A humanidade é responsável pela crise climática e pela 6ª extinção em massa das espécies. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Foto: Tobias Sieben | Flickr - CC

14 Outubro 2021

 

"É necessário trocar o paradigma do crescimento pela ideia do decrescimento, pois, no modelo atual, mais economia tem se convertido em menos ecologia", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 13-10-2021.

 

Eis o artigo. 

 

“Quando o ser humano vai entender que ao destruir a natureza, os animais e o planeta
ele está automaticamente se autodestruindo?”

Rama Pashupati

 

O ser humano é uma espécie que tem ampliado continuamente a dominação e a superexploração da natureza. O enriquecimento da humanidade tem ocorrido às custas do empobrecimento dos ecossistemas. A humanosfera tem crescido e sufocado a ecosfera. Este processo vem de longe, mas se intensificou nos últimos séculos e, principalmente, nas últimas décadas. No Antropoceno, as atividades antrópicas se converteram em uma força de destruição de efeito equivalente ao meteoro que extinguiu os dinossauros e outras espécies da época.

 

Em 250 anos, de 1769 a 2019, a economia global cresceu 134 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 14,6 vezes, conforme mostra o gráfico abaixo. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens.

 

A esperança de vida ao nascer média do cidadão global era menos de 30 anos no final do século XIX e ultrapassou 70 anos nos dias atuais. Em linha com os ideiais iluministas do século XVIII e a despeito das desigualdades, houve um avanço da renda e da educação em todo o mundo, melhora das condições de moradia e progresso geral dos indicadores sociais. A maior parte da população mundial hodierna tem acesso a produtos como iluminação elétrica, fogão, geladeira, televisão, telefone celular, etc., mercadorias que não estavam disponíveis nem para os Reis e nem para os grandes proprietários de terra antes da Revolução Industrial e Energética.

 

 

 

O maior crescimento demoeconômico da humanidade ocorreu no período posterior à Segunda Guerra. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou relatório no dia 31 de agosto de 2021 mostrando que o número de desastres – como as inundações e as ondas de calor causadas pela mudança climática – aumentou cinco vezes nos últimos 50 anos, matando mais de 2 milhões de pessoas e custando US$ 3,64 trilhões em perdas econômicas totais. Como disse Ulrich Beck, no livro Sociedade de Risco, no mundo contemporâneo: “O que está em jogo são negatividades: perdas, devastação e ameaças”.

 

Todo o incessante crescimento da população e da economia fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga do Planeta. Como mostra o gráfico abaixo, o mundo tinha uma Pegada Ecológica de 7 bilhões de hectares globais (gha) em 1961, para uma Biocapacidade de 9,6 bilhões de gha. Portanto, havia um superávit ambiental. A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que permite avaliar a demanda humana por recursos naturais e a Biocapacidade representa a riqueza ecossistêmica e a capacidade regenerativa do planeta.

 

Acontece que o grande crescimento demoeconômico dos últimos 60 anos fez a Pegada Ecológica atingir 20,9 bilhões de gha em 2017, para uma Biocapacidade de 12,1 bilhões de gha. Por conseguinte, o superávit de 2,6 bilhões de gha de 1961 se converteu em um déficit ambiental de 8,8 bilhões de gha em 2017. Porém, a humanidade não só ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, mas também tem aumentado a insustentabilidade ambiental a cada ano. O déficit de 73%, significa que a civilização humana está vivendo além dos seus meios e está destruindo as bases ecológicas que possibilitam a vida na Terra.

 

 

A Terra é redonda e finita, mas há negacionistas que acham que a Terra é plana e outros que acham que os recursos da Terra são infinitos e que o crescimento demoeconômico pode continuar indefinidamente sua marcha cega e insensata.

 

Ao trilhar um caminho insustentável ecologicamente, o mundo está ultrapassando dois elos essenciais das “Fronteiras Planetárias” que são:

 

1) As mudanças climáticas e

2) Mudança na integridade da biosfera (perda de biodiversidade e extinção de espécies).

 

Estas duas fronteiras são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que ao ser substancialmente e persistentemente transgredido, podem levar a civilização ao colapso (Steffen at. al, 2018).

 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou, no dia 09/08/2021, o relatório intitulado “Climate Change 2021: the Physical Science Basis”, mostrando que as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são irrefutáveis, irreversíveis e vão se agravar nos próximos anos e décadas e podem gerar um colapso sistêmico global. Acontece que as emissões de gases de efeito estufa crescem junto com o aumento da população e da economia.

 

Os gráficos abaixo mostram a inequívoca correlação entre o crescimento da população mundial, as emissões de CO2 e a elevação da temperatura global. Fica claro (no painel da direita) que o aumento da temperatura acompanha o aumento do número de habitantes. A reta de tendência linear entre as duas variáveis, indica que 86,9% da variabilidade da temperatura global está associada, diretamente, ao crescimento demográfico ao longo dos anos de 1880 e 2018. Não existe população sem consumo e nem consumo sem população.

 

 

Considerando a correlação entre o crescimento da população mundial e o aumento das emissões globais de CO2, os gráficos abaixo mostram, de maneira ainda mais impactante, a enorme correlação entre o crescimento demográfico e o aumento das emissões globais de CO2. A reta de tendência linear (painel da direita), indica que significativos 99% da variabilidade da emissão global de CO2 está associada diretamente à variação da população mundial ao longo dos anos de 1880 e 2018.

 

 

Os cientistas em geral e os relatórios do IPCC, em particular, dizem de maneira inequívoca que a mudança climática é causada pela humanidade. A influência humana tem aquecido o sistema climático, gerando mudanças climáticas amplas e rápidas. Evidentemente, o tamanho da população impacta determinantemente o clima, mas o impacto é muito maior quando se considera o padrão de consumo. Muita gente consumindo muito e poluindo muito agrava aceleradamente o aquecimento global e agudiza o quadro ambiental. O aquecimento global é a maior ameaça existencial à humanidade. Assim como existe uma atual emergência de saúde pública (por conta do coronavírus), existe também uma emergência climática por conta do aumento do efeito estufa. Desta forma, como tem alertado o jornalista David Wallace-Wells, o mundo caminha para uma “Terra inabitável”.

 

O aquecimento global vai afetar não só a humanidade, mas todos os seres vivos da Terra. Segundo Ron Patterson (2014): “Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97%”, como mostra o gráfico abaixo. A jornalista Elizabeth Kolbert, no livro The Sixth Extinction, documenta o processo de extinção das espécies que ocorre com o avanço da civilização.

 

 

O Ecocídio é um crime que acontece contra as espécies animais e vegetais do Planeta. Esse crime se espalha no mundo em uma escala maciça e a cada dia fica pior. Exatamente por isto, cresce a consciência de que é preciso mudar o modelo de desenvolvimento que adota um padrão de produção e consumo danoso para o meio ambiente e que é responsável pelo aumento da destruição da vida na Terra. Para tanto, é preciso considerar o Ecocídio um crime contra a paz, um crime contra a natureza e um crime contra a humanidade e as futuras gerações. O ecocídio é o primeiro passo para o suicídio da espécie dominante, genocida e ecocida.

 

Assim, enquanto cresce uma espécie dominante, as demais espécies sencientes do Planeta se retraem e muitas são extintas. O Relatório Planeta Vivo 2020, elaborado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o avanço do processo de crescimento contínuo da produção e consumo de bens e serviços ao bel-prazer da humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio nas formas de vida não humanas que sempre existiram no planeta muito antes do Homo sapiens. Enquanto cresceu a população humana, as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 68% entre 1970 e 2016.

 

A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) alertou em relatório de setembro de 2021, em sua Lista Vermelha, que 28% das 138.374 espécies já classificadas no mundo estão ameaçadas de extinção, o equivalente a 38.543 espécies. Em resumo, segundo a publicação, estão ameaçadas de extinção: 41% de espécies de anfíbios; 33% dos corais de recifes; 34% das coníferas, espécies em sua maioria de árvores; 26% das espécies de mamíferos; 37% das espécies de tubarões e de raias e 14% das espécies de aves.

 

O mundo vive uma emergência sanitária, uma crise climática e um holocausto biológico. O relatório Planeta Vivo de 2020 aponta os sinais vermelhos que ameaçam os sistemas naturais vitais. O mundo precisa de uma profunda mudança cultural e sistêmica no sentido de valorizar a natureza. Isto não é simplesmente altruísmo, mas um meio para garantir a própria sobrevivência da humanidade.

 

A biodiversidade está diminuindo globalmente e a taxas sem precedentes em milhões de anos. A forma como produzimos e consumimos os alimentos e energia e o flagrante desprezo pelo meio ambiente enraizado nas atividades antrópicas, está levando o mundo natural aos seus limites. A covid-19, por exemplo, é uma manifestação clara de nosso relacionamento rompido com o meio ambiente.

 

Portanto, o avanço do progresso humano vai trombar em duas barreiras nas próximas décadas, que são as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. A ideia utópica de uma harmonia entre o crescimento da população e o desenvolvimento está se transformando em uma distopia, pois o desenvolvimento sustentável virou um oximoro.

 

Indubitavelmente, não dá para ignorar as questões do crescimento demográfico e o fato de que o consumo multiplicado por um número crescente de pessoas eleva o impacto global sobre a degradação ecológica. Foi exatamente esta mensagem que 11 mil cientistas divulgaram ano passado no documento “World Scientists’ Warning of a Climate Emergency” (BioScience, 05/11/2019) onde afirmam: “O crescimento econômico e populacional está entre os mais importantes fatores do aumento das emissões de CO2 em decorrência da combustão de combustíveis fósseis” (RIPPLE, WJ. et. al. 05/11/2019).

 

O documento dos cientistas diz: “Ainda crescendo em torno de 80 milhões pessoas por ano, ou mais de 200.000 por dia, a população mundial precisa ser estabilizada – e, idealmente, reduzida gradualmente – dentro de uma estrutura que garante a integridade social. Existem políticas comprovadas e eficazes que fortalecem os direitos humanos enquanto diminui as taxas de fecundidade e diminui os impactos do crescimento populacional sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e sobre a perda de biodiversidade. Estas políticas devem tornar os serviços de planejamento familiar, disponíveis para todas as pessoas, removendo barreiras ao seu acesso e buscando alcançar equidade total de gênero, inclusive estabelecendo o ensino primário e secundário como uma norma para todas as pessoas, especialmente meninas e mulheres jovens”.

 

Ou seja, qualquer transição para a sustentabilidade só pode ser eficaz se houver mudanças abrangentes no estilo de vida da humanidade para evitar o agravamento do aquecimento global e para reverter o processo da 6ª extinção em massa das espécies. É necessário trocar o paradigma do crescimento pela ideia do decrescimento, pois, no modelo atual, mais economia tem se convertido em menos ecologia.

 

E é bom lembrar o que diz a ONG Conservação Internacional: “A natureza não precisa de pessoas. As pessoas precisam da natureza”.

 

Referências

 

IPCC. Climate Change 2021, The Physical Science Basis, 09/08/2021 

IUCN. More than 38,500 species are threatened with extinction. That is still 28% of all assessed species, set 2021 

Is population a problem? Ben Wattenberg, Jessica Matthews, John Bongaarts, Julian Simon, Samuel Preston (1994) 

The Population Bomb? | Retro Report | The New York Times, 2015

PATTERSON, Ron. Of Fossil Fuels and Human Destiny, May 7, 2014

STEFFEN et. al. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, PNAS August 6, 2018. 06/08/2018 

WILLIAM J RIPPLE, et. al. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, 05/11/2019

ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21 

 

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