as forças do poder político costumam dar-se as mãos, contra o risco do caos e em nome da governabilidade. Formam-se ou reforçam-se novos e/ou velhos setores das classes dominantes, as quais o são justamente na medida em que dominam o acesso aos bens e o acesso às decisões, sejam uns e outras nacionais ou internacionais. A economia coloniza e subordina a política.
Nos corredores obscuros dos três poderes, ou à luz do dia, instala-se com frequência uma reciprocidade cúmplice e autorreferencial. A riqueza ajuda a galgar os degraus que levam ao trono e o poder, por sua vez, abre portas novas e inéditas para o crescimento da fortuna. “Uma mão lava a outra, ambas o rosto”, diz o ditado. Como escapar a essa astúcia, a essa ratoeira, a essa armadilha, a esse círculo de aço? A esta altura, emerge com força redobrada o conceito de “ética na política”. Conceito esquecido no fundo da gaveta de tantos mandatários, mas que, se levando em conta, ajudaria num discernimento que hoje se faz necessário e urgente. Em forma de perguntas: a serviço de quem e de que maneira utilizamos os recursos naturais de um país particular e do planeta Terra como “a nossa casa comum” (Papa Francisco)? Em última instância, democraticamente, quem decide o que produzir, como produzir e para quem produzir? Como se redistribuem ou se concentram os benefícios da técnica e do progresso? Para não esquecer os princípios éticos da Doutrina Social da Igreja, o que significa afirmar que “o desenvolvimento é o novo nome da paz” (Carta Encíclica Propulorum Progressio, Papa Paulo VI – 1967)?
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Qual o estado de saúde da democracia? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU