''Vocês não agiram a tempo'': o discurso de Greta Thunberg ao Parlamento britânico

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25 Abril 2019

Publicamos aqui o texto completo do discurso que Greta Thunberg proferiu aos deputados das Casas do Parlamento britânico.

O discurso foi publicado por The Guardian, 23-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Meu nome é Greta Thunberg. Eu tenho 16 anos. Eu venho da Suécia. E falo em nome das futuras gerações.

Eu sei que muitos de vocês não querem nos ouvir – vocês dizem que somos apenas crianças. Mas estamos apenas repetindo a mensagem da ciência climática unida.

Muitos de vocês parecem preocupados com o fato de estarmos desperdiçando um valioso tempo de aula, mas garanto que voltaremos à escola assim que vocês começarem a ouvir a ciência e a nos dar um futuro. Será que isso é realmente pedir muito?

No ano 2030 eu terei 26 anos. Minha irmãzinha Beata terá 23. Assim como muitos dos seus próprios filhos ou netos. Essa é uma grande idade, foi o que nos disseram. Quando você tem toda a sua vida pela frente. Mas eu não tenho tanta certeza de que será tão boa para nós.

Eu tive a sorte de nascer em um tempo e lugar onde todos nos diziam para sonhar alto; eu poderia me tornar o que quisesse. Eu poderia morar onde quisesse. Pessoas como eu tinham tudo o que precisávamos e muito mais. Coisas com as quais os nossos avós nem podiam sonhar. Tínhamos tudo que poderíamos desejar e, no entanto, agora podemos não ter nada.

Agora, provavelmente nós nem temos mais um futuro.

Porque esse futuro foi vendido para que um pequeno número de pessoas pudesse ganhar quantias inimagináveis de dinheiro. Ele foi roubado de nós todas as vezes que vocês disseram que o céu era o limite e que você só vive uma vez.

Vocês mentiram para nós. Vocês nos deram falsas esperanças. Vocês nos disseram que o futuro era algo para se esperar. E o mais triste é que a maioria das crianças nem sequer têm consciência do destino que nos espera. Nós não vamos entender isso até que seja tarde demais. E, no entanto, nós somos os sortudos. Aqueles que serão mais afetados já estão sofrendo as consequências. Mas as suas vozes não são ouvidas.

O meu microfone está ligado? Vocês podem me ouvir?

Por volta do ano 2030, daqui a 10 anos, 252 dias e 10 horas, estaremos em uma posição onde desencadearemos uma reação em cadeia irreversível para além do controle humano, que provavelmente levará ao fim da nossa civilização como a conhecemos. Ou seja, a menos que, nesse tempo, mudanças permanentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade ocorram, incluindo uma redução de emissões de CO2 em pelo menos 50%.

E, por favor, notem que esses cálculos dependem de invenções que ainda não foram inventadas em escala, invenções que deveriam limpar a atmosfera de quantidades astronômicas de dióxido de carbono.

Além disso, esses cálculos não incluem pontos de inflexão imprevisíveis e ciclos de realimentação como o extremamente poderoso gás metano que escapa do permafrost ártico em rápido derretimento.

Esses cálculos científicos também não incluem o aquecimento oculto já aprisionado da poluição atmosférica tóxica. Nem o aspecto da equidade – ou da justiça climática – claramente expressado em todo o Acordo de Paris, que é absolutamente necessário para que isso funcione em escala global.

Também devemos ter em mente que esses são apenas cálculos. Estimativas. Isso significa que esses “pontos de não retorno” podem ocorrer um pouco mais cedo ou mais tarde do que 2030. Ninguém pode ter certeza. No entanto, podemos ter certeza de que eles ocorrerão aproximadamente nesses prazos, porque esses cálculos não são opiniões ou suposições selvagens.

Essas projeções são sustentadas por fatos científicos, concluídos por todas as nações por meio do IPCC. Quase todos os principais órgãos científicos nacionais de todo o mundo apoiam sem reservas o trabalho e as conclusões do IPCC.

Vocês ouviram o que eu acabei de falar? O meu inglês está bom? O microfone está ligado? Porque estou começando a me questionar sobre isso.

Durante os últimos seis meses, eu viajei por toda a Europa durante centenas de horas em trens, carros e ônibus elétricos, repetindo várias e várias vezes essas palavras que mudam a vida. Mas ninguém parece estar falando sobre isso, e nada mudou. De fato, as emissões ainda estão aumentando.

Quando eu viajo para falar em diversos países, sempre me oferecem ajuda para escrever sobre as políticas climáticas específicas em países específicos. Mas isso não é realmente necessário. Porque o problema básico é o mesmo em todos os lugares. E o problema básico é que basicamente nada está sendo feito para deter – ou mesmo retardar – o colapso climático e ecológico, apesar de todas as belas palavras e promessas.

O Reino Unido, no entanto, é muito especial. Não apenas pela sua impressionante dívida histórica de carbono, mas também pela sua atual e muito criativa contabilidade de carbono.

Desde 1990, o Reino Unido alcançou uma redução de 37% em suas emissões territoriais de CO2, de acordo com o Global Carbon Project. E isso soa muito impressionante. Mas esses números não incluem as emissões da aviação, da navegação e aquelas associadas às importações e exportações. Se esses números forem incluídos, a redução é de cerca de 10% desde 1990 – ou uma média de 0,4% ao ano, segundo o Tyndall Manchester.

E a principal razão para essa redução não é uma consequência das políticas climáticas, mas sim uma diretriz da União Europeia de 2001 sobre a qualidade do ar que essencialmente obrigou o Reino Unido a fechar as suas antigas e extremamente poluentes usinas de carvão e a substituí-las por usinas de gás menos poluentes. E mudar de uma fonte de energia desastrosa para outra menos desastrosa, é claro, resultará em uma redução das emissões.

Mas talvez o equívoco mais perigoso sobre a crise climática é que temos que “reduzir” as nossas emissões. Porque isso está longe de ser suficiente. As nossas emissões precisam parar se quisermos ficar abaixo de 1,5-2ºC de aquecimento. A “redução das emissões” é obviamente necessária, mas é apenas o começo de um processo rápido que deve levar a uma parada dentro de algumas décadas, ou menos. E por “parada” eu me refiro a zero líquido – e depois rapidamente para números negativos. Isso exclui a maioria das políticas de hoje.

O fato de estarmos falando de “reduzir” em vez de “parar” as emissões talvez seja a maior força por trás do contínuo “business as usual”. O atual apoio ativo do Reino Unido à nova exploração de combustíveis fósseis – por exemplo, a indústria de fracking de gás de xisto no Reino Unido, a expansão dos seus campos de gás e petróleo do Mar do Norte, a expansão dos aeroportos, assim como a permissão de planejamento de uma nova mina de carvão – ultrapassa o absurdo.

Esse comportamento irresponsável continuado, sem dúvida, será lembrado na história como um dos maiores fracassos da humanidade.

As pessoas sempre dizem a mim e aos outros milhões de grevistas nas escolas que devemos nos orgulhar de nós mesmos pelo que conseguimos. Mas a única coisa que precisamos olhar é para a curva de emissões. E, sinto muito, mas ela ainda está subindo. Essa curva é a única coisa para a qual devemos olhar.

Todas as vezes que tomamos uma decisão, deveríamos nos perguntar: como essa decisão afetará essa curva? Não deveríamos mais medir a nossa riqueza e o nosso sucesso no gráfico que mostra o crescimento econômico, mas sim na curva que mostra as emissões de gases de efeito estufa. Não deveríamos mais simplesmente perguntar: “Temos dinheiro suficiente para continuar com isso?”, mas também: “Já poupamos o suficiente do orçamento de carbono para gastar com isso?”. Esse deveria e deve se tornar o centro da nossa nova moeda.

Muitas pessoas dizem que não temos soluções para a crise climática. E elas têm razão. Porque como poderíamos? Como vocês “solucionam” a maior crise que a humanidade já enfrentou? Como vocês “solucionam” uma guerra? Como vocês “solucionam” uma ida à Lua pela primeira vez? Como vocês “solucionam” a invenção de novas invenções?

A crise climática é tanto a questão mais fácil quanto a mais difícil que já enfrentamos. A mais fácil, porque sabemos o que devemos fazer. Temos que parar as emissões de gases de efeito estufa. A mais difícil, porque a nossa economia atual ainda depende totalmente da queima de combustíveis fósseis e, assim, da destruição dos ecossistemas, a fim de criar um crescimento econômico duradouro.

“Então, exatamente, como solucionamos isso?”, vocês nos perguntam – nós, as crianças das escolas que estão em greve pelo clima.

E nós dizemos: “Ninguém sabe ao certo. Mas temos que parar de queimar combustíveis fósseis e restaurar a natureza e muitas outras coisas que talvez ainda não tenhamos descoberto”.

Então, vocês dizem: “Isso não é uma resposta!”.

Então, nós dizemos: “Temos que começar a tratar a crise como uma crise – e a agir mesmo que não tenhamos todas as soluções”.

“Isso ainda não é uma resposta”, vocês dizem.

Então, começamos a falar sobre a economia circular e a recuperação da natureza e a necessidade de uma transição justa. Então, vocês não entendem sobre o que estamos falando.

Nós dizemos que todas essas soluções necessárias não são conhecidas por ninguém e, portanto, devemos nos unir atrás da ciência e encontrá-las juntos ao longo do caminho. Mas vocês não escutam isso. Porque essas respostas servem para resolver uma crise que a maioria de vocês não entende completamente. Ou não quer entender.

Vocês não ouvem a ciência porque estão interessados apenas em soluções que lhes permitirão seguir em frente como antes. Como agora. E essas respostas não existem mais. Porque vocês não agiram a tempo.

Evitar o colapso do clima exigirá um “pensamento de catedral”. Devemos lançar as fundações enquanto ainda não podemos saber exatamente como construir o teto.

Às vezes, temos simplesmente que encontrar um caminho. No momento em que decidimos realizar alguma coisa, podemos fazer qualquer coisa. E tenho certeza de que, no momento em que começarmos a nos comportar como se estivéssemos em uma emergência, poderemos evitar a catástrofe climática e ecológica. Os humanos são muito adaptáveis: ainda podemos consertar isso. Mas a oportunidade de fazer isso não durará muito tempo. Devemos começar hoje. Não temos mais desculpas.

Nós, crianças, não estamos sacrificando a nossa educação e a nossa infância para que vocês nos digam o que vocês consideram como politicamente possível na sociedade que vocês criaram. Nós não fomos às ruas para vocês tirarem selfies conosco e nos dizerem que vocês realmente admiram o que fazemos.

Nós, crianças, estamos fazendo isso para acordar os adultos. Nós, crianças, estamos fazendo isso para que vocês ponham suas diferenças de lado e comecem a agir como se vocês estivessem em uma crise. Nós, crianças, estamos fazendo isso porque queremos as nossas esperanças e os nossos sonhos de volta.

Eu espero que o meu microfone esteja ligado. Eu espero que todos vocês tenham me ouvido.

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