19 Julho 2022
“O que está acontecendo nestes dias na Europa é algo extremamente incomum. O preocupante é que apenas estamos tendo uma prévia do que vai acontecer daqui a alguns anos. O que agora consideramos anormal logo será o novo normal.” A reflexão é de Victor Resco de Dios, professor de Engenharia Florestal e Mudança Climática no Departamento de Produção Vegetal e Ciência Florestal da Universidade de Lleida, em artigo publicado por El Diario, 18-07-2022. A tradução é do Cepat.
De Faro a Marselha, uma nova onda de incêndios assola o sudeste da Europa. Estamos diante do que os bombeiros chamam de incêndios de quinta geração: uma simultaneidade de grandes incêndios que colocam em xeque os sistemas de extinção, chegando em alguns casos a ameaçar centros urbanos.
O que está acontecendo nestes dias na Europa é algo extremamente incomum. O preocupante é que apenas estamos tendo uma prévia do que vai acontecer daqui a alguns anos. O que agora consideramos anormal logo será o novo normal. Quando em duas ou três décadas nos lembrarmos da atual onda de calor, certamente nos parecerá leve em comparação.
No ano passado publicamos um estudo onde caracterizamos, pela primeira vez, as diferenças entre as pirorregiões europeias. Isto é, estudamos como e por que a estação de incêndios varia espacial e temporalmente na Europa mediterrânea. Os resultados que obtivemos permitem-nos determinar porque a atual onda de incêndios é extremamente anormal.
Incêndios fora de época. Nem em Portugal nem em muitas áreas do sul da França é comum observar grandes incêndios na primeira quinzena de julho. O estresse hídrico no verão atinge o pico no final de agosto, de modo que os incêndios no início do verão não eram frequentes nem extremos. Até agora, os grandes incêndios na primeira quinzena de julho eram comuns apenas na parte leste da península: áreas mais áridas onde a vegetação se torna inflamável mais cedo.
A Europa está se tornando árida por conta das alterações climáticas e do abandono rural, que homogeneíza a paisagem e a torna uniformemente seca, chegando até ao fundo. Esta é a causa do avanço na estação de incêndios.
Aumento da intensidade dos incêndios. Os incêndios atuais não podem mais ser apagados. Morrem por inanição (queimaram tudo o que havia para queimar) ou porque chove. São incêndios que liberam a mesma energia que uma ou mais bombas atômicas, e toda tecnologia para apagá-los fica aquém do necessário.
Os grandes incêndios estão ficando cada vez maiores. Em outras palavras, o tamanho médio dos incêndios que escapam da contenção está aumentando, e isso acontece porque a intensidade dos incêndios está aumentando.
No momento em que redijo este artigo, estima-se que um dos incêndios em Gironde (França) tenha cerca de 8.000 hectares. Estaríamos falando do maior incêndio dos últimos 30 anos na França e o terceiro maior desde que o registro francês começou em 1973. Algo semelhante aconteceu com o incêndio na Sierra de la Culebra (Zamora) há algumas semanas: foi próximo do tamanho dos maiores incêndios registrados na Espanha.
O número de grandes incêndios (aqueles de mais de 500 hectares) diminuiu em relação à década de 1980 porque se investe mais em meios para apagá-los. No entanto, a dimensão média dos grandes incêndios está aumentando, como indica Víctor Resco com base nas Estatísticas Gerais de Incêndios Florestais do MITECO.
Simultaneidade de incêndios de alta intensidade. Não é a primeira vez que nos deparamos com um cenário de incêndios de quinta geração. Nos anos 1978 e 1985, por exemplo, ocorreram mais de 150 grandes incêndios na Espanha. O que é incomum na atual temporada não é o número de grandes incêndios, mas a simultaneidade de incêndios muito intensos. Além disso, a simultaneidade dos incêndios não está ocorrendo em escala nacional, mas subcontinental: o sudeste da Europa está nessa situação. E espera-se que o Reino Unido entre na onda de calor, o que também pode trazer grandes incêndios para as chuvosas Ilhas Britânicas.
Infelizmente, sabemos que a frequência e a ferocidade das ondas de calor aumentarão com as mudanças climáticas. Durante esses episódios, a mortalidade aumenta porque o organismo fica descompensado, afetando principalmente as pessoas idosas ou com patologias prévias.
Durante as ondas de calor, a qualidade do ar também piora significativamente devido aos incêndios florestais. As imagens do Meteosat mostraram-nos, por exemplo, como a fumaça dos incêndios nas Landes francesas chegou à costa cantábrica espanhola.
A inalação da fumaça é outro fator que contribui para o excesso de mortalidade nas ondas de calor; ela é considerada responsável por 417 mortes nos incêndios de Sydney em 2019.
Durante as ondas de calor, aumenta o potencial dessecante do ar e verificamos que muitas plantas secam, liberando mais energia ao queimar.
Também reduz a umidade nas folhas soltas, facilitando a ignição e propagação do fogo. Áreas mais úmidas que normalmente atuariam como cortafogo, como fundos de vale, tornam-se tão secas quanto aquelas ao seu redor. Ou seja, a paisagem torna-se uniformemente seca.
O ar seco também aumenta o ímpeto dos incêndios florestais, o que novamente intensifica seu comportamento. Ou seja, a coluna convectiva do incêndio pode subir a grandes alturas na atmosfera, o que pode aumentar as correntes e o transporte de cinzas.
O cinturão dos incêndios está se expandindo em latitude e altitude. Os grandes incêndios em partes da Europa onde antes eram raros, como no Reino Unido e na Escandinávia, estão se tornando mais comuns. As zonas montanhosas, como os Alpes e os Pireneus, estão ficando cada vez mais inflamáveis.
Acabou o tempo em que se apagava os incêndios com água. Estamos vendo o resultado de décadas de negligência na gestão do território e de inação climática. Estamos assistindo ao trailer do filme do futuro que estamos deixando para os nossos filhos e netos.
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Onda de incêndios na Europa: a anomalia que será a norma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU