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21 Março 2019

“O sistema não para de nos dizer que precisamos ser pacientes, porque estamos nos desenvolvendo, e chegará um dia em que todos serão ricos. Esse argumento é o que vocês já refutaram definitivamente. Esse dia não chegará nunca, porque, antes que ele chegue, o planeta, que agora já consome a cada ano mais do que pode regenerar, estará destroçado.”

A reflexão é do teólogo jesuíta espanhol José Ignacio González Faus, em artigo publicado por Settimana News, 18-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a carta.

Amigas e amigos,

Em primeiro lugar, parabéns e um aplauso de um pobre velho octogenário, embora talvez eu devesse começar pedindo-lhes perdão pelo planeta que lhes deixamos.

Parabéns porque, entre todos, vocês puseram os nossos políticos em evidência. Agora sabemos que um simples grupo de estudantes sabem coisas que os nossos políticos (pelo visto) não sabem! Ou não querem saber...

Hoje, a partir da experiência que eu acredito ter adquirido na minha já longa vida, gostaria de comentar com vocês sobre as manifestações do 15M, para que vocês não fiquem presos a um dos tantos símbolos, bonitos mas ineficazes, com os quais as nossas sociedades parecem tranquilizar as suas consciências.


Fridays for Future, na Cidade do México. Foto: Francisco Colin Varela | Flickr

Meu primeiro conselho é bem simples: vocês não salvarão a terra se não conseguirem mudar o sistema econômico. Com outras palavras: é preciso passar da sociedade do consumo para a sociedade do cuidado. Por isso, não me parece por acaso que tenha sido uma mulher que pôs em marcha todo esse movimento de vocês.

Mas, como esse sistema que é preciso mudar se defenderá cega e apaixonadamente, permitam-me outro aviso. Em caso de os políticos prestarem atenção em vocês, eles tentarão adotar medidas que afetem os países mais pobres, enquanto os ricos se permitirão continuar contaminando.

Foi isso que fizemos até agora: o sistema só produz com a condição de que não repartir, só sabe criar ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres. Quando entramos em uma dessas crises periódicas que o sistema produz, saímos dela com a fórmula diabólica da “austeridade” (para os mais pobres) e de prosperidade para os mais ricos.

Olhem para esta Europa das duas medidas: permissiva quando a Alemanha ou a França cometem alguma infração, mas cruel quando foi a Grécia. Dialogantes até a exaustão com a loucura do Brexit inglês, enquanto nem se quis ouvir a Grécia, embora se soubesse que toda a austeridade (dito com mais clareza: toda a miséria) que foi imposta seria paga pelos mais pobres entre os gregos e não pelos verdadeiros culpados. Essa “Europa dos Bancos” que já não é a Europa dos povos, muito menos das pessoas.


Fridays for Future, em San Remo, Itália. Foto: Tommi Boom | Flickr

E não porque a Europa seja má. Foi o sistema que nos deixou mal. O mesmo que corrompeu todo o precioso “sonho americano” de mais de dois séculos atrás e que hoje leva o seu milionário presidente a negar as mudanças climáticas, assim como leva os seus negociadores a se aproveitarem dele para vender “fugas para Marte” no dia em que a terra for inabitável... O sistema que nasceu para servir a “Mamon” (palavra aramaica que significa a riqueza privada), um falso Absoluto, inimigo do verdadeiro Absoluto.

O sistema não para de nos dizer que precisamos ser pacientes, porque estamos nos desenvolvendo, e chegará um dia em que todos serão ricos. Esse argumento é o que vocês já refutaram definitivamente. Esse dia não chegará nunca, porque, antes que ele chegue, o planeta, que agora já consome a cada ano mais do que pode regenerar, estará destroçado.


Fridays for Future em San Francisco, CA, EUA. Foto: Peg Hunter | Flickr

Portanto, não se trata de ser pacientes até que todos sejam ricos, mas sim impacientes para que os ricos acabem logo. Porque o planeta Terra só tem remédio (se é que ainda tem) em uma civilização da obediência compartilhada. Todos com suas necessidades satisfeitas, mas ninguém com luxos ulteriores. Para acabar com a pobreza e para salvar o planeta, é preciso acabar com todas as grandes fortunas: primeiro com esse 1% que possui quase tanta riqueza quanto a metade dos habitantes da Terra. Depois, progressivamente, com todos aqueles que vão se aproximando desses valores tão injustos.

Oxalá chegue o dia em que uma autoridade mundial proclame uma lei segundo a qual ninguém pode ter uma fortuna superior a uma certa quantia (digamos, por cima, meio milhão de euros).

Estendi-me nesses parágrafos finais para que vocês possam refletir sobre como é difícil o caminho em que vocês se meteram. Mas sejam valentes, porque o seu futuro está em jogo. Aqueles de vocês que são cristãos, celebrem com mais alegria o lema da “Sexta-feira pelo Futuro”. Porque, nas sextas-feiras, nós, cristãos, recordamos a morte na cruz d’Aquele que viveu apenas para anunciar que era possível, e está perto de nós, uma sociedade nova onde reine apenas o Amor. E que, entregando sua vida assim, deu nova vida a este mundo.

Ânimo e mil abraços a todas e a todos!

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