“A epidemia ensina que a chave para resolver problemas são os nossos comportamentos”. Entrevista com Leonardo Becchetti

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03 Abril 2020

Juntamente com a saúde pública, a COVID-19 ameaça seriamente a economia mundial. Ainda é impossível calcular as perdas econômicas - que afetam tanto as finanças quanto a economia real - mas, sem dúvida, podemos dizer que, paradoxalmente, a pandemia causada pela disseminação do coronavírus pode representar uma oportunidade inesperada para repensar a economia em nível global. Vamos discutir esse tópico com Leonardo Becchetti. Professor de economia política da Universidade de Tor Vergata, em Roma, Becchetti é colunista de Avvenire e cofundador da Next - Nova economia para todos. Pela editora Minimum fax, acaba de ser lançado seu último livro: Bergoglionomics. La rivoluzione sobria di papa Francesco.

A entrevista foi editada por Rocco Gumina, professor de religião na arquidiocese de Palermo, e desde 2014, presidente da associação cultural Alcide De Gasperi, publicada[1] por Settimana News, 02-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Os efeitos da pandemia de COVID-19 parecem devastadores para a economia nacional e global. Conforme você afirma em seu último livro, chegou a hora de repensar a economia à luz da interação entre instituições, livre mercado, empresas responsáveis e cidadania ativa. Por quê?

Existem quatro atores que podem mudar a economia: mercado, instituições, empresas e cidadãos. Quando a gente sair da epidemia, será sobretudo graças ao trabalho dos cidadãos e por ter respeitado o conselho de ficar em casa. O mercado é importante, mas também neste caso mostrou seus limites. O caso das máscaras é emblemático. Há uma demanda forte e que paga e, no entanto, as máscaras não são encontradas. Os mecanismos normais de mercado em tempos de emergência não funcionam. A deslocalização da produção se torna um problema quando abastecimento se torna estratégico e vários países competem para comprar a produção.

A epidemia nos ensina que a chave para resolver problemas são os nossos comportamentos. Mas isso vale não apenas nas emergências. Estamos fazendo um grande esforço de coordenação como cidadãos. Se, terminada a crise, substituirmos o mantra "vamos ficar em casa" pelo "vamos tornar os nossos estilos de vida mais sustentáveis" e "vamos escolher com a carteira" para as empresas líderes na criação de valor econômico de maneira social e ambientalmente sustentável, o mundo muda. Se as escolhas macroeconômicas dependem dos governos, tudo o resto depende de nós.

Nos últimos dias, vários estudiosos e pensadores argumentaram que a comunidade humana - uma vez terminada esta fase de emergência - terá que recomeçar pela fraternidade. Esse princípio também será importante para a economia?

A fraternidade é a base da prosperidade social e econômica, mesmo que as pessoas não percebam isso. Na vida, você pode ser Messi ou Cristiano Ronaldo, mas se você entra em campo sozinho, perde o jogo. Na vida, é preciso sempre saber formar equipes e, portanto, o "saber como com" é tão importante ou mais do "saber como". A arte das relações depende da fraternidade. Dom, gratidão e reciprocidade geram relações de qualidade e sobre elas podem ser construídos capital social, ou seja, relações de confiança reduzindo os riscos que a confiança sofra abusos.

Construir confiança e capital social é essencial para gerar superaditividade, ou seja, resultados superiores à soma do que os indivíduos teriam feito isoladamente. Na sociedade e na economia 1 + 1 é três e um contra um é sempre menor que dois. Mas fazer um mais um não é nada fácil, é preciso conseguir superar invejas e ciúmes. É uma arte que se aprende. A economia civil trabalha nessas questões há tempo, aprofundando o tema das relações e de seu impacto sobre a economia.

Na encíclica Laudato Sí', o Papa Francisco propõe a ecologia integral, isto é, uma relação harmoniosa entre homem e criação à luz da sustentabilidade ambiental. Como você afirma no livro que acabou de publicar, é uma verdadeira revolução sóbria que, segundo alguns, corre o risco de permanecer apenas utopia. Existe esse risco? Como evitá-lo?

O pensamento de Francisco nos lembra que tudo está conectado. E as várias dimensões da insustentabilidade (social, ambiental, de saúde, econômica) influenciam-se mutuamente. Existem dezenas de estudos em todo o mundo que mostram que partículas finas reduzem a eficiência pulmonar e estão correlacionadas com um aumento nas internações por pneumonia. Até o momento, é um mistério que a epidemia tenha eclodido com tanta violência nas três províncias italianas, onde os níveis de poeira fina são os mais altos de toda a Europa.

A dramática emergência que estamos enfrentando deve ensinar-nos para o futuro a combinar melhor a criação de valor econômico, sustentabilidade ambiental, dignidade do trabalho e menos riscos à saúde. Dois exemplos: Estamos fazendo um gigantesco exercício de trabalho inteligente que melhora o impacto ambiental e nos torna "mais ricos de tempo". Agora tomo café da manhã com minha esposa e filha, depois dou um passeio e estou no escritório. Sem pegar o carro e passar 45 minutos no trânsito.

Devemos continuar a fazê-lo também depois para garantir a sustentabilidade ambiental e ser mais resilientes aos riscos de pandemias. Temos que fazer isso pelo menos uma semana por mês. Tudo isso deve ser acompanhado de investimentos para reduzir o fosso digital, porque o trabalho inteligente, por si só, não reduz as diferenças de recursos e rendas, mas as faz emergir.

O segundo exemplo é que precisamos facilitar investimentos verdes das empresas, especialmente nas áreas mais poluídas. Porque são os investimentos que rendem mais em termos de melhoria da sustentabilidade ambiental e redução de riscos à saúde.

Mudar a face da economia significa mudar a sociedade e, portanto, o estilo de vida. Entre os vários caminhos atualmente disponíveis, a prática de "escolher com a carteira" está se tornando cada vez mais difundida. O que é isso?

Escolher com a carteira significa recompensar com as próprias escolhas de consumo e de poupança as empresas que são líderes na capacidade de criar valor sustentável. Se todos escolhessem com a carteira amanhã, o mundo mudaria. Porque as empresas mais sustentáveis, capazes de conciliar a qualidade do produto com a dignidade do trabalho e a sustentabilidade ambiental, ganhariam no mercado.

A dificuldade de realizar essa utopia é que, para que a escolha com a carteira seja vitoriosa, são necessárias quatro coisas: conscientização, informações sobre a qualidade social e ambiental das empresas, coordenação das escolhas individuais (o que estamos experimentando com o ficar em casa pelo coronavírus) e preços não proibitivos. Trabalhamos nisso há muitos anos, construindo plataformas com a sociedade civil que ajudam a difundir as classificações sobre a sustentabilidade social e ambiental das empresas (acesse aqui e aqui).

Vou dar um exemplo de escolha com a carteira também válido para a emergência. Criamos uma plataforma (com uma rede de organizações da sociedade civil que comercializa produtos dos campeões italianos de sustentabilidade (as melhores massas orgânicas do país, agricultura social, economia prisional, produtos para a saúde). É possível escolher com a carteira com um clique, não sair de casa e premiar as empresas que trabalham melhor em questões sociais e sustentabilidade ambiental. A mudança do mundo depende apenas de nós.

Na introdução do livro A revolução sóbria do Papa Francisco (em trad. livre), você diz que a felicidade consiste em levantar-se do "sofá e entrar em campo para ser generativo". De que geração se trata?

Estudos sobre os determinantes da satisfação e do sentido da vida que agora são numerosos e consideram as informações de milhões de dados nos dizem que a variável chave para a felicidade é a generatividade. Parafraseando, podemos ter renda, saúde, educação e viver no melhor lugar possível, mas se você não se levantar do sofá, não poderá ser feliz. A última milha da felicidade depende da nossa ativação, do nosso envolvimento. A generatividade é explicada muito bem por duas citações de John Stuart Mill e Antonio Genovesi:

Faça o seu melhor para o seu interesse, nenhum homem poderia operar de outra maneira para sua felicidade, senão seria um homem menos homem: mas não queira fazer a miséria alheia, e se puder e quando puder se esforce para fazer os outros felizes. Quanto mais se trabalha por interesse, melhor, desde que não se seja louco, deve-se ser virtuoso. É a lei do universo que não podemos fazer a nossa felicidade sem fazer a dos outros (Genovesi, Autobiografia e lettere, p. 449).

Somente aqueles que têm objetivos diferentes da felicidade pessoal são felizes: isto é, a felicidade dos outros, o progresso da humanidade, até alguma arte ou ocupação, perseguida não como meio, mas como fins ideais em si. Assim, aspirando a outra coisa, encontram a felicidade ao longo do caminho (John Stuart Mill).

Em resumo, você é generativo e, portanto, feliz, na medida em que sua vida contribui para a felicidade de algum outro ser humano e quanto mais o faz. Não devemos confundir generatividade com frenético ativismo. Os generativos devem ser capazes de contemplar e dialogar porque a essência da vida é a qualidade das relações e as relações dependem de uma harmonia e alternância entre dar e receber.

Nota:

[1] A entrevista com Leonardo Becchetti apareceu no site Tuttavia em 29 de março de 2020.

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