Investigações reais podem ser devastadoras para o Bolsonarismo

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17 Janeiro 2019

O brasileiro herdou a cultura “ibérica” do privilégio, a “indolência” do indígena e a “malandragem” do africano. Palavras do general de pijama Antonio Hamilton Mourão, vice-presidente, na eleição. Seu pupilo Rossell Mourão, não. Esse aí tem “mérito”, garante o pai. Tanto que acaba de triplicar o salário recebido com verba pública. Bastou o novo presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, assumir o cargo na segunda-feira 7, por indicação governamental, que o talento desabrochou.

A reportagem é de André Barrocal, jornalista, publicada por CartaCapital, 16-01-2019.

Funcionário do banco há 19 anos, Rossell embolsará 36 mil como assessor especial de Novaes, um Chicago Boy réu no passado, graças a um escândalo de 1999 que em 2005 levou à condenação do amigo banqueiro Salvatore Cacciola. Bem que um telegrama da embaixada de Tio Sam em Brasília a Washington em 1984, estertores da ditadura festejada por Mourão, descrevia um regime corrupto e de compadres e tascava: “O sistema paraestatal (empresas) é visto como um método para empregar altos oficiais militares aposentados e seus amigos”.

Mourão e Novaes saíram a pregar que Rossell, o capaz, só não tinha subido no banco há mais tempo por causa de perseguição de governos anteriores. Petistas, presumivelmente. Convenceram alguém? Certo é que agora o vice-presidente tem um filho que desgasta a imagem do governo. Igual o chefe.

O caso de Fabricio Queiroz, ex-motorista do senador eleito Flávio Bolsonaro, amigo de churrascada e pescaria de Jair Bolsonaro e dono de uma conta bancária com movimentações suspeitas entre 2016 e 2017, continua a aborrecer o presidente. E a intrigar a nação, com a possível exceção do Ministério Público, tanto o federal quanto o do estado do Rio de Janeiro.

Flávio foi chamado a depor na quinta-feira 10 ao MP do Rio, onde há uma investigação aberta em dezembro, mas até a conclusão desta reportagem, naquele dia, era incerto seu comparecimento. Ele, seus advogados e assessores recusavam-se a informar. Na antevéspera, quem não tinha dado as caras, apesar de chamadas a prestar esclarecimentos, haviam sido a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, e duas filhas dele, Nathália e Evelyn.

Queiroz já deu o cano no MP do Rio duas vezes em dezembro, dias 19 e 21, por alegadamente seu advogado não ter tido acesso à íntegra do material disponível sobre seu cliente. E não aceitou outras duas datas sugeridas, devido a problemas de saúde.

Internou-se em 30 de dezembro para a retirada de um câncer. Foi operado no dia em que Bolsonaro, seu amigo desde a década dos 1980, vestia a faixa. Teve alta do hospital Albert Einstein, em São Paulo, na terça-feira 8. Logo começará a passar por quimioterapia. Enquanto estiver em São Paulo, a família estará também, daí que ninguém irá ao Rio para depor.

No dia em que tomou bolo das filhas e da esposa de Queiroz, o MP do Rio afirmou em nota pública que o “não comparecimento voluntário e deliberado reflete, neste momento, uma opção dos envolvidos”. O texto fazia referência ainda à data “sugerida” para Flávio depor e dizia que ele, por ser parlamentar, tem a prerrogativa de escolher o dia. E deixava uma insinuação no ar: “O direito constitucional à ampla defesa também poderá ser exercido em juízo, caso necessário”.

Prenúncio de acusação na Justiça? “A prova documental encaminhada pelo Coaf”, continua a nota, “tem informações que permitem o prosseguimento das investigações, com a realização de outras diligências de natureza sigilosa, inclusive a quebra dos sigilos bancário e fiscal.”

Se é assim, por que o MP não pediu a quebra de nada até agora? Não chamou para ouvir pessoas que botaram grana na conta de Queiroz, algo tão ou mais importante do que saber a versão do correntista para os depósitos recebidos? Não pediu à Justiça para fazer buscas em endereços do amigo bolsonarista e da família dele? Não requereu a prisão do motorista, para forçá-lo a depor? Em uma entrevista ao SBT em 26 de dezembro, Queiroz disse: “Quero muito esclarecer e depor na frente do promotor, agradecê-lo por acatar, não pedir a minha prisão… Eu falei: ‘vou ser preso’…”

Com o aparente pouco empenho, o MP do Rio tem perdido os momentos mais importantes de uma investigação, que são os iniciais. Este MP é aquele que não viu nada e não fez nada nos oito anos do governador Sérgio Cabral, condenado a 183 anos de cadeia. O chefe do MP durante metade do mandato de Cabral, Cláudio Lopes, passou um mês preso, entre novembro e dezembro, acusado de receber mesada cabralina de 7,2 milhões de reais entre 2009 e 2012.

Cabral só foi investigado e sentenciado quando o Ministério Público Federal montou uma filial da Operação Lava Jato no Rio. Este mesmo MPF também não se interessa pelo caso Queiroz-Flávio Bolsonaro. Em duas notas públicas, fez questão de deixar claro que não pediu nenhum relatório ao Coaf. E lavou as mãos, ao encaminhar o material ao MP do Rio. Quando foi que por iniciativa própria o MPF abriu mão de uma investigação, por exemplo, na Lava Jato?

Desde que vieram a público as suspeitas apontadas pelo Coaf na movimentação de 1,2 milhão de reais de sua conta, em 6 de dezembro, a única coisa parecida com esclarecimentos de Queiroz foi a entrevista ao SBT, emissora que tem bajulado Bolsonaro e sido privilegiada por este, juntamente com a Record. Queiroz repetiu a versão do presidente de que depositou 24 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama, para quitar um empréstimo de 40 mil tomado por ele com o ex-capitão.

E disse que, apesar de ganhar uns 24 mil mensais, entre salário de PM e do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, tinha outras fontes de renda.

Essa faceta de comerciante explica os 605 mil reais que entraram em sua conta em 13 meses, de 1º de janeiro de 2016 a 31 de janeiro de 2017, conforme o relatório do Coaf? Seus salários explicam só metade. No governismo há gente insatisfeita com a versão de Queiroz. O chefe do GSI, o ministério da inteligência do Palácio do Planalto, é um deles. “Continua sendo esperada a manifestação dele com alguma coisa mais consistente. Eu não achei a manifestação dele absolutamente consistente.

Pode ser aquilo? Pode. O que quem está de fora espera? Uma declaração: ‘Está aqui o recibo’. Uma coisa provada”, afirmou o general de pijama Augusto Heleno no dia 3, no canal GloboNews. E olha que ele não dava bola para o caso. Dizia que Bolsonaro estava limpo, pois “o que apareceu dele é irrisório, uma quantia pequena”.

Ao SBT, que logo após sua vitória desenterrara um slogan da ditadura “(Brasil, ame-o ou deixe-o) para usar em uma vinheta, o presidente disse no dia 3 que sabia “que ele (Queiroz) fazia rolos” e que não quer falar com o amigo até tudo estar explicado. E reclamou: “Quebraram o sigilo bancário dele sem autorização judicial, cometeram um erro gravíssimo. A potencialização dele em cima do meu filho foi para me atingir. Um absurdo”. Mais: “O Coaf fala em movimentação atípica, isso não quer dizer que seja ilegal, irregular, pode ser outra coisa”.

Em seu primeiro dia no poder, Bolsonaro amordaçou o Coaf. Foi no decreto que transferiu o órgão do Ministério da Fazenda para o da Justiça. Um dos dispositivos do decreto proíbe qualquer um do Coaf de “fornecer ou divulgar as informações de caráter sigiloso, conhecidas ou obtidas em decorrência do exercício de suas funções, inclusive para os seus órgãos de origem”. O decreto original do órgão, de 1998, não tinha isso. A outra assinatura no decreto é a do ministro da Justiça, Sérgio Moro, agora chefe do Coaf. Moro, recorde-se, usou e abusou de vazamentos na Lava Jato.

No domingo 6, Moro foi cobrado em um supermercado em Brasília por causa de um desses vazamentos, o mais famoso e ilegal de todos: um telefonema entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, em março de 2016. O rapaz que lhe cobra, como se vê em um vídeo disponível na web, queria saber do caso do amigo do clã Bolsonaro.

Dura, a vida de Moro. O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é investigado pela Justiça por caixa 2, apesar de o ex-juiz tê-lo absolvido simbolicamente, pois, afinal, Lorenzoni pediu desculpas. Agora se soube, no jornal Zero Hora da terça-feira 8, que Lorenzoni contratava, com verba de gabinete de deputado, a empresa de um amigo e colaborador de campanha, pagamentos de 317 mil entre 2009 e 2018, média de 2,6 mil mensais. Esta empresa, a Oficce RS Consultoria, emitiu durante um bom tempo notas com números em sequência, o que sugere que só existia para trabalhar para Lorenzoni.

O caso do motorista e a suspeita de ele ser um “laranja da família Bolsonaro”, conforme define o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta, deixa incomodados setores direitistas que veem risco de o bolsonarismo desmoralizar-se e arrastar todo mundo. É o caso do MBL, do deputado eleito Kim Kataguiri, um aspirante à Presidência da Câmara contra o candidato apoiado pelo partido de Bolsonaro, Rodrigo Maia, do DEM.

Em um texto de 20 de dezembro, o editor-chefe do MBLNews, Renan Santos, que era conhecido como Renan Rolo na faculdade, expôs os receios. Para ele, Bolsonaro valeu-se a vida inteira “de todos os privilégios” de deputado. Agora, caso haja uma “devassa nos gabinetes da família” pelo MP, “as consequências poderão ser terríveis para o clã, e terão efeito sobre o discurso moralista que impuseram sobre sua militância, com reverberações no embate narrativo travado entre a nova direita e o establishment midiático”.

E aí, MP, vai ter devassa?

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